Nos quinze anos entre 1988 e 2003, o plantio de cana-de-açúcar saltou de 21% para 44% da cobertura de terras na bacia dos rios Mogi-Guaçu e Pardo, a principal região agrícola paulista. A expansão foi de pouco mais de 1 milhão para quase 2,3 milhões de hectares, principalmente sobre as áreas de pastagem (que caiu de 27,27% para 15,45%) e de culturas anuais (reduzida de 17,61% para 4,44%). “Agora, a cana já ocupa mais da metade das terras agrícolas daquela região”, afirma o professor Ademar Ribeiro Romeiro, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp.
Ademar Romeiro coordenou o projeto Fapesp denominado EcoAgri, em que se realizou um diagnóstico ambiental da agricultura no Estado de São Paulo, iniciado em 2003 e concluído em 2007. Dele participaram mais de 20 pesquisadores do IE e da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp; da Embrapa com suas unidades de Meio Ambiente, de Informática Agropecuária e de Monitoramento por Satélite e do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
Em 2005, o EcoAgri atraiu a parceria da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), com sede em Ribeirão Preto, interessada em estender os estudos para outros 25 municípios a fim elaborar um sistema de gestão territorial do agronegócio. O projeto atingiu, assim, 125 cidades da região nordeste, que somam uma área de 51,7 mil quilômetros quadrados ou 20,83% do território paulista.
“O projeto foi dividido em três módulos: o primeiro avaliou a dinâmica de uso e ocupação da terra e também os impactos da erosão do solo; o segundo módulo tratou da poluição química por agrotóxicos; e o terceiro, da questão da sustentabilidade, incluindo um levantamento da fauna selvagem em áreas agrícolas”, explica o professor da Unicamp.
Segundo o coordenador, apesar da predominância da cana-de-açúcar, a bacia do Mogi-Pardo mantém outras culturas comerciais importantes – como da laranja (voltada à exportação de suco), do café na parte de serra e de cultura irrigada –, além da criação animal de qualidade que gera matrizes para reprodução.
O mapeamento por satélite apontou um ligeiro decréscimo na área de agricultura e pecuária, de 75% em 1988 para 74% em 2003, devido principalmente à expansão urbana. Por isso, o grande crescimento da produção agrícola é creditado à incorporação de tecnologias e a uma melhor adequação topográfica e pedológica na localização dos cultivos.
Uma das metodologias aplicadas no EcoAgri permitiu avaliar os impactos sociais e econômicos da atividade agrícola na região nordeste. Por exemplo, que a área atualmente ocupada pela cana, em comparação com a situação de 1988, propiciou um ganho de quase R$ 1,5 bilhão na renda bruta e de R$ 60,7 milhões em impostos diretos; em contrapartida, representou a perda de 21,5 mil empregos diretos.
Avaliação da erosão
Um dos resultados interessantes do projeto, na opinião de Ademar Romeiro, foi o desenvolvimento de um método de avaliação de erosão, a partir de um trabalho do IAC adaptando para as condições paulistas a Equação Universal de Perda de Solos (EUPS) formulada nos EUA. “O método permite recortar a estimativa de erosão, seja a causada pela cana em Ribeirão Preto ou pela laranja em Jaboticabal”.
Para o pesquisador, trata-se de um importante instrumento de política agroambiental, que foi apresentado aos comitês de bacia do Mogi-Pardo. “Mostramos que o custo econômico da erosão, apenas com os nutrientes levados pela chuva (nitrogênio, potássio, cálcio, magnésio e fósforo), chega a 50 reais por hectare ao ano – ou 5 mil reais para uma propriedade média de 100 hectares. Não computamos outros impactos, como a redução de fertilidade do solo e da produtividade”.
Romeiro afirma que a erosão é provocada sobretudo pelas culturas anuais, onde há grande movimentação de terra, e também pelo café em encostas sem proteção. “A tendência é de redução da erosão graças ao avanço da técnica de plantio direto, mas trata-se de um problema ainda importante. Vamos levar esta metodologia para a bacia do rio Purus, na Amazônia, que ainda é quase toda florestada, no intuito de estimar prospectivamente a erosão em caso de desmatamento futuro”.
Poluição química
O segundo módulo do EcoAgri visou à poluição química por agrotóxicos. O Ministério da Saúde estima que 400 mil pessoas sejam contaminadas anualmente por agrotóxicos no país. Os pesquisadores, considerando o consumo médio destes produtos no Estado e o volume médio por trabalhador rural, calculam em mais de 30 mil por ano os casos de intoxicação na região do Mogi-Pardo.
