Que
o setor de saneamento básico no Brasil tem uma elevada importância
social e ambiental todo mundo sempre soube. O que ninguém
conhecia até agora é a relevância econômica do segmento
para o país. Estudo coordenado por pesquisadores do Núcleo
de Economia Industrial e da Tecnologia (Neit), do Instituto
de Economia (IE) da Unicamp, cuidou de desvendar esse aspecto.
De acordo com o trabalho, que contou com a colaboração de
especialistas de outras instituições, entre as quais o Banco
Mundial, a cadeia constituída pelos serviços de saneamento
exerce considerável influência na economia brasileira, traduzida,
por exemplo, na geração de empregos, na capacidade de agregação
de valor e na sua eficiência econômica. “O aspecto auspicioso
que acompanha essa constatação é que a atividade ainda tem
muito espaço para crescer, visto que estamos distantes da
universalização dos serviços, principalmente no que se refere
ao tratamento de esgoto”, analisa o professor Fernando Sarti,
um dos coordenadores da pesquisa.
O estudo, que levou um ano para ser concluído, foi financiado
pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
(Sabesp), maior empresa do gênero no país. Conforme o professor
Célio Hiratuka, coordenador do Neit e um dos orientadores
do trabalho, o próprio setor desconhecia a sua realidade
do ponto de vista econômico. “Alguns dados levantados pela
pesquisa surpreenderam as operadoras e os demais integrantes
da cadeia de serviços”, conta. Em números absolutos, informa
Sarti, o segmento movimenta algo como R$ 20 bilhões ao ano.
Embora expressiva, a cifra não revela, por si só, a dimensão
e o impacto que a área de saneamento básico causa na economia
brasileira. Para mensurar devidamente esse aspecto, os pesquisadores
investigaram detidamente diversos pontos.
O primeiro desafio foi delimitar a cadeia de saneamento.
Os objetivos eram definir a importância econômica do setor,
identificar os elos da cadeia de fornecimento e comparar
o segmento com congêneres internacionais. Os números que
emergiram dessa radiografia são expressivos. De acordo com
o professor Sarti, o segmento representa 0,59% do valor
agregado total da economia nacional. Em 20 países tomados
para comparação, esse índice ficou, em média, em 0,26%.
“Ou seja, o peso desse segmento é maior no Brasil do que
em economias desenvolvidas, como Japão, Reino Unido, Bélgica,
Alemanha, Itália etc”, explica o docente. Já a eficiência
do setor, que representa a capacidade que ele tem de gerar
valor, é de 65,3% no Brasil, contra 57,4%, na média, das
nações consideradas.
Ainda
em se tratando de eficiência econômica, assinala o professor
Hiratuka, a área de saneamento tem maior capacidade de agregação
de valor que a média dos demais setores que compõem a economia
brasileira. Para cada unidade de consumo intermediário,
o segmento agrega outras duas. “Nos demais setores, a proporção
é de um para um”, afirma o coordenador do Neit. A partir
da metodologia desenvolvida para a pesquisa, os cientistas
tiveram como simular os impactos diretos e indiretos da
produção do setor sobre a economia, tomando alguns cenários
hipotéticos. Assim, se a demanda pelos serviços sofresse
um aumento de apenas 1%, seriam gerados R$ 158 milhões em
valor da produção, R$ 29, 7 milhões em salários, R$ 7,4
milhões em contribuições sociais e R$ 6,9 milhões em impostos
diretos e indiretos. Também geraria perto de 1,5 mil empregos,
sendo 700 dentro e 800 fora do setor.
Já se a demanda pelos serviços crescesse 10%, seria gerado
R$ 1,5 bilhão em valor da produção, R$ 296 milhões em salários,
R$ 73 milhões em contribuições sociais, R$ 69 milhões em
impostos diretos e indiretos e algo como 14,5 mil empregos.
“Esses dados referem-se apenas à produção. Se considerarmos
a questão do investimento, que implica na capacidade de
expansão do setor, os impactos seriam ainda maiores. Nas
simulações que fizemos, apuramos que para cada R$ 1 bilhão
investido no segmento, seriam gerados 42 mil empregos, R$
1,6 bilhão de valor da produção, R$ 800 milhões de valor
agregado e R$ 76 milhões em impostos diretos e indiretos”,
acrescenta o professor Sarti.
