Ele
dedilha as cordas de sua viola com o zelo de um profundo conhecedor.
A voz, ao fundo, anuncia a canção que vem a seguir: “Nem o sol,
nem o mar, nem o brilho das estrelas ...” É assim, com música,
que em geral a presença de Clayton de Campos Pereira, 44 anos,
transplantado hepático, é anunciada na Enfermaria de Gastrocirurgia
do HC, quando retorna para se submeter a exames de rotina. “O
pessoal daqui me recebe bem. Toco para médicos, enfermeiros
e pacientes. Ultimamente, uso muito a minha viola sertaneja,
mais compacta que um violão e com dez cordas de aço.
É
bem característica: tem guizo de cascavel e uma fita vermelha.
Não que seja supersticioso. Trata-se apenas de uma tradição
das festas do Divino”, explica o músico. Igor Henrique Noda,
residente da Gastrocirurgia, encara como muito positiva a presença
de Clayton naquela ala em que esteve internado na semana do
dia 12 de outubro. “Este paciente mudou completamente o ambiente
triste da Enfermaria. Não foram raras as vezes que ele reuniu
muita gente à sua volta para cantar, cativando a todos”, elogia
Igor. Clayton faz uma seqüência de Beto Guedes, Beatles, Sérgio
Bittencourt, Conjunto Santa Cruz e Nei Mato Grosso (já compôs
para os dois últimos). Mesmo com uma incômoda máscara, para
se proteger de infecções oportunistas, ele é capaz de traduzir
sofrimento em alegria com a maturidade de um músico e o músico
com a simplicidade de sua própria história. Esse dualismo só
pode ser explicado, segundo ele, por quem o conhece. Para quem
não, Clayton conta em versos musicados o que a evolução de uma
hepatite C já o fez refletir: “Olho o dia chegando, a roda girando.
Meu
corpo balança ...” Trajetória – A música começou cedo na vida
de Clayton: aos 8 anos, tocava violão e fazia canto e, aos 14
anos, realizava composições. Depois disso, não parou mais. Gravou
um compacto simples e saiu divulgando-o principalmente no Estado
de São Paulo. Ele sempre cantou “na noite” e em festivais de
música. Compôs para peças teatrais, com sonoplastia ao vivo.
Integrou o Grupo de Violeiros Madrigal da Rainha, de Sorocaba.
Fez estágio com o reconhecido maestro Pedro Cameron. Atualmente,
estuda música clássica e acumula 60 composições. Mas como nem
tudo é música, Clayton relata que já sofreu três rejeições do
fígado que recebeu há praticamente um ano, na véspera do Natal.
“Acreditava que estava renascendo naquele momento”, diz. “Foi
a minha grande chance, embora sabendo das limitações que poderiam
vir.” E vieram. Além do tratamento da patologia, Clayton passou
a enfrentar dificuldades em sua profissão, como professor de
História, ao se afastar para a cirurgia, seguida de transplante,
assunto abordado em matéria que concedeu recentemente à Revista
Isto É. “Fui professor do Ensino Médio em Sorocaba e em Capão
Bonito, e de um Cursinho Pré-Vestibular”. Emociona-se. “Pretendo
voltar a lecionar. A disciplina de História é empolgante”, planeja
Clayton, que é casado, tem uma filha e, por herança, a música.
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