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Ricardo, 21, publica na Science
Aluno de graduação do IQ é coautor de artigo sobre cristal
sintético tridimensional
MARIA
ALICE DA CRUZ
Ricardo
Barroso Ferreira, 21 anos, entrou pela primeira vez num laboratório
de química em 2006, ano em que ingressou no Instituto de
Química (IQ) da Unicamp. No mesmo ano, ele já integrava
um grupo de pesquisa e começava a desenvolver trabalhos de
iniciação científica. Quatro anos depois, ainda na graduação,
ele se destaca em intercâmbio na Universidade da Califórnia,
em Los Angeles, (UCLA) e conquista espaço na Science, uma
das revistas mais prestigiosas na área de divulgação científica.
O artigo, assinado em coautoria com seu orientador na UCLA,
Omar M. Yaghi, e os pesquisadores norte-americanos Hexiang
Deng, Christian J. Doonan, Hiroyasu Furukawa, John Towne,
Carolyn B. Knobler e Bo Wang, foi publicado na edição de
12 de fevereiro e versa sobre o desenvolvimento de um cristal
sintético tridimensional capaz de capturar emissões de dióxido
de carbono. “Trata-se de um grande reconhecimento, porque
é raro um estudante de graduação ser coautor de um artigo
na Science”, disse Ferreira.
Ferreira integrou durante
três meses a equipe coordenada por Yaghi no Instituto de Nanossistemas
da Califórnia da UCLA, após ser selecionado na segunda chamada
do Programa Piloto de Intercâmbio em Pesquisa para Bolsistas
de Iniciação Científica da Área de Química da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) de 2008.
Seu objetivo no intercâmbio era tentar aprimorar informações
sobre “cristais esponja”, uma classe de materiais criada por
Yaghi no início da década de 1990. São materiais, segundo
ele, com poros em nanoescala, nos quais é possível armazenar
gases normalmente difíceis de transportar.
Segundo o pesquisador, ninguém
havia trabalhado com este tipo de material no Brasil. Baseados
na estrutura do DNA, os cristais concebidos por Yaghi combinam
unidades orgânicas e inorgânicas. A ideia era criar um material
capaz de converter dióxido de carbono em combustível ou separar
o composto com alta eficiência. A grande tarefa, na Califórnia,
era fazer modificações nas estruturas dos materiais para conhecer
suas aplicações. Ao aluno brasileiro, coube a síntese e a
análise dos materiais. “Essa nova classe de materiais, criada
pelo meu orientador na UCLA, consiste em sólidos porosos constituídos
de ligações de coordenação, que apresentam alta estabilidade
e capacidades adsortivas e de catálise muito especiais”, explicou.
Três meses foram suficientes
para Ferreira testar com a equipe norte-americana a possibilidade
de combinar vários ligantes diferentes na produção dos materiais
desenvolvidos por Yaghi. “Tratam-se de subunidades metálicas
ligadas por ligantes rígidos. A ideia era usar uma mistura
de ligantes orgânicos para formar o material. Mas a dúvida
era se formaríamos dois materiais diferentes cada um com um
só tipo de ligante, ou se formaríamos o mesmo material com
ligantes alternados. Então tentamos várias combinações e,
além de conseguir fazer o material com várias combinações
de ligantes, vimos que essa combinação cria uma complexidade
no sistema e favorece certos tipos de aplicações, como o aumento
da adsorção de CO2”, explica.
Este é o segundo artigo assinado
por Ferreira. De acordo com a diretora do Instituto de Química
da Unicamp e sua orientadora na iniciação científica, professora
Heloise de Oliveira Pastore, o desenvolvimento de um talco
capaz de absorver quantidade razoável de sua massa em CO2
rendeu a publicação de um trabalho na Revista Langmuir da
Sociedade Norte-Americana de Química. A descoberta fez com
que o aluno manifestasse o desejo de dar continuidade no estudo
nos Estados Unidos. “Ele trabalhava com materiais granulados
capazes de adsorver CO2 e se interessou por intercâmbio. Então,
entramos em contato com Yaghi para viabilizar o intercâmbio”,
relata Heloise.
Persistência
As conversas sobre a possibilidade de intercâmbio foram marcadas
por resistência, do lado de Yaghi, e persistência, do lado
da orientadora. “Ele respondia que a equipe dele era altamente
qualificada e motivada e que o ritmo de trabalho era intenso”,
relata a diretora. Mas nenhum ritmo intenso de trabalho faria
recuar o estudante oriundo de escola pública (apenas o terceiro
ano do ensino médio foi concluído com bolsa de estudos em
um colégio particular) que, ao deparar com as dificuldades
das disciplinas iniciais do programa de graduação em química
da Unicamp, decidiu buscar motivação na iniciação científica.
Com a frase “eu insisto que ele tenha uma chance em sua equipe”,
Heloise encerrou o impasse, e Ferreira estava aceito no projeto
da UCLA. “Quando cheguei lá, vi que o ritmo de trabalho era
o mesmo que eu mantinha na Unicamp, das 8 às 18 horas e fiquei
surpreso porque já estava sendo esperado, já havia um plano
de trabalho para mim. Toda resistência caiu por terra. Fui
muito bem-recebido”, conta o estudante.
