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Cientista alerta que maior risco dos transgênicos é o escape na natureza
Pesquisadora defende
rigor nos estudos de impacto
WANDA JORGE
Qualquer manipulação gênica proposital que modifique a base genética de uma espécie- retira-se ou corta-se um pedaço e insere-se em outro- transforma o organismo em geneticamente modificado (OGM). O transgênico é uma modalidade de OGM,no qual foram inseridos genes de outros organismos, da mesma ou de espécies diferentes. Existe dois OGM: o knock out (K) e o transgênico (T).
Códigos de biossegurança devem ser rígidos
Constrói-se um transgênico com variados objetivos. Pode-se buscar uma superexpressão de um determinado gene, como por exemplo, o portador de uma doença ou o que traz resistência a um ataque de pragas. Esses são os chamados genes alvos. O objetivo pode, ainda, ser o de neutralizar algum, num processo chamado knock out ou genes desligados.
A clonagem é um processo anterior, onde o gene que foi selecionado é inserido num vetor (que pode ser biológico, um vírus), e cujo material genético resultante é transferido para a célula embrionária que gera o transgênico. Já a propagação vegetativa em plantas, pelo sistema de brotamento e multiplicação in vitro, pode gerar milhares de mudas idênticas num processo de clonação, mas não necessariamente ocorre a manipulação genética.
Dentro do Instituto de Biologia da Unicamp, a pesquisadora Wirla Tamashiro avalia que 10% da comunidade, envolvendo onze professores responsáveis pelos principais grupos de pesquisa, trabalha hoje com OGM e transgenia em animais pequenos. Em sua opinião, qualquer pesquisa que se pretenda transformar em produto tem que ser precedida por um longo estudo de impacto na natureza e o grau de certeza deve ser muito elevado.
Na imunologia, campo de ação da pesquisadora, o gene escolhido para ser inserido na célula embrionária do receptor (camundongo), tem o objetivo de construir um modelo experimental para buscar um jeito de modular a resposta desse transgênico à formação de anticorpos que tolerem algum antígeno específico, responsável por doenças auto-imunes como lupus ou febre reumática, por exemplo.
Wirla diz que a transgenia trabalha a favor da pesquisa acadêmica, pois acelera processos, mas deve ser realizada sob códigos de biossegurança absolutamente rígidos. "O sistema imunológico é amplamente desconhecido, mesmo já tendo mais de dez prêmios Nobel na área". O uso da transgenia em Imunologia existe há pelo menos 13 anos, com uso maciço de camundongo (Mus musculus) escolhido pela facilidade de seu sistema imunológico ser estudado, com mais de 30 linhagens isogênicas (cruzamentO entre irmãos) o que permite transplantes sem rejeição, por serem idênticos, acrescenta.
No caso da seleção de cultivares, o produto final tem muito pouca semelhança com o selvagem, que já existia na natureza. O transgênico pode receber uma carga maior de herbicida que o cultivar resistiria. Para Wirla, a produção de transgênicos para a agricultura ainda é muito recente e não se avaliou o impacto na saúde humana. Constatar que o transgênico levou a uma situação de doença, criou hipersensibilidade, é um estudo que leva tempo e não se tem segurança que as empresas produtoras dessas sementes fizeram tal pesquisa.
Como responsável pela comissão interna de biossegurança em Biologia, na Unicamp, a professora considera que o maior risco no uso de animal e plantas geneticamente modificadas é o escape na natureza. "O Brasil é um dos pioneiros na transformação em lei da biossegurança, exigindo construção de biotérios e casa de vegetação e grandes estufas, para evitar o escape ou a infiltração". Por isso, avalia a pesquisadora, há menor resistência na manipulação de transgênicos em laboratório.
"Trata-se de mais uma corrida comercial"
A liberação descontrolada e não monitorada em larga escala dos transgênicos no ambiente pode estar promovendo uma reação em cadeia, de extinções locais de organismos e direcionando processos de seleção de espécies do mundo animal e vegetal .Mas não temos dados que permitam avaliar a extensão e os impactos dessa intervenção biológica na natureza, pois as liberações não são feitas com monitoração que permitam a análise de impacto sobre a biodiversidade. Com o recurso da modelagem matemática é possível sugerir conseqüências e impactos a médio e longo prazo,mas são poucos os grupos que têm se dedicado a esses estudos. No Brasil, o grande desconhecimento a respeito da nossa biodiversidade dificulta ainda mais essa tarefa. Maria Alice Garcia, do Instituto de Zoologia, lembra que, de 1986 a 2000, mais de 30 mil testes de campo com OGM para distintas espécies foram realizados em mais de 45 países, inclusive o Brasil, mas nenhuma informação sobre impacto ambiental foi produzida. Segundo a pesquisadora, o cultivo comercial é liderado pelos EUA, com 64% da área plantada, seguido pela China e pela Argentina.
