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Pesquisadores do IG atestam que
meteorito formou cratera no RS
Confirmação foi feita
com base em análise de amostras de rochas
MARIA
ALICE DA CRUZ
A
origem geológica do Cerro do Jarau, localizado no município
gaúcho de Quaraí, na fronteira Brasil/Uruguai, é meteorítica,
de acordo com evidências identificadas pelo professor Alvaro
Crósta e pela geóloga Fernanda Lourenço, do Instituto de Geociências
(IG) da Unicamp. A confirmação de que se trata de uma cratera
formada pelo impacto de um meteorito foi feita com base em
evidências de processos de deformações encontradas em amostras
de rochas, coletadas em um trabalho de campo e estudadas em
laboratório por meio de microscópio. Outras evidências, segundo
Crósta, são feições visíveis a olho nu, chamadas de shatter
cones. Compostos por estruturas cônicas estriadas, os shatter
cones são unicamente formados em crateras de impacto, pela
passagem da onda de choque pelas rochas. Imagens de sensoriamento
remoto obtidas por satélites também ajudaram a caracterizar
essa nova cratera meteorítica.
Crósta explica que o impacto
de um meteorito de grandes dimensões libera uma quantidade
de energia completamente incomum a qualquer outro tipo de
processo geológico existente na Terra. No caso de Cerro do
Jarau, estima-se que a quantidade liberada pelo meteorito,
que teria entre 600 e 700 metros de diâmetro, tenha sido equivalente
a 550 mil bombas atômicas iguais à que destruiu a cidade de
Hiroshima no Japão em 1945. O meteorito foi capaz de provocar
uma cratera, hoje já parcialmente erodida (chamada de “astroblema”)
com cerca de 13,5 quilômetros. “Não há nenhum outro processo
que libere tanta energia na superfície da terra como o impacto
de um meteorito com essas dimensões. As deformações produzidas
nas rochas em decorrência desse tipo de fenômeno são permanentes
e servem para diagnosticá-lo. É então com base nelas que podemos
dizer: aqui ocorreu um impacto”, explica. A comprovação rendeu
a produção de um artigo que deverá compor a próxima edição
do livro Large Meteorite Impacts IV a ser lançada, em março,
pela Sociedade Geológica da América (GSA).
Muitas
vezes, entre a descoberta de uma estrutura que pode ser uma
cratera meteorítica e a comprovação segura de sua origem,
podem se passar décadas, segundo Crósta. Foi justamente isso
que ocorreu com a cratera de Cerro do Jarau, cuja possível
origem meteorítica já havia sido aventada por pesquisadores
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul na década de
1980. Mas ainda não tinham sido encontradas as evidências
de deformação por impacto necessárias para a comprovação da
origem. O mérito do trabalho realizado pelos pesquisadores
da Unicamp no Cerro do Jarau, na opinião do professor, foi
conseguir encontrar as feições específicas de uma cratera
meteorítica. “Muitas vezes, essas feições são muito difíceis
de encontrar, o que torna necessária a análise de uma grande
quantidade de material. Existem várias estruturas similares
no mundo, que apesar de terem toda a aparência de crateras
meteoríticas, não se conseguiu até hoje comprovar a origem”,
declara.
Crosta explica que, no caso
de crateras meteoríticas mais jovens, existe a possibilidade
de se encontrar fragmentos dos meteoritos que as formaram,
mas quanto às crateras antigas, a comprovação torna-se mais
difícil pelo fato de os meteoritos serem instáveis, do ponto
de vista geoquímico, quando expostos às condições vigentes
na superfície da Terra. “Quando há fragmentos do meteorito,
como no caso da Meteor Crater, no Arizona, formada há apenas
50 mil anos, a comprovação é mais simples e direta, porém,
quando não há, vamos atrás dessas evidências indiretas, que
são as deformações nas rochas causadas pela liberação dessa
enorme quantidade de energia”.
Outro fato importante a respeito
de Cerro do Jarau é o fato de ser a terceira cratera brasileira
formada em rochas basálticas (vulcânicas) e a quarta no mundo.
A análise do processo de formação de crateras meteoríticas
em rochas basálticas é importante para as pesquisas sobre
a evolução geológica da superfície de outros corpos planetários,
tais como a Lua e Marte, onde a presença de rochas basálticas
é bastante comum, segundo Crósta. “Como o acesso direto a
essas superfícies é difícil, pode-se inferir informações importantes
usando as crateras basálticas terrestres como análogos das
suas similares lunares ou marcianas”, explica.
Ele explica que são raras
as exposições de rochas basálticas em grandes extensões
continentais no Planeta Terra. Dentre as maiores exposições
desse tipo de rocha encontram-se as da Bacia do Paraná, no
Sul do Brasil, e as do Platô de Deccan, na região centro-oeste
da Índia, onde também existe uma cratera meteorítica. “Mas
esta cratera da Índia, chamada Lonar, é pequena, relativamente
jovem, e o seu interior foi preenchido por um lago, o que
torna difícil o acesso”, explica.
No Brasil, os basaltos são
oriundos das fissuras ocorridas na crosta terrestre, na época
da separação entre os continentes africano e sul-americano
e a formação do Oceano Atlântico, segundo o professor. Eles
teriam se espalhado na superfície e formaram camadas muito
espessas. “Em alguns locais da Bacia do Paraná, as camadas
de basalto chegam a mais de 2 quilômetros de espessura.” Quando
houve a separação entre os continentes, uma parte dessa província
basáltica ficou na África, e a outra ficou na América do Sul,
contudo, não se conhece nenhuma cratera meteorítica na região
basáltica da África.
