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Nas bandas de SantAnna Gomes
Dissertação resgata obra
e trajetória
de irmão do compositor Carlos Gomes
José
Pedro de SantAnna Gomes
(1834-1908) é o irmão mais velho de Carlos Gomes
(1836-1896), considerado o maior compositor de Campinas, autor
da festejada ópera O Guarani. A cidade contou com outros
nomes de destaque na área, longe porém do patamar
de reconhecimento de Carlos Gomes. Foi o caso do maestro,
instrumentista e compositor SantAnna Gomes. Para além
da esfera musical, o irmão de Carlos Gomes teve uma
inestimável atuação na cidade, ocupando
espaço político e social. Atuou como juiz de
paz e empresário, sendo protagonista no processo de
urbanização do município.
Foi inegavelmente
um vetor cultural, define o músico Alexandre
José de Abreu, que recentemente estudou a vida e obra
de SantAnna Gomes em dissertação de mestrado
apresentada ao Instituto de Artes (IA).
Abreu concluiu que SantAnna Gomes não obteve
a merecida distinção pelo valor que as suas
obras de fato traduzem. Orientado pelo professor Edmundo Pacheco
Hora, do Departamento de Música do IA, o autor da dissertação,
que é fagotista da Orquestra Sinfônica da Unicamp,
fala isso com conhecimento de causa, pois fez uma profunda
imersão na intimidade musical dos Gomes. Uma grata
felicidade, conta, foi poder resgatar uma de suas obras originais
para banda, a Valsa Clube Campineiro, encontrada no Museu
Carlos Gomes, em Campinas.
Sobre o maestro compositor
de O Guarani repousa vasta admiração popular
na cidade, apesar de pouco ter vivido em Campinas, ao contrário
do irmão, que fincou aqui suas raízes, com muito
do seu tempo empregado na atividade de banda, um de seus maiores
legados. Ao desvendá-lo, o pesquisador apurou esta
intrínseca relação e se viu diante de
um panorama riquíssimo. Saltou-lhe aos olhos que muitos
segmentos sociais se faziam representar por meio de bandas:
colégios, fábricas, escravos ligados a grandes
fazendas, militares, imigrantes, comerciantes. O contexto
era a segunda metade do século 19, mais precisamente
a partir de 1870. O período antecedeu a Abolição
e a instalação da República.
Abreu buscou amparo para
estudar o assunto em dois núcleos principais
o Museu Carlos Gomes e a Banda Carlos Gomes, patrimônios
históricos
de Campinas. O Museu Carlos Gomes soma, além do Gomes
que lhe empresta o nome, as coleções particulares
do pai Manuel Gomes e do irmão SantAnna,
e também alguns objetos pessoais dos três.
No
Museu, existe uma biblioteca com periódicos e livros
de época. Mas a atuação de Abreu ficou
mais restrita aos manuscritos, o acervo principal. Ali fica
depositado o conjunto de manuscritos de Manuel junto ao arquivo
dos filhos. São muitas partituras, uma vasta produção,
tomando por base que os Gomes, relata Abreu, viveram um momento
em que a imprensa e a música no Brasil engatinhavam.
Este Museu é uma
referência para os pesquisadores e permite um maior
aprofundamento na vida desses músicos.
As duas óperas
de SantAnna, Alda e Semira (esta inacabada), estão
ali em estado bruto. São caixas e caixas de material
manuscrito somente para as duas óperas, de um esforço
musicológico enorme, recupera Abreu.
A Banda Carlos Gomes,
a partir de 1950, passou a realizar apresentações
junto ao monumento-túmulodo compositor. Atualmente,
além dos ensaios semanais, ela mantém escola
com cursos gratuitos na sua sede, tombada pelo Condepaac.
Ao pesquisar o acervo do maestro SantAnna, Abreu se
deteve nas peças originais para banda de música.
