De
34 processos de crimes entre pais e filhos, tramitados e
julgados entre 1982 e 2002 no Fórum de Campinas, no setor
de crimes contra a vida, 21 foram praticados pelos filhos
contra os pais. Em 13 casos, os pais atentaram contra a
vida dos filhos. De todos os processos julgados, em 17 deles
os réus conseguiram absolvição e em 8 houve condenação.
O restante dos processos foi arquivado em razão da morte
dos réus e por outros motivos, como a desclassificação do
delito para lesão corporal, por exemplo.
Esses dados constam da pesquisa inédita realizada pela
antropóloga Daniela Moreno Feriani, no Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas (IFCH). Ela analisou os processos de
homicídio e tentativa de homicídio entre pais e filhos,
e desenvolveu um banco de dados com o perfil socioeconômico
tanto da vítima como do acusado, com dados referentes à
cor, idade, estado civil, residência e profissão.
Nos crimes analisados, a arma mais utilizada foi a faca,
a chamada “arma branca”. Nos casos em que os pais foram
as vítimas, os homens foram os mais atingidos, somando 15
ocorrências. A maioria das vítimas era de cor branca e alfabetizada,
com idade variando entre 45 e 49 anos. Já os réus, em geral,
eram jovens de 20 a 24 anos, brancos, solteiros e com antecedentes
criminais.
O banco de dados, elaborado a partir da leitura e análise
dos processos, também trouxe os argumentos e as estratégias
de advogados, promotores e juízes no julgamento de crimes
de homicídio e tentativa de homicídio entre familiares.
Daniela, sob orientação da professora Guita Grin Debert,
assistiu ainda a audiências, julgamentos e realizou entrevistas.
“Em geral, os estudos sobre violência doméstica priorizam
os crimes entre casais e, por isso, havia uma lacuna em
relação ao estudo sobre os chamados crimes entre gerações”,
destaca Daniela. Neste sentido, a antropóloga constatou
que os casos em que o pai mata o filho e o marido executa
a esposa estão relacionados, respectivamente, às noções
de autoridade e honra. Já quando os filhos e as esposas
são os acusados, as argumentações recorrem à tese da loucura
(dos filhos) e da defesa da vida (nas mulheres).
Segundo Daniela, suas conclusões contrariam os estudos sobre
violência doméstica que explicam sentenças favoráveis ao
réu a partir de uma tentativa, por parte da justiça, de
defender a família. “Mostro que não se trata de preservar
ou defender, apesar de ser esta a retórica dos advogados
nos processos criminais, mas de expulsar a família do sistema
de justiça ao reconhecê-la como palco de conflitos insolúveis
que desafiam a capacidade do Direito Penal de julgar”, argumenta.
Desta forma, conclui, esses crimes ora são direcionados
para a área da psiquiatria ou são devolvidos à família,
com a absolvição do réu.