Segundo o economista, além de produzir impactos positivos
na economia e ainda ter muito espaço para crescer, o setor
de saneamento também se destaca por não pressionar as importações,
visto que todos os insumos são encontrados no próprio país.
“Se existe uma atividade que pode ser considerada estratégica
para o Brasil, esta sem dúvida é a de saneamento básico.
Além de ajudar a alavancar a economia e gerar emprego e
riqueza, ela traz enormes ganhos ambientais e de saúde pública.
Se tudo o que foi projetado pelos governos estaduais, municipais
e federal for de fato investido nesse segmento no período
de 2008 a 2011 [perto de R$ 48 bilhões], serão criados 2
milhões de novos empregos e promovida uma ampliação significativa
da qualidade de vida da população”, estima Sarti.
Desafios
Mas para que o setor de saneamento básico possa avançar
tanto em termos produtivos quanto de investimentos, o Brasil
precisará superar alguns entraves, apontam os pesquisadores
do Neit. O primeiro deles, observa o professor Sarti, é
a falta de engenharia. Ademais, há carência de profissionais
qualificados no mercado para atuar nessa atividade. Outro
problema refere-se à escolha dos operadores. Por ser um
setor com grande potencial de rentabilidade, o saneamento
básico corre o risco de atrair empreendedores que estão
interessados somente em obter a remuneração do investimento
em um curto espaço de tempo, o que inviabilizaria projetos
de longo prazo. “Isso é extremamente preocupante, pois o
setor de saneamento requer investimentos de longo prazo,
para que a infraestrutura acompanhe adequadamente o crescimento
da demanda. O risco que corremos é que eventuais aventureiros
ingressem no setor, fiquem por pouco tempo e se retirem
deixando muita coisa por fazer”, adverte.
Um terceiro aspecto igualmente importante, continua o professor
Hiratuka, está na definição de uma política tarifária que
permita o crescimento do setor, mas que não exclua as famílias
de baixa renda do acesso aos serviços, dado que são as que
mais sofrem com a falta de saneamento, notadamente no que
se refere à coleta e tratamento de esgoto. “Certamente vamos
precisar promover uma revisão tarifária, visto que as famílias
com renda de até três salários mínimos não poderão pagar
uma conta igual às das famílias mais abastadas. Precisaremos
definir um sistema de subsídio cruzado, de forma a financiar
a expansão do segmento e impulsionar o avanço rumo à universalização
dos serviços. Trata-se de uma questão de justiça social”,
pontua. Atualmente, perto de 30% dos domicílios brasileiros
não recebem fornecimento de água. Outros 60% não contam
com rede coletora de esgoto. Registre-se que no Brasil cerca
de 80% das doenças e 65% das internações hospitalares estão
relacionadas em alguma medida com a falta de saneamento
básico.
Sabesp
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
(Sabesp), financiadora do estudo coordenado pelos pesquisadores
do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (Neit),
do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, é uma empresa
de economia mista, que tem como principal acionista o governo
do Estado de São Paulo. Atualmente, a Sabesp atua em 366
municípios paulistas, que abrigam uma população de 26 milhões
de habitantes.
A Sabesp produz cerca de 100 mil litros de água por segundo.
Somadas, as redes de distribuição de água e de coleta de
esgoto da empresa seriam suficientes para dar duas voltas
em torno da Terra. O patrimônio líquido da companhia, que
emprega 17 mil trabalhadores, é de US$ 4 bilhões. De acordo
com a pesquisa coordenada pelo Neit, caso a Sabesp mantenha
os investimentos projetados para o período de 2008 a 2010,
de cerca de R$ 5 bilhões, o impacto para a economia de São
Paulo seria significativo. Isso proporcionaria uma arrecadação
de impostos diretos e indiretos da ordem de R$ 683 milhões
e geraria 6,5 mil empregos, para ficar em apenas dois exemplos.