Pesquisas
orientadas pela professora Cláudia Herrera Tambeli, do Departamento
de Ciências Fisiológicas, da Faculdade de Odontologia de
Piracicaba (FOP) da Unicamp, revelam que as variações cíclicas
dos hormônios sexuais femininos durante o ciclo menstrual
estão relacionadas com a maior intensidade e prevalência
da dor articular da boca (Articulação Temporomandibular),
enquanto os homens são mais protegidos pela maior concentração
de testosterona. Os trabalhos orientaram-se no sentido de
verificar a influência do sexo e dos hormônios sexuais sobre
a dor da Articulação Temporomandibular (ATM) e sobre o efeito
de analgésicos e anti-inflamatórios, e continuam com o desvendar
dos mecanismos de ação em ambos os casos.
Segundo a professora, o objetivo das pesquisas é estudar
a influência dos hormônios sexuais nos mecanismos de inflamação,
de dor e de anagelsia. “Queríamos saber se de fato existem
entre homens e mulheres diferenças em relação à dor, aos
mecanismos responsáveis pelo seu processamento, às respostas
à ação de analgésicos e antiinflamatórios, já que as diferenças
sexuais e variações hormonais não são atualmente levadas
em consideração no tratamento farmacológico da dor”.
Segundo a docente, mesmo entre as mulheres ocorre uma variação
hormonal cíclica durante o período reprodutivo. “Estamos
interessados em saber se ela interfere no mecanismo por
meio do qual as mulheres sentem dor e se isso pode modificar
a eficácia de um analgésico ou de um antiinflamatório”.
A pesquisadora se pergunta ainda se não haveria um período
do ciclo menstrual da mulher em que determinado analgésico
se revelaria mais eficaz. Como todo fármaco tem efeito colateral,
considera que já seria um beneficio utilizar o medicamento
em período de maior eficácia, quando a dose poderia ser
menor. Para tanto, segundo a professora, é necessário determinar
o período em que a dor se manifesta com mais intensidade,
conhecer como as alterações hormonais influenciam a dor
e a eficácia dos medicamentos. Entende que esse conhecimento
revolucionará o tratamento da dor.
Devido à ocorrência de variação da concentração dos hormônios
sexuais femininos, ao comparar os dois sexos, Claudia considerou
duas mulheres: as das fases de baixa e alta concentração
de estrógeno, que caracterizam, respectivamente, a menstruação
e o período que a sucede e que atinge o auge na pré-ovulação.
Cirurgiã-dentista, ela vem se dedicando mais profundamente
ao estudo da dor relacionada à articulação da boca desde
o doutorado na Universidade de Toronto, no Canadá, e posteriormente
no pós-doutorado realizado na Universidade da Califórnia,
nos Estados Unidos. Foi lá que teve contato com um trabalho
que tinham publicado na prestigiosa Nature que mostrava
o efeito de analgésicos opióides em pacientes com dor pós-operatória
resultante da extração do terceiro molar. A repercussão
internacional foi muito grande porque o artigo relatava
diferenças no efeito do analgésico entre homens e mulheres.
Inserida nessas preocupações e acompanhando os trabalhos
que se publicavam, de volta ao Brasil, passou a se dedicar
à linha de pesquisa relacionada à dor articular. Ela lembra
que hoje a influência dos hormônios na dor e nos efeitos
dos analgésicos e antiinflamatórios envolve pesquisadores
em nível internacional. Esclarece que, embora essas dores
tenham em geral intensidade e prevalência maior nas mulheres,
o fato de a maioria dos pesquisadores da área serem homens
talvez explique, pelo menos em parte, a despreocupação anterior
em se investigar a possibilidade de diferenças no efeito
dos medicamentos entre homens e mulheres.
Como mulher, se considera na obrigação de fazer esses estudos
porque antevê a possibilidade de existir uma droga que seja
mais efetiva – ou efetiva apenas na mulher ou no homem:
“Interessei-me em investigar as particularidades do sexo
feminino em relação à dor articular pelo fato dela ser mais
prevalente e mais intensa no sexo feminino. A constatação
de que a dor na mulher é mais intensa sugere que os mecanismos
dolorosos variam entre os sexos, mas nem por isso o tratamento
tem sido diferenciado”.
O estudos indicam que a dor se manifesta mais na fase em
que a concentração do estrógeno é mais baixa. As pesquisas
por ela orientadas mostram que o risco de manifestação da
dor articular no sexo masculino é menor do que no feminino
por causa da maior concentração de testosterona, embora
outros fatores também possam estar envolvidos.
Os trabalhos desenvolvidos por sua equipe, além de permitirem
concluir que existem diferenças ligadas ao sexo em relação
à prevalência e intensidade da dor articular da boca relacionada
ao maior nível plasmático de testosterona no sexo masculino,
mostram também que, nas mulheres, essa possibilidade aumenta
por conta da variação hormonal, verificando-se maior probabilidade
de manifestação da dor nos períodos de baixa concentração
de estrógeno. As pesquisas continuam na elucidação dos mecanismos
envolvidos e que podem determinar essas diferenças e simultaneamente
procura encontrar analgésicos que eventualmente possam ser
mais efetivos em cada um dos sexos.
Claudia explica que o inédito nesse trabalho foi ter demonstrado
pela primeira vez que a testosterona protege o sexo masculino
em relação à manifestação da dor da articulação da boca.
E explica: “Já se sabia que no sexo masculino o risco de
manifestação desse tipo de dor é menor, mas não se sabia
a causa, e isso nós demonstramos. O trabalho foi publicado
na revista internacional The Journal of Pain. Também temos
observado uma diferença nos mecanismos biológicos da dor
na articulação da boca com relação às outras partes do corpo.
Isso tem uma influência direta no tipo de medicamento usado
para o controle da dor na articulação da boca e no controle
de outras dores do corpo”.
Com base nessas pesquisas preliminares, o grupo testará
agora um novo tratamento da dor articular em humanos. Os
resultados podem levar à proposta de um medicamento mais
específico para tratamento da dor da articulação da boca,
com eficácia estudada em homens e mulheres e verificação
da dosagem em função do ciclo menstrual. Todos os projetos
envolvendo essa linha de pesquisa foram e são financiados
pela Fapesp. Os trabalhos são desenvolvidos em colaboração
com o professor Carlos Amilcar Parada, do Instituto de Biologia
(IB), que também desenvolve trabalhos nessa direção. “Discutimos
as idéias, principalmente em relação à dor inflamatória
e à descoberta de novos medicamentos, e existe uma forte
sinergia entre os componentes dos nossos grupos. A professora
Maria Cecília F. de Arruda Veiga, do Departamento de Ciências
Fisiológicas da FOP, também tem colaborado com nossos trabalhos”.