A produção intelectual latino-americana em torno da temática “ambiente e sociedade” é significativa tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo. Embora apresentem algumas especificidades, como a maior atenção para temas como a desigualdade social e a democracia recente, os debates travados no continente acompanham as discussões realizadas em âmbito internacional. As constatações, ainda em caráter preliminar, constam de projeto temático desenvolvido por pesquisadores do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp. Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o trabalho tem por objetivo promover um levantamento teórico e metodológico sobre a atuação das ciências sociais com temas relacionados ao meio ambiente, dentro de uma perspectiva interdisciplinar.
O projeto temático, segundo sua coordenadora, professora Leila da Costa Ferreira, foi dividido em três frentes. Uma delas contempla a criação de um banco de dados sobre a produção intelectual latino-americana na área da teoria social voltada para a questão ambiental. Estão sendo contemplados os seguintes países: Brasil, Argentina, México, Colômbia, Equador, Uruguai e Chile. Até aqui, já foram relacionados cerca de 4 mil trabalhos. “Mas nossa expectativa é atingir 5 mil títulos até fevereiro do ano que vem”, adianta.
Assim que estiver concluído, o banco de dados oferecerá um amplo panorama da produção científica no continente, o que deverá facilitar o diálogo entre os pesquisadores dos países alcançados pela pesquisa e destes com o restante da comunidade internacional. “A idéia é que o banco de dados seja uma ferramenta aberta, de modo que possa ser acessada por todos os interessados e atualizada sempre que possível”, acrescenta a docente. A pesquisa, nesse caso, poderá ser feita por meio de palavra-chave, pelo nome do autor ou mesmo pelo título do trabalho.
Outra etapa do projeto compreende a efetivação de um minucioso levantamento bibliográfico, bem como a realização de entrevistas com pesquisadores que lideram os estudos mais relevantes no continente. A terceira frente, já concluída, refere-se a um seminário internacional, no qual foram debatidos diversos temas e coletadas críticas e sugestões ao trabalho. De acordo com a professora Leila, embora o projeto ainda esteja em andamento, os dados permitem a formulação de algumas conclusões preliminares. A primeira delas é de que a América Latina tem uma produção intelectual significativa nessa área do conhecimento, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos.
Ademais, prossegue a coordenadora do trabalho, também foi possível identificar algumas especificidades dos estudos desenvolvidos na região. Em razão de o continente ser constituído por países que experimentam períodos democráticos recentes, que vivenciam cenários de profundas desigualdades sociais e que detêm uma vasta biodiversidade, esses temas aparecem com grande freqüência nas pesquisas científicas levadas a cabo pelos estudiosos latino-americanos. “A despeito dessas especificidades, é possível notar que os debates travados por aqui acompanham as discussões internacionais, principalmente no que toca aos estudos realizados no Brasil e Chile”, afirma a pesquisadora do Nepam. O próximo passo do trabalho, segundo ela, é analisar a produção por país, de modo a checar qual deles aborda mais que tipo de tema.
O projeto temático, conforme a professora Leila, foi apresentado por ela em diversos países. “Por onde estive a receptividade ao trabalho foi a melhor possível. O mundo todo tem mostrando interesse em saber como estamos trabalhando com a questão ambiental”. Além de promover uma espécie de radiografia da produção intelectual latino-americana na área de ambiente e sociedade, a iniciativa do Nepam também tem proporcionado importantes ganhos acadêmicos. Até aqui, o trabalho rendeu cinco dissertações de mestrado e uma tese de doutorado. Estão em andamento outros quatro estudos de doutorado e pelo menos dez de iniciação científica. “O envolvimento dos estudantes tem sido fantástico, o que ajuda a reforçar a nossa massa crítica”, considera a professora Leila.
Dados biogeofísicos
Embora a dimensão humana seja a questão mais importante a ser analisada no contexto das mudanças ambientais em curso no planeta, aqui incluídos os problemas decorrentes do processo de aquecimento global, apenas recentemente esse aspecto vem ganhando a devida importância no âmbito da produção científica mundial. A opinião é da professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp, Leila da Costa Ferreira. “É preciso entender que a tecnologia não dará conta, por si só, de compreender e solucionar as diversas implicações da problemática ambiental”, diz. Segundo ela, a ciência já dispõe, nessa área, de dados biogeofísicos consolidados. “Agora precisamos investigar mais detalhadamente as conseqüências desse fenômeno com o suporte da teoria social, sempre dentro da perspectiva da interdisciplinaridade”, defende.
A questão humana, insiste a pesquisadora, precisa ser considerada o eixo central das discussões. “As razões e o contexto das mudanças ambientais são amplamente conhecidos. Daqui para frente, o desafio será trabalhar para mitigar os problemas e adaptar a sociedade às novas condições. Na América Latina, especialmente no Brasil, já existe massa crítica para encarar esse desafio”, analisa a docente da Unicamp. De acordo com a professora Leila, o projeto temático coordenado por ela gerará dois livros. Um, na forma de coletânea, será produto do seminário internacional e deverá estar pronto em março. O outro, que também deve ser lançado em 2009, tratará especificamente do projeto e de sua metodologia. “Paralelamente a isso, queremos renovar o temático, com o intuito de estender o trabalho para outros países latino-americanos. O objetivo final é estabelecer uma rede internacional da produção intelectual na área de meio ambiente”, antecipa.