A história da enfermagem
em Campinas
Maria
Cecília Cardoso Benatti
Neste
ano em que se comemora o centenário do falecimento
de Florence Nightingale (13/8/1910) e se realiza o Ano Internacional
da Enfermagem, fui convidada para falar sobre a Trajetória
histórica da enfermagem campineira.
Campinas, fundada por Francisco
Barreto Leme no dia 14 de julho de 1774, e portanto com 236
anos, tem atualmente uma população que passa
de 1 milhão de habitantes. É há mais
de um século reconhecida como cidade de vanguarda no
país, centro de progresso e de cultura.
A história da enfermagem
na cidade teve um aspecto também pioneiro, mas não
é tão antiga quanto se poderia supor. Ela começou
há 61 anos, em 1949, com a Escola Madre Maria Teodora,
dedicada a formar enfermeiras. A criação da
escola veio opor-se ao amadorismo então existente das
atendentes de enfermagem e das irmãs de caridade vinculadas
às atividades religiosas, sem conhecimento teórico
e prático de uma especialidade para a qual isso é
indispensável.
De minha parte, falar dessa
trajetória, que consistiu na passagem do amadorismo
admirável, mas precário, para o profissionalismo,
significa recordar meus últimos 45 anos de existência.
Tive nesses anos a honra e a felicidade de me envolver com
uma parte da história da Santa Casa de Misericórdia
de Campinas e das Irmãs de São José,
e com uma parte de outras histórias: a da Faculdade
de Ciências Médicas da Unicamp, que hoje completa
48 anos, a do Hospital de Clínicas e seus enfermeiros
e a dos 33 anos do Departamento de Enfermagem da FCM/Unicamp.
Tudo para mim começou
em 1965, quando decidi que queria ser enfermeira. Fui acolhida
na Santa Casa de Campinas pelas Irmãs de São
José, que eram as responsáveis pela Faculdade
de Enfermagem Madre Maria Teodora. Essa escola, que havia
sido agregada em 1956 à Universidade Católica
de Campinas, foi fechada em 1967, tendo sobrevivido por apenas
dezoito anos, provavelmente devido ao rompimento brusco do
convênio da Santa Casa com a Congregação
de São José e também como consequência
da baixa procura de jovens dispostas a cursar enfermagem.
Sua última turma era composta por apenas três
alunas: duas freiras a irmã Tereza e a irmã
Inês e eu.
Em Campinas, como no Brasil
e em muitos outros países, a enfermagem surgiu no ambiente
hospitalar, centrada no modelo médico, com base em
conteúdos simplificados e adaptados de cursos de medicina
para os de enfermagem e ministrados basicamente pelos próprios
médicos. Na Madre Teodora não foi diferente.
Os docentes eram médicos que não recebiam remuneração
e as enfermeiras e irmãs de caridade somente ensinavam
o conteúdo prático.
A primeira diretora da escola
foi a irmã Antonieta Maria de Barros Bernardes. A última
diretora, já na minha época, foi a extraordinária
madre Maria de Fátima Gonçalves da Silva. Dela
guardo lembranças marcantes. Amiga, ensinou-me obstetrícia
e também noções de procedimento em caso
de urgência. Tivemos até mesmo de descer pelas
altas janelas da Santa Casa usando lençóis,
como parte do treinamento contra incêndio. Quando a
escola fechou, a madre Maria de Fátima tornou-se missionária
em um hospital da África. Lá, após anos
de dedicação extrema à comunidade, morreu
vítima de inúmeras crises de malária.
Na Faculdade de Enfermagem
Madre Maria Teodora também se formaram Ironita e Nicolina,
do Caism, Clarisse, Inês Benincasa, Maria Lídia
e Neide, do HC, e Leonor de Oliveira, do Cotuca. Essas ex-alunas
fizeram parte do grupo que assumiu a enfermagem da Santa Casa
quando as irmãs de São José se retiraram
para São Paulo com o fechamento da escola, em 1967.
Em
dezembro de 1962 foi criada a Unicamp, tendo como primeira
unidade a Faculdade de Medicina, que no início ocupava
parte da Maternidade de Campinas. A faculdade transferiu-se
em 1966 para a Santa Casa, representando isso uma alegria
para as alunas da Madre Teodora entre as quais eu estava.
A chegada dos alunos, em sua grande maioria rapazes, trouxe
um convívio muito agradável e um impulso no
profissionalismo que também os colegas propiciam. Lembro-me
de algumas festas promovidas pelo Centro Acadêmico Adolfo
Lutz, o CAAL, a que compareci, e do empenho caloroso de muitos
pelo aprimoramento da enfermagem.
A Santa Casa abrigou a Faculdade
de Medicina, de 1966 a 1985, e posteriormente também
o Curso de Enfermagem, de 1977 a 1985. Nesse ano de 1985 viemos
todos de mudança para o campus universitário,
no distrito de Barão Geraldo.
