O doutorando, que já não enxergava com o olho direito devido a acidente com bola, perdeu a totalmente a visão em 2000, durante um tratamento de catarata, ao ter deslocada a retina esquerda. Na época, Vallim já trabalhava no projeto de doutorado no Instituto de Química. Prata da casa, ele fez graduação e mestrado na área e passou um período na indústria. Como sua vida foi completamente mudada com a perda da visão, precisou de um período longe do campus para readaptação, contando com apoio do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Professor Gabriel Porto (Cepre) da Unicamp. Retornou à Universidade no início de 2002 e espera concluir a pesquisa este ano, tornando-se um dos poucos deficientes visuais a alcançar o doutorado no país.
Márcio Vallim concentra-se em aprofundar a bibliografia sobre o processo da mistura de uma categoria de plástico, o polietileno reciclado com o nylon. No mestrado, feito entre 1992 e 1995, o pesquisador abordou as propriedades da borracha enquanto condutora de eletricidade. Para o doutorado, orientado pelo professor Marco-Aurélio Di Paoli, pretende adequar os estudos existentes sobre o referido material à realidade brasileira. Segundo ele, nos Estados Unidos, as blendas desses dois tipos de polímeros são utilizadas na fabricação de tanques de combustível de automóveis, mas no Brasil os estudos com essa mistura dão apenas os primeiros passos. “Não pretendo desenvolver algo para a aplicação. Meu trabalho limitou-se a estudar as possibilidades de fazer a mistura e suas propriedades”, explica.
No momento, o pesquisador está redigindo o texto que será submetido à banca examinadora e as dificuldades são grandes. O acesso rápido à informação, por exemplo, tem se constituído em uma barreira. “Não existem artigos científicos da área em braile e, se a bibliografia não está em formato eletrônico, o acesso fica inviável. Além disso, se pessoas cegas de nascença já possuem destreza na leitura em braile, o mesmo não ocorre com aqueles que perderam a visão no decorrer da vida, como no meu caso”, lamenta.
A leitura e gravação estão entre as alternativas. No formato eletrônico isso é feito por meio de softwares de leitura de tela, suporte que Vallim tem encontrado no Laboratório de Acessibilidade da Biblioteca Central. “A estrutura existente no laboratório estimula o desenvolvimento da pesquisa e pode ser adaptada conforme o de trabalho, isso é importante”, diz.
Confiança Mas voltando a Champ, o cão-guia, Márcio Vallim sente uma confiança maior do que a proporcionada pela bengala ao caminhar por ruas acidentadas ou com obstáculos. “O cão desvia com antecedência das barreiras, além de haver a relação sentimental. A gente se apega”, diz. Funcionário do Fórum Municipal de Mogi-Guaçu, ele também ganhou acesso fácil a muitos lugares, apesar de já ter enfrentado preconceitos por causa do guia, que ele atribui à falta de divulgação e ignorância das pessoas em relação às necessidades especiais. Apesar de tudo, Vallim é otimista quanto ao engajamento da sociedade na batalha dos deficientes, oferecendo mais oportunidades para que desenvolvam seu potencial. Na Unicamp, ele tem abertas as portas em bibliotecas, restaurantes, agências bancárias e no ônibus circular.
Ainda são raras as experiências com cães-guia para cegos no Brasil. Vallim lembra que esse serviço teve ampla divulgação em uma de novela levada ao ar no ano passado, quando uma personagem procurou um cão em uma instituição de projetos sociais de Brasília, o Integra Instituto de Integração Social e de Promoção da Cidadania. Ele mesmo alimentou o sonho de ter seu companheiro por quase cinco anos, uma vez que o processo é demorado. Só no início de 2006 conseguiu a oportunidade.
Procedimentos O cão é cedido pela instituição depois de uma dezena de procedimentos convencionais. Quando os animais nascem, uma estrutura para o adestramento já os aguarda. Aos dois meses de idade são encaminhados para famílias hospedeiras, onde permanecem até completar um ano. Passam por provas de resistência física e só então começa o treinamento propriamente dito. Em todas as etapas, há reprovas. Por isso, a dificuldade em conseguir um cão-guia. Há alguns anos, as barreiras eram ainda maiores, pois a cessão de cães ocorria apenas em instituições no exterior. “Era problemático, uma vez que a realidade arquitetônica em outros países é bem diferente. Quando chegava ao Brasil, o cão precisava de outro tempo de treinamento”, explica Mário Vallim, que é casado e tem três filhas que já transformaram Champ no xodó da casa.