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Artífices do artista artificial

Jônatas Manzolli e Artemis Moroni   
(Fotos: Antonio Scarpinetti) A junção entre arte e tecnologia ganha um capítulo inédito no país. Foi aberta no último dia 5, na Galeria de Artes da Unicamp, a instalação sonoro-visual Aural – Ambiente evolutivo aplicado à sonificação de trajetórias robóticas. A instalação, que conta com o apoio da Fapesp e do Pibic/CNPq, é fortemente ancorada na pesquisa acadêmica. Entre outras plataformas, sons e imagens são produzidos por meio da integração de música criada por processos evolutivos, sistema de visão artificial e uma comunidade de robôs. O usuário pode interagir nesse cenário futurista. A exposição é fruto da reunião das pesquisas desenvolvidas por dois artistas-pesquisadores, ambos afeitos de longa data a experimentações no campo da inteligência artificial: Jônatas Manzolli e Artemis Moroni.

Compositor e matemático, Manzolli coordena o Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (Nics) da Unicamp. Sua pesquisa concentra-se nas aplicações de modelos matemáticos de sistemas complexos em composição algorítmica, síntese sonora digital, desenvolvimento de sistemas interativos, interfaces gestuais e paisagens sonoras. As obras de Manzolli têm sido apresentadas no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. Desenvolve pesquisas interdisciplinares envolvendo professores e alunos da Música, Matemática, Engenharia Elétrica e Ciência da Computação. Não por acaso, Aural conta com a contribuição de 15 alunos da Unicamp, muitos dos quais envolvidos em trabalhos de iniciação científica orientados pelo compositor.

Artemis Moroni é pesquisadora da Divisão de Robótica e Visão Computacional do Centro de Tecnologia da Informação “Renato Archer” (DRVC/CTI). Fez graduação e mestrado em Ciência de Computação na Unicamp, e doutorado em Engenharia de Computação, também na Universidade. Artemis já participou de várias exposições que reuniram arte e tecnologia, entre as quais as edições de 1989 e 1991 da Bienal de São Paulo. Em ambas, como fundadora e coordenadora do grupo Asterisco Ponto Asterisco (*.*), do qual foi fundadora. O trabalho pioneiro desenvolvido pelo grupo, relembra a pesquisadora, foi importante para suas pesquisas na área. “Os projetos eram muito complexos, o trabalho exigia uma abordagem interdisciplinar. As pessoas entravam e saíam de acordo com as necessidades do trabalho”. Foi um caminho sem volta. A partir de então, a pesquisadora sempre recorreu à fusão de diferentes elementos, invariavelmente com conexões vanguardistas.

Aspectos da Instalaçatilde;oPartindo para a conceituação, Artemis lembra que, atualmente, muitas das plataformas que permitem intervenções artísticas no campo da inteligência artificial estão acessíveis.

“Os softwares hoje disponíveis têm muito apelo entre os jovens, a quem, aliás, dedicamos esta instalação”. Entretanto, pondera, existe ainda muita resistência quanto às plataformas híbridas. “Poucos encaram as intervenções tecnológicas como arte. A maioria prefere achar que se trata de um experimento”, argumenta, lembrando que o cinema e a fotografia também passaram por problemas similares de aceitação.

Ademais, prossegue, há o problema da comercialização das obras. “São instalações que não podem ser vendidas como quadros. Em um mercado como o brasileiro, que é precário até para os artistas consagrados, a universidade passa a ser uma espécie de ‘mecenas’ da arte tecnológica. A resistência existe, inclusive, por parte dos museus”.

Na opinião de Artemis, a discussão sobre criatividade e tecnologia é recorrente. A pesquisadora vai até o século 19 para corroborar sua tese. Lembrou que Ada Lovelace (1815-1852) foi a primeira pessoa a indagar – e responder – se os computadores poderiam ser criativos. Na condição de colaboradora de Charles Babbage (1791-1871), inventor do primeiro computador de uso geral, Artemis assinala que Ada percebeu que a “máquina analítica” de Babbage – na verdade, um projeto de um computador digital – poderia “compor peças de música científicas e elaboradas de qualquer grau de complexidade e extensão”.

