WANDA
JORGE
Que papel está reservado ao Brasil
nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas
(Alca), que tem o prazo marcado de 1º de janeiro de 2005 para ser implantada?
Na instância mais global, das reuniões da Organização
Mundial do Comércio (OMC), qual a margem de manobra que os países
em desenvolvimento, onde o Brasil se insere, têm para alterar ou, ao menos,
influenciar as decisões dos grandes blocos de países avançados,
liderados por Estados Unidos e União Européia ?
Nesse
cenário assimétrico, está a difícil tarefa de inserir
questões cruciais para países com economia mais frágil, menos
tecnologizadas e altamente dependentes de sua produção agrícola.
Em praticamente todas as rodadas da OMC, o assunto subsídios agrícolas
entra e sai de pauta sem significar avanços concretos. Na Alca, o governo
norte-americano nem quer falar nisso.
Para debater
essas questões, especialistas e autoridades no assunto estiveram reunidos
por três dias na Unicamp, no seminário Estado Atual das Negociações
Comerciais OMC e Alca Desafios para o Brasil e Mercosul. O encontro serviu,
ainda, para lançar o curso de especialização em diplomacia
econômica no Instituto de Economia, que tem o apoio da Conferência
das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).
O
ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, relata que o governo norte-americano
insiste em não discutir na Alca e transferir para a OMC a discussão
sobre os subsídios agrícolas. O termo já criado para definir
o acordo das Américas é uma Alca light, pois o açúcar
não entra nem na pauta de discussão. Existe hoje uma situação
de estagnação nas negociações internacionais, caracterizadas
por ações mais duras dos países desenvolvidos como os Estados
Unidos que, entre outras ações, contrariou decisões tomadas
no âmbito do Gatt de reduzir paulatinamente os subsídios. Na realidade,
o aumento de proteção em dólar aos agricultores cresceu 14%
desde então. Rodrigues lembra que o montante total de subsídios
pagos pelos países desenvolvidos já chegou a US$ 1 bilhão
por dia e hoje é só um pouco menor.
A
percepção de poucos avanços nas negociações
comerciais é compartilhada pela maioria dos analistas presentes ao encontro.
Mas, para o ex-embaixador brasileiro e atual secretário-geral da UNCTAD,
Rubens Ricúpero, a imprensa tem uma preocupação excessiva
com a Alca e a OMC. É preciso dar o peso adequado a essas questões,
pois é mais importante para o Brasil ter uma estratégia de desenvolvimento
e uma política de aumento de produção. Ele não
está otimista quanto às futuras rodadas previstas de comércio.
Ele acrescenta que já se conseguiu em rodadas anteriores pelo menos 12
prazos de redução e liberação de taxas em diferentes
áreas. Todos foram violados.
Na
alçada das Américas, tudo está atrasado, nenhum padrão
quantitativo foi definido e os debates para avanços na Alca devem ocorrer
no próximo ano, período que coincide com as eleições
norte-americanas. Há pouco indício, portanto, que nesse cenário,
o governo norte-americano relaxe em suas propostas protecionistas, diz o diplomata.
Em
contrapartida, os países mais ricos já estão negociando entre
si para a próxima rodada da OMC, restando aos demais avançar no
escuro, tendo os poucos dias da reunião para decidir estratégias
que os favoreçam.
Para o professor da Unicamp
Marco Aurélio Garcia, assessor da Presidência da República
para assuntos de relações internacionais, estamos assistindo a uma
nova divisão internacional do trabalho, com impactos de toda natureza e
para as variadas camadas da sociedade. O desafio do governo brasileiro, ao se
confrontar com as grandes negociações do comércio, é
descobrir como defender os interesses nacionais de seu país. Temas como
relações internacionais e política externa têm terminologias
grandiosas, mas afetam o cotidiano do cidadão. Por isso, não
deve restringir-se ao debate de diplomatas e governo. É importante a discussão
desses assuntos nas universidades e nas instituições representativas
das várias camadas da sociedade.
Garcia acrescenta
que tais decisões, nas instâncias de comércio internacional,
têm forte impacto econômico nos países. É preciso
evitar a desorganização econômica como a que houve nos anos
90, gerada por opções de inserção comercial com redução
tarifária que mudou a estrutura produtiva e social brasileira, trazendo
inclusive, impactos culturais.