A Valsa Clube Campineiro
foi a sua maior contribuição, podendo agregá-la
a outros itens do catálogo do Museu, elaborado pela
estudiosa de maior expressão dos Gomes, Lenita
Nogueira. Esta ópera não estava disponível
durante a investigação. Foi uma felicidade trazê-la
à tona. Além de ser um material interpretativo
da atividade do maestro ligada às bandas, também
pudemos colaborar na edição desta e de outras
obras de sua autoria.
Em cena
O trabalho de SantAnna junto às bandas não
foi solitário. Dividiu esta atividade com outros experientes
músicos, como os maestros Azarias Dias de Melo e Luis
de Tulio, que incentivaram o seu prosseguimento. Os eventos
das bandas eram praticamente
os mais concorridos da época em Campinas. A grande
vantagem desta atividade, até hoje, é que ela
exibe uma plasticidade maior, não se circunscrevendo
aos restritos espaços dos teatros. Tanto podia
ser encontrada no passeio público como no rinque de
patinação, que eram locais diferentes do Teatro
São Carlos, antigo teatro de Campinas, resgata
Abreu. As bandas tinham uma circularidade maior e um discurso
mais abrangente.
Para uma população estimada em 10 mil pessoas
no século 19, existia uma grande quantidade de bandas
na cidade, número porém difícil de ser
dimensionado com exatidão, sobretudo pelo fato de haver
participação dos mesmos músicos em diferentes
bandas
e com diferentes formações. Não raro,
as bandas eram criadas e depois mudavam de nome ou se extinguiam.
Segundo Abreu, uma banda de música convencional é
composta por madeiras e metais, com alguma assistência
de percussão. A formação das bandas em
Campinas não diferia muito disso, todavia alguns instrumentos
fugiam ao padrão. Era o caso do ophicleide. Azarias
de Melo, regente da Banda do Colégio Culto à
Ciência, foi um virtuose desse instrumento, que atualmente
não integra mais as bandas. Com relação
ao repertório, era mais vasto que hoje e percorria
adaptações de óperas, trechos de óperas
guiadas e até mesmo a inclusão de gêneros
populares.
O pesquisador informa
que as obras de SantAnna Gomes eram gêneros
populares. Com a Valsa Clube Campineiro , Polka Filuta,
Polka Sem Fim e a Quadrilha Clube Semanal são outras
de sua autoria, todas mais ou menos ligadas a um gosto bem
destacado pelos eventos de salão e atividades dos clubes,
que eram uma constante naquele século, não só
a ida ao teatro e ao passeio público.
A
atividade cultural em Campinas era intensa, recorda Abreu.
As bandas tocavam para uma plateia ávida. Aliás,
o professor da USP Maurício Monteiro, estudado por
Abreu, acusava uma interdependência entre a atividade
musical e a audiência. Para ter uma atividade de porte,
relembra o mestrando, era inerente a existência de um
público que compartilhasse as mesmas expectativas artísticas
e o mesmo gosto. A atividade das bandas e o próprio
maestro SantAnna Gomes se inseriam nesta perspectiva.
Abreu também adentrou
a atividade da Banda Carlos Gomes, antiga Banda Ítalo-Brasileira,
trabalho de grande relevância para Campinas. Esta banda
corresponde ao período estudado. É um
testemunho vivo daquele momento, que ainda permanece graças
ao comando do professor Valdir Poiani, presidente do grupo,
registra o mestrando.
Para ele, o que fica
dessa experiência é o modo como a atividade dessas
bandas retratou um período e a dinâmica da cidade
porque, quando chegou a Campinas, também chegavam os
imigrantes italianos, portugueses e alemães, que possuíam
bandas. Cada qual procurou sua representação.
Os imigrantes italianos em Campinas tiveram grande atuação.
A Banda Italiana do maestro Luis de Tulio deixou um lastro
histórico que ainda hoje pode se contemplar. Acredito
que as próprias bandas colaboraram para o exercício
desses segmentos, para a sua manifestação e
interpretação.