Encontro
Tantas descobertas levam pesquisadores brasileiros a dar passos
importantes no sentido de conhecer melhor as crateras do país.
Uma das iniciativas foi propor uma sessão sobre crateras
em basaltos num grande encontro internacional da União Geofísica
Americana (AGU) que será realizada em Foz do Iguaçu em agosto
deste ano. “Já recebemos contato de especialistas internacionais
em planetologia comparada, grupos que estudam as crateras
em outros planetas, e outros que vêm estudando essa cratera
da Índia. Após o evento, faremos uma viagem de campo para
levá-los a conhecer duas das crateras basálticas brasileiras:
Vista Alegre, no Paraná, e Vargeão, em Santa Catarina”,
informa.
No Brasil, não há nenhuma cratera meteorítica suficientemente
grande para provocar um evento de extinção em massa da vida.
De todo modo, é possível que as crateras brasileiras tenham
produzido efeitos regionais com relação à extinção de
formas de vida existentes à época do impacto.
Uma das crateras mais interessantes
desse ponto de vista está localizada na divisa de Mato Grosso
e Goiás. Trata-se da cratera de Araguainha, a maior da América
do Sul, e também a primeira a ser estudada por Crósta em sua
dissertação de mestrado, na década de 1970. Com 40 quilômetros
de diâmetro, ela já possui uma dimensão suficiente para ter
produzido efeitos consideráveis sobre as formas de vida então
existentes. Uma relação que desperta o interesse científico
pelo impacto que formou essa cratera é o fato de sua idade,
determinada em 245 milhões de anos, ser bastante próxima do
maior evento de extinção em massa ocorrido na Terra, o do
Permiano-Triássico.
Ocorrido no final do Paleozóico,
há aproximadamente 250 milhões de anos, esse evento foi responsável
pela extinção de 80% das formas de vida, e os cientistas vêm
buscando uma causa para essa extinção. Embora não haja possibilidade
do impacto que formou Araguainha ser o único responsável por
uma extinção de tal magnitude, a proximidade das idades é
importante por poder sugerir uma associação entre os diferentes
eventos. “Araguainha é a única cratera brasileira que tem
uma idade precisa, obtida por métodos isotópicos de datação
geocronológica”, explica o professor. As outras cinco crateras
brasileiras têm de 9 a 13 quilômetros e não teriam capacidade
de produzir efeitos globais, mas sim regionais.
Quebra-cabeça
Durante algum tempo, os cientistas suspeitavam da ligação
entre impactos meteoríticos e a extinção de formas de vida,
mas há cerca de 15 anos, a comprovação dessa relação em pelos
menos um desses eventos de extinção foi feita com a descoberta
da cratera de Chicxulub, no Golfo do México. A idade dessa
cratera é de 65 milhões de anos, exatamente a mesma da grande
extinção que eliminou da Terra, entre outras formas de vida,
os dinossauros. Crósta explica que, nessa época, mais de 60%
de todas as formas de vida da Terra desapareceram. “Este evento
de extinção parece ter ocorrido em um intervalo de tempo relativamente
curto, o que não é condizente com os demais processos geológicos
comuns na superfície da Terra”, explica.
Para o professor, que contribuiu
diretamente para a comprovação da origem de quatro das seis
crateras existentes no Brasil, todas elas, independentemente
do tamanho, são importantes para montar o quebra-cabeça da
história da evolução do nosso planeta. Ele acrescenta que
o processo de formação de crateras, que poucas décadas atrás
não era considerado importante, hoje é considerado fundamental
na evolução da superfície de todos os corpos planetários sólidos.
“A diferença é que a Terra é geologicamente mais ativa quando
comparada a outros planetas, como Marte e Vênus, que são repletos
de crateras. A atividade geológica promove, com o passar do
tempo, a destruição das crateras terrestres”, diz Crósta.
As poucas crateras que restaram
são importantes, pois representam o registro parcial do que
ocorreu na Terra, segundo o professor. “Elas são amostras
que utilizamos para analisar a evolução da superfície do nosso
planeta”.
Recursos minerais e
interesse econômico
O interesse mundial
por estudar crateras pode não ser puramente científico,
mas também econômico. O maior depósito de níquel
do mundo, por exemplo, é associado à cratera de Sudbury
no Canadá, e esse níquel tem origem comprovadamente
meteorítica, segundo Crósta. A cratera de Vredefort,
na África do Sul, também tem associação com recursos
minerais, principalmente no que diz respeito à remobilização
de metais preciosos, que depois formaram algumas das
mais importantes jazidas de ouro do mundo. “Só para
ter ideia, no Canadá existem aproximadamente 40 crateras
meteoríticas e várias têm recursos minerais associados”,
explica Crósta.
Outro recurso
mineral que pode estar relacionado a crateras de impacto
no mundo são o petróleo e o gás. “Não existe uma
relação direta entre petróleo/gás e crateras meteoríticas,
mas os processos de deformação aos quais as rochas
são submetidas podem favorecer a criação de rochas-reservatório
para a acumulação desses hidrocarbonetos. É o que
ocorreu na cratera de Chicxulub no Golfo de México,
que contém grandes depósitos de gás em brechas de
impacto meteorítico, uma rocha-reservatório que apresenta
condições favoráveis para acumular petróleo e gás”,
explica.
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