O coordenador do projeto esclarece que uma tentativa inicial de determinar a concentração de agrotóxicos na fauna bentônica – organismos presentes em sedimentos no fundo da água – não apresentou resultados precisos. “Há moléculas de substâncias agroquímicas que se transformam no processo de degradação, sendo que algumas se tornam inócuas e, outras, mais nocivas do que as originais”.
Diante disso, coube ao professor Rodnei Bertazzoli, do Laboratório de Eletroquímica da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, realizar estudos sobre as rotas de degradação da ametrina e do tebutiuron, princípios ativos de herbicidas de largo uso na cultura da cana. Os resultados em laboratório foram animadores e serão levados a campo, podendo ajudar a definir métodos de purificação de água e a formar um banco de dados sobre vida média e decomposição de fito-sanitários usados na agricultura.
Fauna selvagem
Uma prorrogação de seis meses no projeto EcoAgri possibilitou a avaliação da presença e da biodiversidade da fauna selvagem em áreas agrícolas do nordeste paulista. A equipe do pesquisador José Roberto Miranda, da Embrapa Monitoramento por Satélite, detectou e identificou 209 espécies nos diferentes espaços agrícolas, 14 delas consideradas ameaçadas de extinção.
O crescimento da fauna é explicado em grande medida pela melhoria das práticas agrícolas em termos de sustentabilidade, como a diminuição das queimadas, aumento das matas nativas e redução do uso de agrotóxicos e da erosão. Acredita-se que novas espécies vêm sendo agregadas anualmente e que a evolução das práticas sustentáveis, estimulada por uma maior consciência ecológica e pela pressão dos novos mercados, vai reforçar esta tendência.
Ademar Romeiro observa que, mesmo dentro da plantação de cana, a sua vegetação serve como abrigo para reprodução de vários animais. “A mata nativa continua sendo o melhor habitat, mas vemos em meio à cana a cotia, o veado, a jaguatirica, além da onipresente capivara. O aumento de água de boa qualidade favoreceu inclusive o aparecimento de ariranhas”.
Sobre o valor monetário dos serviços da natureza
Outro resultado do projeto EcoAgri, ainda parcial, foi a incorporação de uma área de modelagem do ecossistema, mediante acordo de cooperação com o Instituto Gund, da Universidade de Vermont (EUA). O instituto é dirigido pelo professor Robert Costanza, que publicou em 1999 um artigo de grande repercussão estimando o valor monetário dos serviços prestados pelos ecossistemas da Terra.
“São serviços que a humanidade usa e não mede, como dos organismos que promovem os ciclos do carbono e do nitrogênio, além do controle biológico para assegurar a qualidade do ar que respiramos. No nosso caso, procuramos identificar quais são os serviços usados pela agricultura, que é igualmente beneficiada por produtos da biosfera, litosfera, hidrosfera e atmosfera”, explica o coordenador Ademar Romeiro.
Dentro do projeto, segundo o professor da Unicamp, criou-se a versão preliminar de um modelo relacionado com aumento ou redução da mata ciliar dentro do agro-ecossistema. “Os principais atores da agricultura brasileira estão interessados em recuperar a mata, sobretudo os produtores de cana, temerosos de retaliação comercial por parte dos importadores de etanol em função de critérios ambientais”.
Romeiro considera que a superfície de matas está aumentando no Estado de São Paulo, mesmo que paulatinamente, já que elas também são determinadas por lei, e muito visíveis. “A mata ciliar tem o papel de evitar o assoreamento do rio e reter sedimentos de práticas agrícolas – o nome vem dos cílios que protegem os olhos e é quase poético: cílios do rio. Mas, em certas áreas da bacia do Mogi-Pardo, também vimos que o café plantado perto da mata não apresenta broca, certamente pela presença de um inimigo natural”.
Índice agrícola
O projeto EcoAgri já rendeu inúmeros livros e artigos, além de trabalhos de doutorado e mestrado, alguns ainda não defendidos. O doutorado de Luciana Ferreira da Silva resultou no Índice de Sustentabilidade Agrícola (Isagri). Ele leva em conta informações sobre a qualidade da água e a qualidade do solo (erosão, potencial de contaminação por agrotóxicos e manejo), que geram três índices: de estado do ecossistema agrícola, de vetores de degradação e de medidas de prevenção e correção. Da média destes índices, resulta o Isagri.
“O índice foi testado em duas áreas do projeto e mostrou-se bastante consistente. A idéia é aperfeiçoá-lo para que seja tão aceito e tenha a mesma repercussão política do IDH [índice de desenvolvimento humano], também passando a embasar políticas públicas e a estimular as pessoas frente os impactos ambientais”, afirma Ademar Romeiro. O pesquisador da Unicamp prepara outro projeto temático, agora mais centrado na cana, por motivos óbvios.