LUIZ
SUGIMOTO
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Claudio
Santoro rege a Orquestra de Bratislava, na Tchecoslováquia, em 1955: reconhecimento
internacional |
Em trabalho
que merece tornar-se referência no estudo da música clássica
brasileira, a pianista Iracele Vera Lívero de Souza resgata vida e obra
de Claudio Santoro, considerado nosso maior sinfonista e alçado entre os
grandes compositores eruditos do país, ao lado de Heitor Villa-Lobos e
Camargo Guarnieri. A dissertação de mestrado, defendida em 6 de
agosto no Instituto de Artes (IA), vem enriquecida de partituras e um CD com a
íntegra dos 34 prelúdios compostos por Santoro, alguns deles inéditos
no Brasil, descobertos e interpretados pela autora.
Embora
sem a pretensão de produzir uma biografia, Iracele Lívero apresenta
um primeiro volume proporcional a um dicionário, reunindo os fatos marcantes
da vida pessoal e profissional de Santoro, os inúmeros prêmios nacionais
e internacionais, a atuação política e suas conseqüências
como o exílio na Alemanha, as variadas e inquietas fases musicais, entrevistas
com pessoas que viveram ao seu redor, e um extenso capítulo analisando
estilo e técnica de composição em cada peça, além
de sugestões de interpretação. O segundo volume traz as partituras
dos prelúdios.
Tudo isso deve
fazer justiça a um compositor eclético que criou perto de 500 obras
sinfonias, música de câmara, peças solo, concertos,
cantatas, música eletroacústica, trilhas sonoras para filmes, uma
ópera e que mesmo assim é pouco lembrado na literatura, pouco
editado e pouco interpretado. O resultado deste trabalho foi gratificante.
Espero que ajude a divulgar Claudio Santoro, fazendo com que mais músicos
se interessem em interpretá-lo. Vasculhando seu acervo, eu me deparei com
várias composições manuscritas que poderiam ser editadas,
afirma Iracele.
Para escrever sobre a vida dele, trilhei principalmente
pelas cartas trocadas com Curt Lange [musicólogo uruguaio,diretor do Instituto
Interamericano de Musicologia]. Como eles eram amigos íntimos, pude perceber
como o compositor se encontrava emocionalmente em fases importantes de sua trajetória.
Lange foi um grande incentivador e conselheiro de Santoro, participando de todos
os momentos da sua vida familiar e musical, acrescenta a pesquisadora.
Quanto
à obra, Iracele explica o seu interesse especial pelas peças curtas
feitas para piano: Ele compôs prelúdios em suas quatro fases
musicais: a de obras atonais seguida da escrita dodecafônica (1939-1947),
uma fase de transição (1947-1950), a nacionalista (1951-1960) e
a de retorno ao serialismo (depois de 1960). Por meio deles, consegui registrar
os diferentes períodos de forma muito rica. Ao interpretar cada prelúdio,
eu tinha informações sobre o estado emocional de Santoro na época.
Além disso, com a análise estrutural de cada peça, foi possível
me aproximar mais do seu pensamento, permitindo uma interpretação
mais consciente e fundamentada. O último prelúdio é de janeiro
de 1989, dois meses antes de sua morte. Quando interpreto esse prelúdio
, penso se ele não previu que iria morrer, porque é lento, suave
e intimista.
Ideologia
Iracele Lívero define Claudio Santoro como incorruptível. A fidelidade
aos seus ideais e ao Partido Comunista provocou voltas e reviravoltas na vida
do compositor, aventuras e decepções. De um lado, o exemplo de uma
ambicionada bolsa para a Guggenheim Foundation, nos Estados Unidos, que o compositor
perdeu em 1946: Bastaria que assinasse um termo negando vínculo com
o PC, mas ele se recusou alegando que não era um agitador e que o partido
estava na legalidade. O visto lhe foi negado, o que quebrou suas finanças,
pois já tinha inclusive alugado apartamento em Nova York, lembra
a pesquisadora.
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A
pianista Iracele Vera Lívero de Souza: composições manuscritas poderiam ser editadas |
De
outro lado, um fato que a autora preferiu omitir da dissertação,
talvez para não fugir da sobriedade acadêmica. Numa turnê que
incluiu Moscou e Leningrado em fins dos anos 1950, o músico se apaixonou
perdidamente pela tradutora russa que o acompanhava, compondo para a amada cinco
prelúdios intitulou-os Tes Yeux (teus olhos), com a
dedicatória pour Lia. Ele não queria mais voltar
ao Brasil, até porque gozava de muito prestígio no leste europeu,
onde regeu grandes orquestras, recebeu prêmios e teve muitas obras editadas
e gravadas. O caso pôs fim ao primeiro casamento, conta Iracele.
