ARTIGO
Inovação - As informações da PINTEC
Carlos Américo Pacheco
Há uma meia verdade que se tornou, no imaginário dos pesquisadores brasileiros, um verdadeiro anátema: a empresa privada no Brasil não inova, não faz gastos significativos com P&D. Essa meia verdade é resultado de uma performance do gasto privado muito aquém do desejado, e está associada tanto com a fragilidade competitiva nos segmentos mais dinâmicos da indústria, como com o déficit comercial em setores de alta tecnologia.
É freqüente ver autoridades da área de ciência e tecnologia afirmarem que 80% do que se gasta em pesquisa no Brasil é realizado pelo setor público e, quase como conseqüência desse fato, descartarem grandes ações junto ao setor privado. Para mudar essa realidade, seria preciso mudar sensivelmente o quadro macroecômico, pois o investimento em P&D seria incompatível com as taxas de juros praticadas no país. Até que o quadro macro se altere, restaria muito pouco a ser feito. Mesmo gente informada considera esse diagnóstico correto.
Mas quanto gasta o setor privado em P&D no Brasil? Segundo informações da PINTEC (www.ibge.gov.br) - a Pesquisa Industrial sobre Inovação Tecnológica, que o IBGE fez em 2002 , o setor privado gastou, em 2000, aproximadamente R$ 5,2 bilhões. Para comparar, o setor público federal teria gasto naquele ano aproximadamente R$ 5,8 bilhões e os estados outros R$ 2,4 bilhões (www.mct.gov.br/estat). O gasto em P&D é a medida mais recomendada para comparações internacionais do esforço de cada país na área cientifica e tecnológica. Esses dados apontam que em 2000, o Brasil gastava 1,1% do PIB em P&D. A todos esse também parece ser um percentual muito baixo, e seria necessário dobrá-lo no mais curto espaço de tempo. Nada contra, pelo contrário.
Quase sempre a comparação do baixo gasto do Brasil é o paradigma de um gasto de 3,0% do PIB, que é a marca japonesa. Outro número de referência é o gasto dos EUA - 2,6% do PIB. Mas é preciso levar em conta que a média da Comunidade Européia é de 1,8% e que muitos países similares ao Brasil possuem percentuais bem mais baixos: Espanha gasta 0,9%, Itália, China e Rússia cerca de 1,0%, e o México apenas 0,4% (OECD, 2002). Nesses países, mais próximos da realidade brasileira, a participação privada no esforço nacional de P&D é também próxima à brasileira: na Espanha é de 50%, na Itália 42%, na Rússia é 32% e na China estima-se que pode ter alcançado 60% - percentual que merece ser visto com cautela.
Será que os dados brasileiros não são tão ruins? Em termos relativos de fato não são. O setor privado gasta mais do que a maioria dos pesquisadores e gestores públicos imagina. Na realidade, como mostram pesquisas qualitativas feitas na América Latina, quase sempre o setor gasta mais do que os próprios empresários acreditam gastar. Como a legislação de incentivo não exige uma contabilidade específica para essas inversões, contabilizá-los é um custo adicional para a empresa, sem grandes vantagens. Esperemos que a Lei 10.637, sancionada em dezembro passado, seja logo regulamentada. A Lei permite que gastos em P&D de empresas, que venham a derivar patentes, possam ser abatidos em dobro no cálculo do Imposto de Renda. Para isso a empresa precisa manter uma contabilidade própria (e auditável) que irá melhorar em muito a informação declarada pela empresa. Pela minha experiência, o gasto medido será maior que o atual. E sem dúvida será um estímulo importante para o esforço privado, que não precisa esperar taxas de juros civilizadas.
Mas os dados do gasto público e privado em P&D no Brasil não são números para serem comemorados. O diabo, como sempre, mora nos detalhes. Um exame mais detido mostra que o problema do Brasil não é tanto o número agregado. Em primeiro lugar, há uma diferença razoável entre Brasil e demais países. Nesses, em geral, a indústria se apropria de um valor maior do esforço nacional em P&D, do que sua contribuição direta. Em média o valor gasto na indústria é de 10 a 20% superior à sua contribuição direta no gasto nacional. São fundos públicos ou renúncia fiscal que subvencionam o gasto privado, o que não ocorre aqui. Em segundo lugar, os gastos com a educação superior são, em termos relativos, maiores no Brasil que nos demais países. Ou seja um percentual menor de nosso esforço (público) é destinado diretamente à empresa ou à pesquisa realizada em institutos.
Mas o mais diabólico detalhe é o perfil do gasto privado. Aqui está grande parte da metade verdadeira que nosso imaginário faz do baixo esforço da empresa em P&D. Uma comparação internacional ajuda a entender duas questões: a baixa cooperação da empresa com demais instituições e com as demais empresas e uma ênfase muito maior no acesso à tecnologia através de compra de máquinas e equipamentos, do que através de estratégias de pesquisa e aquisição de conhecimento.
Os parceiros e as fontes de informação indicados pelas empresas brasileiras são em geral os fornecedores de máquina e equipamento. Em relação a outros países, há muito pouca cooperação com outras firmas e com as demais instituições do sistema nacional de inovação. Reproduz-se um comportamento ainda derivado da substituição de importações.
Mais interessante ainda é verificar no que gastam as empresas. No Brasil, cerca de 52% do gasto que as empresas realizam em P&D é na compra de máquinas e equipamentos. Na Espanha esse percentual é de apenas 41%. O percentual que nossas empresas gastam com projetos industriais, introdução de inovações e treinamento monta a 23% do total, na Espanha esse percentual é de 12%. A conseqüência é simples. Aqui, as atividades de pesquisa e desenvolvimento (internas ou contratadas com terceiros) são muito menos importantes: apenas 25% do esforço privado em nosso país é feito com esse tipo de atividade, contra 47% na Espanha.
Na foto geral, o Brasil não está tão mal. Mas falta muito para um sistema nacional de inovação. Falta estimular o gasto privado e mudar a conduta empresarial. Faltam mecanismos de estímulo à atividade de pesquisa na empresa (como a Lei 10.637, que já poderia estar em vigor). Falta identificar que cooperação é possível fazer, não apenas com a Universidade, mas inclusive entre empresas. O triste e o bom do Brasil é que há sempre muito por fazer.
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Carlos Américo Pacheco é professor do Instituto de Economia da Unicamp.