A colaboradora de Babbage ponderava que a criatividade deveria ser creditada não ao engenho, mas ao engenheiro. Artemis destaca também o papel pioneiro do artista plástico Valdemar Cordeiro, que já na década de 1960 fundia arte e computação, reunindo equipes de profissionais de várias áreas em seus trabalhos.

Ainda no campo dos conceitos, “o objetivo último” a ser atingido, reforça Artemis, é o advento de um artista artificial – computador, equipamento, sistema etc – que seja capaz de ser criativo. “Um dos paradigmas nos modelos atuais de criatividade computacional, que tem ainda suas limitações, é justamente a computacão evolutiva”, afirma a pesquisadora, que escreveu na apresentação da instalação: “Não se pode ignorar o potencial ‘criativo’, ou ‘criador’, da evolução, o que talvez venha atraindo a pesquisa de tantos profissionais da área de criação, artistas, músicos e designers para o campo da computação evolutiva. Programas que usam algoritmos evolutivos podem evoluir estruturas inesperadas, de uma forma que a mente humana não poderia produzir por si mesma” .

Segundo a pesquisadora, a computação evolutiva tem sido usada como um modelo computacional de criatividade. Espera-se que, com o tempo, ela consiga romper a fronteira do domínio em exploração. “Isso tem que ser avaliado por alguém que tenha capacidade de reconhecer o mérito do objeto. Um dos pontos críticos, na minha opinião, é automatizar a avaliação. Não podemos nos esquecer que a criatividade tem sempre três componentes: o domínio, o artista e o avaliador”.

Artemis afirma que, no caso da instalação, o Aural é o artista, funcionando consequentemente como criador nos domínios sonoro e visual. “O avaliador é o público”, compara a pesquisadora. Público, de resto, que poderá “atuar” na instalação. “O usuário poderá, por meio do desenho de uma curva com o mouse, disparar um processo que resultará numa complexa cadeia de eventos sonoros”. Para os mais infensos às novidades, há uma pitada de “realismo” no dia 20, data em que se encerra a instalação. Três músicos executarão a estréia da obra Variações Robóticas, de Manzolli, além de trechos produzidos pelo Aural. Sons tirados da marimba, piano digital e violoncelo se misturarão com os acordes produzidos pelo Aural.

Como funciona

O sistema de sonificação do AURAL está estruturado na aplicação de computação avolutiva para geração de eventos sonoros. Neste contexto, a representação do protocolo MIDI foi usada na composição do genótipo da população de acordes em evolução, como no desenvolvimento original do sistema VOX POPULI, sobre o qual foi construído o núcleo da instalação AURAL, o ambiente JaVOX. A característica sonora de ambos é descrever o processo de sonificação através de populações de clusters e acordes criando uma nova sonoridade a cada passo do processo.

No AURAL, as trajetórias geradas pelos robôs são associadas às estruturas sonoras do JaVOX. No computador, o usuário desenha curvas com o mouse, associando a elas trajetórias que guiam a produção sonora. A curva desenhada pelo usuário é transmitida como uma trajetória para um robô mestre, o NOMAD, percorrer numa arena monitorada por um sistema de visão artificial. Outros robôs móveis, os iCreates, estarão presentes no ambiente. Quando há colisão, o iCreate se afasta. O comportamento dos robôs é observado pelo sistema de visão artificial, omnidirecional, que monitora as trajetórias dos robôs, enviando-as de volta para o ambiente JaVOX.

Desta forma, o fluxo de informação parte e retorna para o JaVOX no processo de sonificação. O sistema de amplificação sonora é realizado no entorno do espaço onde os robôs navegam e para isto são utilizadas duas caixas acústicas e uma placa de som conectada ao computador central.

O processo de vínculo entre o comportamento dos robôs no espaço e a sonificação foi desenvolvido com o objetivo de verificar a capacidade do AURAL de criar texturas sonoras auto-organizadas a partir de interações simples entre os agentes do sistema, os robôs móveis. Outras câmeras capturam imagens do ambiente que, processadas, são projetadas como cenários. As câmeras são os “olhos” da instalação, apresentando algumas das possibilidades do que pode ser a visão robótica.

Fonte: Artemis Maroni

 

 


 

 
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