MARCELO
KNOBEL
Em
um artigo publicado na revista Physical Review Letters em 1999, o Físico
Victor Ninov e sua equipe (do Laboratório americano Lawrence Berkeley)
afirmaram ter descoberto os elementos 116 e 118 (o mais pesado elemento existente).
Em 2001 eles retiraram o trabalho, indicando
que não conseguiam reproduzir os dados, mas investigações
posteriores indicaram, sem sombra de dúvidas, que o pesquisador falsificou
dados propositalmente. Outro caso recente que chocou a comunidade científica
foi o do jovem prodígio Jan Hendrik Schön, pesquisador dos laboratórios
Bell.
Com 32 anos, o pesquisador alemão
era considerado uma verdadeira máquina de trabalhar e de publicar trabalhos
em excelentes revistas internacionais, tais como Nature e Science. Schön
trabalhava em pesquisa de transistores de moléculas, e no estudo da supercondutividade
em esferas de Carbono. Apesar de seus resultados serem fantásticos, os
demais pesquisadores da área não conseguiam reproduzir a maioria
dos resultados. Após algumas denúncias de fraude, o laboratório
criou um comitê para investigar as acusações, que foram confirmadas,
e até ampliadas. O comitê concluiu que o pesquisador tinha falsificado
ou fabricado dados em pelo menos 16 trabalhos, dos 25 analisados.
Sentindo-se
fortemente atingida, a Sociedade Americana de Física reviu, durante o ano
de 2002, o seu código de conduta, deixando-o mais claro e direto, e tocando
em questões antes ignoradas (http://www.aps.org/statements/02.2.html).
O código anterior (de 1991) indicava uma série de condutas a serem
seguidas durante a vida profissional do pesquisador, como não alterar dados
experimentais, responder questões de outros cientistas, e ser responsável
como assessor. Mas não havia comentários sobre como proceder no
caso em que esse código fosse transgredido. O novo código de conduta
inicialmente define a má-conduta, e a divide em fabricação
de dados, falsificação, plágio (em propor, realizar ou revisar
uma pesquisa, ou em publicar um trabalho). Esses comportamentos são considerados
transgressões graves, pois podem levar outros cientistas a caminhos
infrutíferos e também diminuem a crença vital
que os cientistas depositam uns nos outros. O novo código de conduta
da Sociedade Americana de Física é extremamente suscinto, e indica
claramente que esses procedimentos são padrões mínimos de
comportamento ético. Alguns tópicos básicos são especificados:
Resultados
de pesquisas. Os resultados devem ser obtidos e guardados de alguma maneira
que permitam análises futuras e revisões. Os dados devem ser imediatamente
disponíveis para os colaboradores, e mantidos por um longo período
de tempo após a publicação. A fabricação de
dados, ou a escolha seletiva de alguns resultados com a intenção
de levar a conclusões diversas é considerado uma falta grave.
Práticas
de publicação e autoria. A autoria de um trabalho deve ser limitada
aos indivíduos que de fato realizaram uma contribuição significativa
no conceito, desenho, execução ou interpretação do
estudo em questão. Pesquisadores que de algum modo contribuíram
para o experimento devem ser agradecidos, mas não colocados entre os co-autores.
O código sublinha claramente que plágio é um comportamento
anti-ético, e jamais aceitável.
Revisão
por pares. O processo de revisão por pares é considerado um
componente essencial do processo científico, e que apesar
de ser possivelmente difícil e demorado, os cientistas têm obrigação
de participar nesse processo. O código ainda indica que os pesquisadores
devem sempre evitar o conflito de interesses, seja por competição
direta, colaboração ou qualquer tipo de relacionamento com os autores
dos trabalhos.
O código reitera
que o erro honesto é uma parte integral da ciência. Não
é anti-ético estar errado, desde que os erros sejam rapidamente
reconhecidos e corrigidos assim que detectados. Além disso, o novo
código inclui uma clara sugestão de que a ética deve ser
parte integrante da educação do Físico, indicando que é
parte da responsabilidade de todo cientista que seus estudantes recebam treinamento
específico em ética profissional.
Na
realidade, os casos ocorridos recentemente apenas levantaram a poeira para uma
discussão mais profunda sobre os princípios éticos e morais
da pesquisa científica. Está lançada a discussão...
Marcelo
Knobel é professor associado
do Instituto de Física da Unicamp.