Interessante para Abreu
foi verificar a influência das bandas militares. De
acordo com ele, mesmo as bandas civis assentaram muitas das
suas atividades sobre o ethos militar. Isso desde o
uso dos uniformes e da própria ritualística,
que nas apresentações criavam um paralelo.
O pesquisador Fernando
Binder, da Unesp, inclusive retratou em seus trabalhos o valor
das bandas militares para a sua estrutura. Ele explica que
neste campo há um fator de capital simbólico.
É que a música, enquanto argumento, é
muito plástica, maleável e às vezes pode
orientar interpretações. Para Binder,
foi a legitimação da atividade de banda que
trouxe argumentos para a sociedade de então.
A atividade de uma banda
sinfônica, esclarece, é muito diferente da de
uma banda do século 19. Vivia-se a instrumentação
em um período em que a indústria metalúrgica
começava. Para que se tivessem instrumentos era necessária
certa experimentação. O material demorava a
chegar ao Brasil.
União
Abreu comenta que a figura de SantAnna Gomes era sobremodo
importante, mesmo entendendo-se que ele tenha ficado à
sombra do irmão. Na verdade SantAnna Gomes optou
por ser o continuador do seu pai junto à atividade
musical de Campinas.
A importância do maestro em outros implementos que parecem
simples, revela Abreu, como a instalação de
iluminação a gás (antes da elétrica)
no Teatro São Carlos, também foi muito relevante.
A iniciativa foi dele, com Gomesapoio de um grupo de cidadãos,
porque o Teatro São Carlos tinha acabado de ser reformado
e precisava ter uma boa circulação noturna,
uma vez que os eventos ocorriam à noite. À época,
a cidade ficava às escuras. O Teatro não.
O objetivo de Abreu foi
retomar a biografia de SantAnna e sua relação
musical com as bandas. Entretanto neste entremeio fez algumas
discussões. Junto às bandas de escravos, procurou
esboçar escrita sobre o papel que elas poderiam ter
dentro do processo da Abolição. A principal
ajuda foi tentar legitimar a atividade musical como discurso,
o mérito que ela teve no contexto histórico
e da cidade, e identificar cada segmento, expõe.
Abreu percebeu que, se observada a produção
de SantAnna Gomes como compositor, ele não se
dedicou exclusivamente à banda. Foram somente quatro
peças. Ao fazer uma garimpagem da sua produção
como um todo, com base no catálogo do Museu, verificou
que o grosso do seu trabalho foram as obras de câmara
para instrumentos de corda, já que ele era violonista.
Contudo ele também produziu música sacra, pequenas
formações
com instrumentos de sopro, com trombone, flauta, trompete,
além das óperas Alda e Semira.
Não obstante suas atividades, sempre que Carlos Gomes
retornava ao Brasil, SantAnna Gomes promovia concertos
para mostrar o trabalho do irmão, que também
se inteirava da atividade musical da cidade. Os irmãos
eram bem-relacionados. Segundo a professora Lenita Nogueira,
SantAnna Gomes foi um dos principais divulgadores da
atividade de Carlos. Ele não se importou em restringir
sua atividade ao escolher ficar em Campinas, por uma possível
modéstia, entende.
O fato de Carlos Gomes ter iniciado cedo algumas mudanças,
a primeira foi para o Rio de Janeiro, e ter ganhado uma bolsa
para estudar em Milão, Itália, ampliou seu horizonte.
Fez carreira internacional. Mesmo assim, a atividade
de ambos é de certo modo inerente e, por que não
dizer, conjunta, compara Abreu.
Publicação
Dissertação de Mestrado: José Pedro
de SantAnna Gomes e atividade das bandas de música
na Campinas do século XIX
Autor: Alexandre José de Abreu
Orientador: Edmundo Pacheco Hora
Unidade: Instituto de Artes (IA)
Serviço
- Museu Carlos Gomes
Rua Bernardino de Campos, 989, Campinas, Centro
- Banda Carlos Gomes
Rua Benjamin Constant, 1.423, Campinas, Centro
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