Acontece
que a mulher de olhos profundos, melancólicos e cheios de ternura
era esposa de um funcionário da KGB, a polícia secreta soviética.
Coagido a deixar a União Soviética, Santoro viu-se na embaixada
brasileira na França, à espera da possível fuga de Lia, vencendo
a depressão com a solidariedade do então diplomata Vinícius
de Moraes. E deu-se uma parceria que resultou em treze canções,
dentre elas dois prelúdios, que trazem letras do poeta.
Desafinado
Manauense nascido em 1919, Claudio Santoro teve berço artístico:
o pai amante da ópera, que cantava árias e tocava piano, e a mãe
também formada em piano e que ensinava pintura. Porém, com doze
irmãos mais novos, o berço não foi de ouro. Desde que se
apaixonou por um violino presenteado pelo tio, Santoro necessitou da ajuda de
padrinhos afortunados do ciclo da borracha e de outros benfeitores para estudar
no Conservatório do Rio de Janeiro. Garoto prodígio, aos 17 anos
apresentou suas primeiras obras ao professor de harmonia, Lorenzo Fernandez, que
o estimulou a seguir compondo. Foi quando resolveu contrariar os padrinhos, abandonando
o violino.
Claudio Santoro por diversas
vezes se viu vítima da incompreensão. Primeiro dodecafonista num
país que nem conhecia o atonalismo, já praticava intuitivamente
a técnica dos doze tons, mas foi com Hans-Joachim Koellreutter, professor
alemão radicado no Brasil, que organizou essas idéias. Ambos lideraram
o Grupo Música Viva, que representou um movimento revolucionário
na década de 1940. Esta nova escola foi vista com desconfiança por
compositores de correntes nacionalistas. Era o que havia de mais moderno
a ser desenvolvido no Brasil e atraente para os jovens compositores, mas de construção
muito diferente e estranha aos nossos ouvidos. O irmão de Santoro me disse
que o público achava a música desafinada, informa
Iracele.
Para a massa Em 1948,
estudando em Paris com Nadia Boulanger, Santoro foi designado para representar
o PC no 2º Congresso Internacional de Compositores e Críticos Musicais
de Praga. Entrou em contato com as diretrizes da corrente soviética, que
pregava a estética do realismo-socialista. O apelo no congresso foi de
que os compositores criassem uma música unindo originalidade e espírito
popular, que o povo pudesse compreender, condenando-se a música dodecafônica
como burguesa e decadente.
Santoro assume
uma nova posição estética, passando então por uma
fase de transição, em que pesquisa a música folclórica
brasileira para afinar sua obra com seu posicionamento ideológico. Mas,
diferentemente de Villa-Lobos, ele não queria usar claramente os temas
folclóricos. Buscava um conteúdo baseado na música folclórica,
mas que também fosse progressista, capaz de expor simbolicamente a luta
da classe proletária. Foi uma fase difícil, de muito questionamento,
mas em que compôs bastante, levando-o a ganhar vários prêmios,
como o Prêmio Internacional da Paz com o Canto de Amor e Paz, explica
a pesquisadora.
O retorno Esta
fase nacionalista durou até 1960, quando Santoro retornou ao serialismo
e ao dodecafonismo. A experiência e maturidade permitiram que fizesse uma
revisão ideológica e filosófica, alcançando as mais
avançadas experiências. A sua música, pelo menos, já
não significava ameaça à ditadura militar, que vasculhou
seu apartamento em Brasília. O incidente levou o compositor a um exílio
não muito forçado, pois tinha bolsa e convites para pesquisar e
dirigir cursos de regência e formação de orquestra na Universidade
de Mannhein, entre outras. Levou a família formada com a segunda esposa,
a bailarina Gisèle Correia. Pelas cartas a Curt Lange, creio que
Santoro viveu sua fase mais estável emocionalmente, feliz por realizar
pesquisas com a música eletroacústica, por poder criar com liberdade
e ser tocado, por ver a mulher proprietária de uma escola de balé
e por dar uma educação de primeiro mundo aos filhos, diz Iracele
Lívero.
Depois de 13 anos na Alemanha,
a saudade do Brasil fez com que Claudio Santoro atendesse ao chamado do reitor
José Carlos de Azevedo para voltar à Universidade de Brasília,
onde em 1962, a convite de Darcy Ribeiro, havia organizado o departamento de música.
Santoro morreu de enfarte regendo um ensaio da Orquestra do Teatro Nacional, em
27 de março de 1989, quando a Europa preparava as comemorações
pelos 70 anos do compositor.
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