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A autoajuda no mundo dos ‘lobos’
RAQUEL
DO CARMO SANTOS
Os
livros de autoajuda alcançam números impressionantes no mercado
editorial brasileiro, figurando no topo do ranking. Esse tipo
de leitura encontra cada vez mais adeptos em busca de orientação
para questões complicadas como morte, abandono e conflitos,
entre outras. Mas, o preconceito em torno do assunto, sobretudo
na academia, ainda é forte. Por isso, a antropóloga Talita
Pereira de Castro, em sua pesquisa de mestrado apresentada
no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), investigou
a produção editorial destes livros e, para sua surpresa, muitos
autores não classificam suas obras como voltadas para a autoajuda.
Pelo contrário, eles garantem que a concepção ao escrever
sobre determinados assuntos não teve o objetivo de orientar
ou ensinar como lidar com situações difíceis, mas sim apenas
relatar suas experiências.
“Esta questão reforça a tese
de que existe um mercado do gênero literário em expansão,
pois é certo que este tipo de leitura vende milhares de exemplares.
Mas, por outro lado, há um estereótipo negativo que permeia
essas publicações, impedindo que os próprios autores aceitem
o rótulo de autoajuda como são classificados pelos editores”,
afirma.
Para entender melhor essas
questões, Talita Castro, orientada pela professora Guita Grin
Debert, fez um recorte no tema sobre a periodização da vida,
ou seja, analisou mais de dez títulos nacionais que tratavam
da crise da vida adulta ou também chamada crise da meia-idade,
que supostamente ocorre com homens e mulheres na faixa etária
entre 40 e 50 anos. A antropóloga entrevistou ainda diversos
autores de livros e recorreu a matérias jornalísticas de revistas
e jornais, além de observar o tema tratado em novelas. Propositalmente,
ela não entrevistou leitores, uma vez que o objetivo era focar
a constituição do sujeito da perspectiva da produção dos livros.
“O material analisado me permitiu
concluir que há um movimento de produção cultural para caracterizar
uma possível crise que mulheres e homens passam na fase adulta
da vida, à semelhança do que ocorre na adolescência. Nos Estados
Unidos, por exemplo, existem títulos do gênero que sugerem
até uma crise dos 25 anos, fase em que o jovem sai da universidade
e tenta se inserir na área profissional desejada. O que se
percebe é a ideia de uma vida pautada por crises, como uma
maneira de sustentar o mercado de publicações”, explica a
socióloga, que pretende aprofundar os estudos nesta área em
pesquisa de doutorado.
A ideia de crise da meia-idade
é antiga. Nos livros de autoajuda, expressões do tipo “idade
do lobo ou da loba” começaram a ganhar corpo em meados da
década de 1990, com a publicação do livro “Quarenta: A idade
da loba”, de Regina Lemos. O livro retrata as mudanças no
universo feminino ocorridas durante a década de 1960, tornando-se
bastante conhecido e dando sequência a outras obras na mesma
linha. Neste caso, Talita fez apenas a análise do livro, uma
vez que a autora é falecida. Anterior a este, o escritor Elyseu
Madegan Junior lançou a obra “A idade do lobo” que vendeu
mais de 200 mil exemplares, levando o autor a publicar um
segundo título, “Homens 40 graus”, também sucesso editoral.
Mesmo tendo pesquisado, Talita não encontrou referências oficiais
da origem das expressões.
Os autores retratam as formas
de reação do homem e da mulher e, como era de se esperar,
as diferenças são evidentes. Segundo Talita, as mulheres tendem
a passar pelo momento com resultados muito mais positivos
que os homens. Se no universo feminino, a crise representa
uma retomada e uma forma de superação de muitos conflitos,
para o sexo masculino, lidar com as emoções é algo crucial.
Em todas as publicações aparece a figura do lobo bobo, ou
seja, a imagem de um homem frágil e infantilizado que não
consegue superar frustrações e medos de desemprego, impotência
sexual e outros conflitos, acabando invariavelmente perdido
em suas decisões.
“O lobo bobo aparece nos relatos
como aquele que reprime suas emoções ao longo dos anos e não
consegue controlá-las no momento de crise. Muitos acabam abandonando
as esposas e buscam mulheres mais jovens como forma de autoafirmação.
O que se observa é que o homem precisa mais da esposa para
superação da fase, do que a mulher do marido. A mulher é caracterizada
como poderosa, que continua a seduzir, a despeito das transformações
físicas que marcam o período”, avalia.
Em suas análises, Talita encontrou
características específicas para a mulher brasileira. Alguns
elementos apoiados no visual e na beleza podem constituir
uma marca exclusiva no Brasil, os quais diferem do universo
feminino americano, onde este tipo de literatura também é
bastante difundida. Trata-se de outro ponto que a socióloga
pretende explorar nas próximas pesquisas ao comparar os livros
de autoajuda publicados no Brasil e no exterior.
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