FEM testa eficácia de freios ferroviários
LUIZ SUGIMOTO
Na noite de 28 de julho de 2000, o trem VA-127 estacionou perto da estação paulistana de Jaraguá, num trecho em declive. De repente, sem maquinista, os oito vagões começaram a se mover, descendo sem controle. Fracassadas as tentativas para detê-la, inclusive de descarrilamento, a composição percorreu 5,5 quilômetros em nove minutos, arrastou por 150 metros a passarela de pedestres da estação Perus e bateu violentamente contra o trem VA-145 que embarcava passageiros. Morreram nove pessoas e mais de 100 se feriram.
A mídia fez ecoar nacionalmente a polêmica em torno dos sistemas de freio do VA-127. Após procedimentos internos para investigar possíveis falhas técnicas, de manutenção ou de projeto, a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) divulgou laudo responsabilizando o maquinista pelo acidente: ele não teria calçado o trem com paus ou pedras, negligência comparável à do motorista que passa o sinal vermelho, segundo a conclusão da companhia.
Um dos principais componentes de freio é o material de atrito, utilizado no contato entre partes móveis e estáticas do sistema. A eficácia deste material em trens é testada há cerca de dez anos na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp. Quando as ferrovias brasileiras ainda eram estatais, foi firmado convênio com a Companhia Vale do Rio Doce, Rede Ferroviária Federal e Fepasa, que resultou na montagem de um dispositivo para ensaios de freios de sapatas (banco dinamométrico) no Departamento de Projeto Mecânico. É um dispositivo para ferrovias único no Brasil e provavelmente na América Latina , agora adaptado para testes também em sapatilhas de freios de metrô e trens de passageiros em geral.
“O dinamômetro é capaz de realizar ensaios em velocidades de até 140 km/h, faixa que abrange todos os veículos ferroviários nacionais”, afirma o professor Auteliano Antunes dos Santos Júnior, responsável pelo Laboratório Ferroviário. O pesquisador informa que o trem de carga mais rápido chega a 90 km/h; o de passageiros é capaz de ir a 120 km/h, embora trabalhe normalmente abaixo dos 100 km/h; e o de metrô atinge 110 km/h em alguns trechos.
Um parâmetro importante na frenagem é o peso: se um vagão de carga carrega até 120 toneladas, o de passageiros comporta no máximo 90t nos carros antigos, o limite é de 70t; quanto mais novos, mais leves. Veículos de menor peso, mas com velocidade elevada, acabam gerando a mesma quantidade de energia que um trem pesado durante a frenagem. O tamanho da composição, por sua vez, não exige mais capacidade individual de frenagem, pois cada vagão possui seu sistema de freio.
Disco e sapata - "Os trens têm vários sistemas. Os dois mais importantes são o elétrico, que reverte a função dos motores transformando-os em geradores, e o de atrito, que atua através de sapatas ou sapatilhas aplicadas em rodas ou discos”, explica Santos Júnior.
Os freios de sapatas são utilizados principalmente em vagões de carga, cujo peso pode gerar mais energia a ser dissipada: neles, o calor incide diretamente na roda que, aquecida, serve para apoiar o veículo e também como tambor de freio. Nos freios a disco, que até o momento equipam apenas carros de passageiros, o disco fica preso à roda, que não é atingida pelo calor.
Atualmente, o pesquisador Sérgio Romano, da equipe do Laboratório Ferroviário, vale-se do dinamômetro para desenvolver sua tese de doutorado, em que avalia a eficácia dos discos também em vagões de carga. "O freio a disco de metrô que é muito mais leve que o próprio trem de subúrbio da Santos-Jundiaí é capaz de frear um vagão de 120 toneladas", atesta. "E tem que ser assim, bem mais eficiente, já que o metrô transporta pessoas e não mercadorias".
O Laboratório já fez diversos ensaios de sapatas com vagão carregado, em que a distância necessária para frenagem variou significativamente, atingindo até 2.000 metros. "Se surgisse uma animal na linha, não haveria tempo de frear o trem", avalia Santos Júnior, referindo-se aos materiais que fugiram das distâncias recomendadas de parada. O professor ressalva, por outro lado, que várias outras sapatas testadas, fabricadas por empresas nacionais e estrangeiras, apresentaram alta qualidade.
Testes de campo são complicados
O metrô de Brasília incluiu em sua nova especificação de compra de sapatilhas de freio para seus trens, ensaios em dinamômetro como o do Laboratório Ferroviário da Unicamp, visando atestar a qualidade do material. O professor Auteliano Antunes dos Santos Júnior tem recebido consultas de outras companhias metroviárias que podem se interessar em incorporar os testes: "Temos capacidade para verificar qualquer componente de atrito", garante.
Ainda nos dias de hoje, o ensaio de freios em trens de passageiros exige que a empresa operadora mte uma composição, coloque pesos para simular a lotação e, normalmente durante a madrugada, interdite um trecho da linha para realização dos testes de campo, uma operação que despende tempo, esforço e dinheiro.
Em termos de legislação, Santos Júnior afirma que está prestes a ser homologada uma norma de frenagem pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), cuja discussão teve a participação do Metrô de São Paulo e da Unicamp, em conjunto com fabricantes e outras operadoras ferroviárias. A avaliação das sapatilhas deverá ser feita pelo Laboratório Ferroviário ou equivalente, cabendo às empresas operadoras decidir sobre critérios de compra e utilização. Com o tempo, o dinamômetro poderia diminuir a necessidade de testes de campo.
As atividades com o equipamento, envolvendo veículos ferroviários de carga e de passageiros, prosseguem com recursos vindos de fabricantes de componentes que solicitam ensaios, de projetos de pesquisa e de bolsas (Capes e CNPq). Recursos já liberados pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) permitirão a montagem de outro dinamômetro, especial para caminhões, mas podendo ser adaptado para testes em ônibus e automóveis. "A idéia é consolidar na Unicamp a base da pesquisa em materiais de atrito para sistemas de freio", finaliza Santos Júnior.
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