Garcia confirma
que o comércio mundial sofre hoje certo estancamento e no Brasil ele é
limitado a 10 a 12% do PIB. Devemos nos esforçar para crescer, já
que isso é importante para enfrentar problemas conjunturais como o déficit
no balanço de pagamentos, mas essa melhor performance no exterior deve
alavancar o desenvolvimento do país, significar investimento no parque
industrial e enfrentar a crise energética.
Existem
elementos novos no cenário da política externa brasileira que valem
ser destacados, diz Garcia. Não queremos mais uma inserção
sozinhos. O primeiro ponto é o Mercosul, cujo objetivo é sua reconstrução
e mesmo ampliação, não limitando-se à união
aduaneira posta em marcha. Queremos dispor de políticas ativas na áreas
agrícola e industrial, sonhar com a moeda única que levaria a uma
estabilidade monetária para a região; um parlamento com a secretaria-
executiva em Montevidéu. Alcançar uma região socialmente
mais integrada é um elemento que possibilitaria uma inserção
fortalecida no comércio mundial, acrescenta o assessor.
Estruturas
comerciais como a Alca proposta, a OMC ou mercados comuns como o da União
Européia, sempre colocam países como o Brasil num mundo profundamente
assimétrico, com economias de maior tamanho e mais sofisticadas. Entrar
numa negociação com adversários desse porte tenderia a cristalizar
e até agravar a nova divisão de trabalho que a globalização
trouxe, e a involução social que ocorreu na última década
para os países menos desenvolvidos.
Garcia garante que o governo brasileiro
está consciente de todas essas dificuldades.
Os
países emergentes sofreram um brutal empobrecimento na última década,
o desequilíbrio aumentou, o que acarreta instabilidade crescente. Miséria
e insurgência, esse é um cenário que tanto amedronta os países
mais desenvolvidos. Livre comércio transformou-se num produto
de exportação, que a periferia comprou mas a matriz não,
diz. Para ajustar-se, lembra o professor, o setor siderúrgico brasileiro
demitiu 100 mil trabalhadores para ser competitivo; mas para que essa sangria
social se enfrenta, na outra ponta, as medidas restritivas à exportação?
A
estratégia brasileira deve refletir essa coesão e atender o interesse
nacional e não de grupos econômicos com mais força. Deve pautar-se
pela proteção ao emprego, ao trabalho e visando a coesão
social, no trilho de uma sociedade mais equilibrada e justa. A vulnerabilidade
do Brasil é muito grande e os problemas precisam ser enfrentados gradualmente,
porém avançando. Garcia não considera grave a proximidade
ao prazo de 2005 da Alca. É preciso ficar claro que não estamos
vivendo o dilema de nos submeter para sobreviver; não é verdadeira
a condenação norte-americana de: ou vendemos na Alca ou na Antártica.
Temos possibilidade de acordos bilaterais com os países andinos e até
mesmo como os Estados Unidos.
Garcia reconhece
que nem tudo são flores, e várias decisões presidenciais
se confrontam com instâncias legais e mesmo burocráticas. Mas considera
positiva a atitude mais propositiva do atual governo, que já recebeu todos
os presidentes da América do Sul para conversar, acompanhados de seus ministros
que se reuniram com companheiros de área no Brasil. Existe uma grande
disposição de criar uma rede de infra-estrutura no continente sul-americano,
o que inclui empréstimos, financiamento de obras. Não nos interessa
mais fechar uma fábrica em Córdoba para abri-la em São Paulo;
melhor é criar mecanismos para integrar a produção entre
elas. O assessor da Presidência cita uma situação exemplar
desse pensamento, que ocorreu recentemente com a Ambev. A empresa brasileira de
bebidas comprou uma fábrica no Uruguai e iria fechá-la, demitindo
seus 100 operários. Tal atitude, porém, iria contra a idéia
do governo de um Mercosul social: a empresa foi chamada e acabou por abrir lá
uma fábrica de malte, criando 400 empregos e substituindo parte da importação
européia do produto. Esta é uma medida concreta de política
industrial brasileira, conclui Garcia.
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O
jogo comercial
A negociação na Alca,
uma idéia lançada em fins de 1994 que envolve 34 países,
tem vivido de poucos avanços e muitos recuos. Em julho último, pela
primeira vez parece que um novo movimento nas peças desse xadrez, colocou
o Brasil numa posição mais ativa, à espera agora da reação
do principal embatedor, os Estados Unidos. O ministro da Relações
Exteriores, Celso Amorim, apresentou o posicionamento oficial do governo para
as negociações, estratégia resultante de conversas anteriores
com demais integrantes do Mercosul e exposta aos EUA. Esta é a primeira
dez, desde que o lançamento da criação de uma área
americana de comércio livre, que o Brasil questiona a estrutura da negociação.