Em 1968 fui contratada como
enfermeira. Primeiramente éramos funcionários
da Santa Casa, para depois, aos poucos e por indicação
(pois não havia concurso), nos incorporarmos ao Hospital
de Clínicas da Unicamp. Recebi em minha contratação,
como enfermeira-chefe da quarta enfermaria (ginecologia, plástica,
urologia e ortopedia, em um único salão), o
número de matrícula 207: um indicativo de que
em 1969 a Unicamp possuía apenas 207 funcionários.
Nossos contratos foram assinados pelo professor Zeferino Vaz,
criador e primeiro reitor da Universidade no período
de 1966 a 1978.
No ano de 1971, o professor
José Aristodemo Pinotti assumiu a diretoria da Faculdade
de Medicina e convidou-me para criar e chefiar o Serviço
de Enfermagem do Hospital de Clínicas. Dessa passagem
pela chefia de enfermagem alguns fatos me vêm à
memória, com destaque para a criação
da Faculdade de Enfermagem da Universidade Católica
de Campinas, em 1972, e para a festa de comemoração
do centenário de fundação da Santa Casa
(18711971), quando se introduziu o novo uniforme, trocando
a saia pela calça comprida (pantalona) para as enfermeiras.
Nesse cargo permaneci por dois anos.
Corria
o ano de 1976 quando o professor Luiz Cietto, enfermeiro vindo
de São Paulo, com base na resolução nº
44 de 1966 do Conselho Estadual de Educação,
que previa a criação de uma faculdade de enfermagem
na Unicamp, propôs ao professor Pinotti a implantação
do curso de enfermagem. Isso se efetivou no dia 11 de novembro
de 1977, por decisão do Conselho Diretor da Unicamp.
Seu primeiro vestibular oferecia trinta vagas. O corpo docente
da nova escola era inicialmente composto por enfermeiras remanejadas
do HC e sem titulação.
São desse início
do curso Dalva Darcoleto S. Pereira, Rachel Noronha e Neusa
Alexandre. Também passaram pela escola na fase inaugural,
embora por pouco tempo, as professoras Leonizia Tobar e Maria
José dos Anjos Pinto.
O argumento central para a
criação do curso foi a necessidade emergente
de formar mão de obra para o Hospital de Clínicas,
que estava sendo construído desde 1975.
Sua instalação
foi uma ideia arrojada, concebida sem a necessária
base estrutural. Ideias arrojadas muitas vezes são
prejudicadas no nascedouro pelo ceticismo e enfrentam por
um tempo o descrédito, para só depois se transformarem
em realidade de grande alcance social. Foi o que aconteceu
com a Unicamp, com a FCM e também com o Departamento
de Enfermagem.
Em 1980, após voltar
de São Paulo, onde cursei administração
hospitalar, fui incorporada ao curso superior de Enfermagem.
Para que se avaliem as dificuldades enfrentadas pelos docentes
da época basta lembrar que, de 1980 a 1984, lecionei
trinta disciplinas em dezesseis diferentes áreas do
conhecimento.
O curso de bacharelado e licenciatura
em enfermagem, reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação
(parecer nº 2038/81 e portaria do MEC nº 322, de
20/8/1982 D. O. U.), trouxe para a primeira turma (aqui
representada pelo professor Tatagiba e pela professora Maria
Helena Baena) a tranquilidade de ter seu diploma registrado.
É da primeira turma também o professor Everardo,
do Instituto de Biologia.
O currículo da época
era compartimentado em disciplinas que reproduziam o modelo
médico e se voltavam de modo predominante para a assistência
curativa, individual e eminentemente hospitalar.
Foi
somente em 1986 que o Departamento de Enfermagem, juntamente
com a FCM, se transferiu para o campus universitário.
Antes disso teve sede em três casas alugadas próximas
da Santa Casa (nas ruas Barreto Leme, Teodoro de Lima e Benjamin
Constant). A transferência para o campus de Barão
Geraldo fez com que ficássemos alojadas por onze anos
na metade de um andar do prédio do Centro de Engenharia
Biomédica (CEB). Essa situação só
foi solucionada na gestão do (atual reitor) professor
Fernando Costa como diretor da FCM, quando se inaugurou nossa
sede própria em 1997.
Hoje, após uma expansão
da área física de 300 m² para 600 m²,
conseguida graças ao aumento (não sem sacrifícios
do corpo docente) de trinta para quarenta vagas no curso de
graduação, finalmente a enfermagem da Unicamp
está consolidada e almejando o projeto faculdade.
Não pode deixar de ser
registrado aqui o grande salto de qualidade que se deu na
enfermagem da Unicamp, em 1999, com a implantação
do programa de Pós-Graduação em Enfermagem.
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