Na
apresentação final ao grupo norte-americano, Ferreira mostrou
que a determinação não tem limite territorial ou de esferas
socioeconômicas. A quantidade de conhecimento produzida em
apenas três meses de trabalho deixou maravilhado o orientador
norte-americano, que, na despedida, não hesitou em convidar
o estudante para voltar à UCLA. Em visita à Unicamp, em
2009, Yaghi revelou o quanto foi surpreendido por Ferreira,
segundo Heloise: “Ele disse que o aluno havia superado as
expectativas e produzido bastante para três meses de trabalho”.
O que é importante no estudo,
segundo Heloise é a descoberta de como os ligantes orgânicos
podem atuar em conjunto para melhorar adsorção de gás. A proposta,
segundo ela, é ancorar pequenas unidades desses adsorventes
em material sólido. “A combinação de ligantes foi importante
para que pudesse usar uma quantidade menor de adsorvente.
O compósito fica mais robusto e pode ser manipulado sem problemas
de choques mecânicos”, explica. Ela acrescenta que além de
ancorar as subunidades orgânicas que formam o material, os
ligantes podem mudar sua superfície específica.
Quanto à aplicação, Heloise
explica que os estudos estão em fase inicial, mas que o grande
feito foi descobrir como preparar materiais com ligantes de
naturezas diferentes. Ferreira acrescenta que se tratam de
materiais novos e ainda têm de ser muito estudados quanto
às aplicações. “Ainda não se sabe se podem ser aplicados na
vida real, na captura de emissões de CO2. Foram feitos testes
em laboratórios, que também fazemos aqui. O caso é que esse
teste é indicativo, mas necessita de comprovação em situações
mais próximas à realidade’, diz Ferreira.
A descoberta deve estimular
muitos estudos, segundo Heloise. “Precisa de uma série de
ajustes. A síntese do material com essas propriedades é a
base. A partir daqui a pesquisa se torna tecnológica. Como
vai fazer para que o material funcione em situações reais
é o que deve motivar outros estudos”, reflete.
Já na graduação, o estudante
precisa se inteirar da aplicação dos conhecimentos recebidos
na Universidade. O intercâmbio propiciado pela Fapesp foi
uma oportunidade singular na vida de Ferreira. “Gostei muito
de ter trabalhado lá, abriu muitas portas”, diz. O reconhecimento
chegou rápido, não só na publicação do artigo, mas também
na recepção dos colegas da Unicamp, onde ministrou palestra
falando de sua experiência e motivando outros estudantes a
realizarem intercâmbio e estágios de iniciação científica.
“A informação fica abstrata se o aluno só vai à aula. Se ele
tem oportunidade de integrar um grupo de pesquisa, consegue
ver a relação entre as coisas, consegue aplicar o que viu
na teoria, na prática do dia-a-dia. Isso motiva muito os alunos.
Se não tivesse a iniciação científica, ficaríamos muito desmotivados”,
diz Ferreira.
Outro aspecto importante na
experiência internacional, segundo Ferreira, é a constatação
de que o IQ não deixa nada a desejar em relação à estrutura
encontrada nos Estados Unidos. “Podia ter até mais equipamentos
lá, mas aqui a gente consegue fazer tudo o que fazia lá, sem
perda de qualidade. Isso precisa ser reforçado, para tirar
aquela visão de que lá é tudo diferente e melhor. Temos condições,
só falta gente para manter e levar isso adiante”, reforça.
Na opinião de Heloise, é muito
importante o aluno vivenciar outros ambientes. “Já é importante
no doutorado e mestrado e na graduação mais ainda. Iniciativas
como esta da Fapesp, a do Santander para países de línguas
hispânicas e da AUGM para o Mercosul são muito boas. Os alunos
são mais bem qualificados e aumenta o número de trabalhos
publicados. A combinação de iniciação científica com intercâmbio
internacional é bem-vinda”, reforça a diretora.
Para ele, o incentivo ainda
é pouco, mas tem aumentado. Heloise acentua que quando estabelece
sistema de financiamento de bolsas confiável, constante, com
critérios de avaliação muito bem feitos, a tendência é selecionar
melhor os alunos. “Se o aluno é dedicado, ele vai pra frente.
O Ricardo, por exemplo, não sai do laboratório”, acrescenta.
A iniciação científica tem
relevância no processo de seleção, segundo a professora. Uma
das perguntas constantes nos formulários da Fapesp, por exemplo,
é relacionada à vida acadêmica do aluno após a iniciação.
Outro aspecto importante da pesquisa na graduação está no
interesse maior dos alunos pelas disciplinas. “Eles começam
a ver a correlação entre o que fazem em laboratórios e as
disciplinas”, explica Heloíse, “e isso torna o aprendizado
mais fácil e mais prazeroso.”
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