Tecnologia e inovação no setor elétrico
SERGIO
SALLES-FILHO
As
inovações tecnológicas e não tecnológicas ocorrem espontaneamente
nas empresas por razões variadas. A explicação é relativamente
simples: quando uma empresa faz algo que lhe confere alguma
vantagem (redução de custos, diferenciação de produtos, qualidade
etc.), isso afeta as condições das demais empresas.
Quanto mais as empresas necessitarem
ou vislumbrarem oportunidades, mais elas procurarão inovação.
Esse processo dinâmico é inerente às economias de mercado.
O setor elétrico brasileiro introduziu, no final dos anos
90, a obrigação para as empresas de geração, transmissão e
distribuição (GTD) de aplicação de 1% das receitas líquidas
em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e em eficiência energética.
Em linhas gerais, esse percentual
divide-se em quatro fatias: para o Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico; para o Ministério de Minas e Energia;
para projetos de eficiência energética (apenas distribuidoras);
e para execução de atividades de pesquisa e desenvolvimento
por parte das próprias empresas, o chamado P&D Aneel.
Até hoje as empresas teriam recolhido algo em torno a R$ 4,5
bilhões.
Especificamente para as fatias
correspondentes a eficiência energética e P&D Aneel, esse
valor foi de cerca de R$ 1,5 bilhão. Ao longo do tempo, a
curva é crescente, estando hoje na faixa de R$ 670 milhões
ao ano. O investimento em P&D por parte das empresas é
compulsório. Para fiscalizar isso, a Aneel tem uma área específica
em sua estrutura que regulamenta o uso e zela pela correta
aplicação dos recursos. Por seu lado, as empresas criaram
suas áreas de P&D para garantir que os investimentos cumpram
as regras, já que há risco de glosa e punição. É o que se
chama de “risco regulatório”.
Para completar o quadro, até
o final de 2008 todo benefício econômico que uma empresa do
setor pudesse obter a partir das inovações que ela ajudava
a gerar era perdido pela política de modicidade tarifária.
O resultado é que, durante dez anos, o P&D foi visto pelas
empresas como um fardo. Entre o porrete e a cenoura, optamos
pelo primeiro.
A modicidade tarifária, como política geral, é medida fundamental
em um setor como esse. Por outro lado, a modicidade tarifária
integral aplicada ao P&D compulsório é um mau negócio
para todo mundo.
Perdem todos: as empresas
não têm estímulo para investir em P&D e inovação.
Perde o setor elétrico porque são baixos os impactos na
balança comercial e no próprio crescimento da indústria
de equipamentos e serviços de energia elétrica. Finalmente,
perde a sociedade, que deixa de usufruir dos benefícios da
inovação.
Sem estímulo ao inovador,
a inovação não vai ocorrer ou o fará só pelo esforço
heroico de alguns gestores e dirigentes visionários. Se não
há o benefício (produtividade, qualidade), não há o que
distribuir à sociedade.
Duas mudanças recentes do
marco regulatório (do final de 2008) abrandaram essa situação:
a Aneel tornou o controle dos projetos menos burocrático e
autorizou as empresas a se apropriarem de 50% a 70% dos benefícios
econômicos gerados pelo esforço de P&D, desde que se trate
de tecnologias a serem comercializadas, mas não utilizadas
pelas próprias empresas GTD (que, diga-se, representa a maior
parte do resultado do investimento em P&D).
Além disso, a Aneel apresentou
dez temas prioritários para estimular as empresas a concentrar
esforços em algumas áreas. Essas medidas são um avanço, mas
um avanço tímido e pouco efetivo. A timidez está justamente
em insistir na não remuneração do esforço da inovação feita
para uso da empresa (produtividade, qualidade). A baixa efetividade
está em forçar que as empresas joguem todo o investimento
para produzir e comercializar tecnologia (porque aí elas podem
se apropriar de parte do benefício gerado). Teremos dezenas
de empresas GTD tentando entrar em mercados oligopolizados
de equipamentos e softwares relacionados a energia. Ainda
que alguns negócios venham a ser bem-sucedidos, não há como
imaginar dezenas de “fábricas” de tecnologia competindo pelos
mesmos mercados.
É preciso aperfeiçoar o marco
regulatório para efetivamente colocar a inovação no centro
das estratégias das empresas. Ganham todos: empresas, pelo
retorno do investimento; indústria, que ganhará densidade
e diversidade; e sociedade, que teria melhores serviços a
custos relativamente mais baixos.
SERGIO
SALLES-FILHO
é professor titular do Departamento de Política Científica
e Tecnológica do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp |
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