"A poluição genética é diferente da de qualquer outra natureza, pois tem a possibilidade de se difundir por reprodução, reduzindo a probabilidade de eliminação da fonte do poluente e fugindo totalmente ao controle".
Ela assinala que, entre as consequências previsíveis do cultivo em larga escala dos transgênicos, estão: o desenvolvimento de novas espécies de plantas daninhas; modificações em populações silvestres que se alimentarem de transgênicos contendo fármacos (exemplo: milho contendo hormônio de crescimento humano), a criação de novas linhagens de vírus fitopatogênicos; seleção de insetos-praga resistentes; impacto sobre a população de polinizadores, predadores e parasitóides que atuam no controle biológico; além da alteração da microbiologia do solo, em processos de ciclagem de nutrientes com implicações na fertilidade, particularmente em regiões tropicais.
A promessa da biotecnologia não se cumpriu até o momento na área de alimentos: não representam vantagem para o ambiente, não são mais baratos, e também não são mais produtivos no campo."Trata-se de mais uma corrida comercial: as grandes corporações querem recuperar rapidamente os investimentos em sementes patenteadas, atropelando o debate, a pesquisa e a legislação", conclui Maria Alice.
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Quando a natureza faz
a diferença
O pesquisador Yong Park sinaliza uma mudança de foco na pesquisa internacional da atualidade. Segundo Park, existe uma tendência em se buscar descobrir nos organismos da natureza as possibilidades ainda desconhecidas e reduzir o estímulo à interferência genética. Como modelo dessa atitude, ele cita trabalhos da Unicamp feitos em conjunto com centros de pesquisa acadêmica norte-americana em Rochester e Carolina do Norte. Um deles estabeleceu patente conjunta da Universidade de Rochester com a Faculdade de Engenharia de Alimentos e a de Odontologia, campus Piracicaba, para os componentes apigenina e farnesol, com características antimicrobianas, atuantes na cárie dentária, obtidos do própolis. Em outro estudo, também sobre o uso de propólis, classificou-se 12 grupos no Brasil e no grupo 1, originário de Bagé (RS), isolou-se um composto de ácido morônico, que inibe o vírus da Aids, em experiências realizadas em laboratório. Desse estudo participou um pesquisador orientado por Park, oriundo da equipe de Jayme Cury, da odontologia. Michel Hyn Koo já publicou 10 trabalhos internacionais e há três anos é professor contratado em Rochester. "Hoje, a pesquisa internacional busca mais alternativas naturais que OGM e o Brasil, por conta de sua biodiversidade, deve aproveitar a oportunidade", defende Park. |
Bactéria Bt, de amiga à vilã
O gene de resistência que mais vem sendo utilizado
O gene de resistência que mais vem sendo utilizado na transgenia é o que estimula a produção de proteína tóxica da bactéria Bacillus thuringiensis conhecido como Bt. Esta bactéria é usada há quase um século como agente de controle biológico de insetos, pois é letal para vários grupos deles, como mariposas, besouros e borboletas. Segundo a ecóloga Maria Alice, "a inserção de genes para toxina de Bt em plantas cultivadas se traduz em efeitos ecológicos equivalentes aos causados por sobredosagem de agrotóxicos".
Além dos danos já apontados ao ecossistema, com o milho a situação é ainda mais grave. O professor Mohamed Habib explica que a Bt foi descoberta em 1910 e, desde 1964, ele trabalha com a bactéria, pois tem uma atuação fantástica para matar grupos de insetos. Porém, os geneticistas das empresas desenvolveram uma variedade de milho capaz de sintetizar um peptídeo tóxico, para torná-lo resistente a pragas. Na transgenia, o milho sintetiza a toxina do bacilo, que circula na seiva da planta podendo tornar o grão tóxico inclusive para uso humano.
"As plantas transgênicas que sintetizam os seus próprios inseticidas também induzem resistência nos organismos (fitófagos) que nelas se alimentam. Além disso, a toxina do Bt que permanece no resto da colheita da planta transgênica tem impacto negativo na microfauna do solo", acrescenta o diretor.
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