No tabuleiro de negociações, foi um
movimento interessante. O atual governo herdou a agenda ambiciosa de negociação,
concebida basicamente pelos EUA e envolvendo os principais interesses daquele
país, em detrimento da maioria dos interesses dos países latino-americanos,
uma clara desvantagem diante do porte de tal competidor. Questões como
eliminação de barreiras tarifárias de produtos fundamentais
para o Brasil como açúcar, suco de laranja ou aço, assim
como livre trânsito de trabalhadores, que interessa à maioria dos
demais envolvidos, está em jogo.
A estratégia
brasileira está disposta, no que já virou jargão no meio
da negociação, em três trilhos. No primeiro trilho,
na negociação 4+1 (outro jargão) que envolve Mercosul e Estados
Unidos, estariam os temas de acesso a mercado de bens, serviços e investimento;
no segundo trilho, a negociação incluiria todos os membros, na abordagem
de questões básicas como solução de controvérsias,
tratamento diferenciado para países em desenvolvimento, fundos de compensação,
regras fitossanitárias e facilitação de comércio.
O terceiro trilho desloca para a negociação multilateral na OMC
assuntos como a parte normativa de propriedade intelectual, serviços, investimentos
e compras governamentais.
O professor da Unicamp Sebastião
Velasco e Cruz contabiliza que o comércio internacional explodiu nos últimos
30 anos, a taxas mais elevadas que o crescimento econômico como um todo.
A circulação de bens tornou-se dinâmica, com o barateamento
do transporte e a comunicação intensificada. Este foi o lado
bom, diz. O lamentável foram a exclusão social, o desemprego
e a agudização dos problemas internos dos países decorrentes
dessa globalização. A natureza distorcida do comércio internacionais,
a assimetria nas relações de poder impuseram barreiras - como subsídios
e tarifas - justamente nos setores onde os países menos desenvolvidos são
mais competitivos, como aço, têxteis e agrícolas.
Outra
evidência desse jogo internacional foi a mobilidade constante do capital
frente à imobilidade do trabalho. Os investimentos migram livremente na
direção de vantagens mais atraentes; os trabalhadores enfrentam
barreiras legais para buscar as melhores oportunidades de emprego fora de suas
fronteiras pátrias.
Para o professor, a solução teria
que priorizar, não a ampliação do comércio, mas na
incorporação no debate com os países centrais, de claúsulas
sociais na OMC, como regras mínimas de garantia do trabalho, denúncia
da mobilidade dos capitais e fortalecimento da autonomia dos Estados-Nações.
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A
difícil pauta
A O açúcar é
o assunto mais complicado no comércio mundial. Rubens Ricúpero afirma
não conseguir visualizar nos próximos 30 anos, a queda de proteção
nessa área, mesmo sendo o produto brasileiro o mais competitivo do mercado.
Outro contencioso do país nas negociações é o suco
de laranja e as sobretaxas que incidem sobre o produto para ser vendido nos Estados
Unidos. É bom lembrar que as políticas comerciais, tanto nos EUA
como na Europa, são decididas em instâncias como Câmaras de
Representantes que, na esfera norte-americana, têm 25 aguerridos deputados
da Flórida que impedem qualquer abertura nessa área, diz Ricúpero.
Ele
considera que o Brasil sempre teve um dedo podre na escolha de seus
produtos prioritários para a exportação; aço, etanol,
tabaco, suco de laranja, açúcar. Seria fundamental um esforço
na diversificação e aumento de quantidade de oferta de produtos.
Cerca de 100 produtos estão na lista de exportáveis, mas 80% da
oferta brasileira é pouco diversificada. Em algumas áreas, a capacidade
de produção de alguns produtos está em seu limite: dos 348
exportadores, quase 80 dispõem de pouca capacidade ociosa e só exportam
à custa de recessão interna. Dos 20 produtos mais dinâmicos
do comércio mundial, o Brasil só comparece melancolicamente nos
dois últimos- bebidas não alcoólicas e roupas de baixo de
malha, finaliza.
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