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Em busca das origens
Tese investiga o contexto em que foi produzido
o primeiro dicionário brasileiro de Libras

Tese de doutorado desenvolvida pela pedagoga Cássia Sofiato, apresentada recentemente ao Instituto de Artes (IA) da Unicamp, promoveu investigação inédita acerca do primeiro dicionário produzido no Brasil de Língua de Sinais. Concebida em 1875 por Flausino da Gama, então estudante do Imperial Instituto de Surdos-Mudos, escola instalada no Rio de Janeiro e apoiada pelo imperador Pedro II, a obra foi fortemente baseada em publicação semelhante, de autoria de Pierre Pélissier, professor de instituição francesa também voltada à educação de surdos. Na pesquisa, orientada pela professora Lúcia Reily, Cássia traz novos dados sobre a origem do dicionário e desconstrói o mito criado em torno de Flausino da Gama, sem, porém, negar as contribuições que o trabalho dele deu à consolidação da atual Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Batizado de Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mudos, o dicionário produzido por Flausino da Gama sempre foi muito citado pelos estudiosos da surdez, mas nunca houve uma pesquisa aprofundada em torno dos aspectos relacionados à sua confecção, nem tampouco sobre a figura do seu autor, como observa Cássia. De acordo com ela, Flausino da Gama teria manifestado a intenção de editar a obra depois de ter tido contato com a publicação de Pelissier, disponível na biblioteca do Imperial Instituto. O projeto controu com o apoio de algumas pessoas proeminentes da época. Até então, conforme a autora da tese, não existia no Brasil publicação do gênero.“Na época, havia uma língua de sinais no Brasil, mas não um dicionário sobre ela. Imagino que a intenção de Flausino da Gama foi criar um material para convencionar essa língua”, arrisca Cássia.

Na introdução do dicionário, Tobias Leite, diretor do Imperial Instituto, informa que o volume foi feito em poucos dias, mas a pedagoga acredita que ele tenha lançado mão de linguagem figurada para falar desse prazo. “Flausino se valeu da litografia, técnica de gravura que demanda tempo para ser desenvolvida”, explica. Segundo Cássia, o material brasileiro fez uma tradução iconográfica da obra de Pelissier. “Os sinais utilizados no dicionário são todos franceses, o que demonstra que Flausino se apropriou da obra de Pelissier para conceber a sua. É preciso lembrar que no século XIX a influência da língua e dos costumes franceses era muito forte no Brasil. Ademais, o tratamento dado ao plágio à época era diferente daquele que conhecemos hoje”, contextualiza a pesquisadora.

Nesse sentido, prossegue Cássia, sua tese promove uma desconstrução do mito criado em torno de Flausino da Gama. “Na área da surdez no Brasil, Flausino sempre foi tratado como um mito. É considerado por muitos como um criador, ou seja, como o executor de um trabalho original. Entretanto, o dicionário produzido por ele não é original. Na realidade, Flausino se apropriou do trabalho de Pelissier para fazer a sua obra. Evidentemente, ele tem o mérito da iniciativa. Além disso, o dicionário instituiu uma tradição iconográfica para a Libras. Se analisarmos as obras atuais, elas apresentam características semelhantes ao material produzido por Flausino, em termos de constituição de imagens. Essa contribuição é real e se perpetuou ao longo do tempo”, analisa a pesquisadora.

Um exemplo de que o trabalho de Flausino da Gama continua servindo de referência é que, dos 382 sinais presentes do dicionário produzido por ele, 38 ainda existem. Um deles refere-se, por exemplo, ao “eu”, que é representado pelo dedo indicador apontado para a própria pessoa. Outro é o sinal de silêncio, representado pelo indicador em riste colado aos lábios. “O trabalho de Flausino também trouxe contribuições em relação à indexação dos dicionários que sucederam ao dele, visto que algumas obras apresentam essa característica”, completa Cássia.

Ao analisar o léxico, a autora da tese afirma não ter identificado sinais de origem brasileira. Todos são baseados nos costumes europeus, notadamente os franceses. “O dicionário é todo organizado por grupos semânticos. Na estampa que apresenta objetos relativos a sala de aula, por exemplo, aparece o sinal de fogo. No Brasil, isso não faz muito sentido, mas na Europa, sim. Lá, em razão do frio, provavelmente as salas de aula contavam com lareiras, por isso a representação é totalmente compreensível. Esse uso é mais uma evidência de que Flausino se apropriou da iconografia francesa”, reforça a pedagoga. Para tentar entender melhor o percurso de trabalho do autor do dicionário, Cássia produziu, no Centro de Pesquisa em Gravura do IA, estampas semelhantes às utilizadas por Flausino da Gama.

“A obra de Flausino é composta por 20 estampas. Estas são acompanhadas de explicações da forma como os sinais são constituídos. Isso me leva a crer que ele tinha algum conhecimento do idioma francês, visto que sem isso ele dificilmente teria conseguido chegar ao resultado que chegou”, pondera Cássia. Segundo ela, é difícil avaliar a abrangência que o dicionário alcançou na época da sua produção. É sabido, porém, que o diretor do Imperial Instituto, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), enviou cópias para outras províncias brasileiras, como forma de ajudar as pessoas que trabalhavam com surdos.

Para conseguir concluir a tese, Cássia teve que fazer um trabalho quase arqueológico para localizar o original do dicionário de Flausino da Gama. Ela conta que existem quatro exemplares no acervo da Biblioteca Nacional, instalada no Rio de Janeiro. Destes, entretanto, apenas um estava íntegro, mas mesmo assim apresentava sinais de desgaste em razão dos 156 anos decorridos desde a sua impressão. O texto da capa, por exemplo, estava praticamente apagado. “Por conta disso, eu também fiz um trabalho de recuperação da obra. Com a autorização da Biblioteca Nacional, microfilmei o exemplar e depois fiz uma limpeza digital, para recuperar os textos e as imagens. Agora, esse material pode ser facilmente manipulado por outros pesquisadores interessados no tema”, diz a pedagoga.

Cássia considera que a originalidade do seu trabalho está justamente em tentar entender o período, o contexto e forma como o dicionário de Flausino da Gama foi confeccionado. O estudo, segundo ela, proporcionou um resgate histórico, que por sua vez permitiu a melhor compreensão das origens da iconografia da língua de sinais. “A busca às origens é importante porque nos ajuda a entender como as coisas se configuram atualmente. Além disso, penso que minha pesquisa abre perspectivas para outras investigações na área da Libras e da educação de surdos”, afirma.

Poucos dados

Cássia revela ter encontrado muita dificuldade para levantar dados sobre a figura de Flausino da Gama. O pouco que se sabe dele é que era um ótimo aluno, tanto que se tornou repetidor do Imperial Instituto, uma espécie de monitor que ajudava nas atividades educacionais. Ele produziu a Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mudos quando tinha aproximadamente 18 anos. Era tido como hábil desenhista, embora as investigações da autora da tese não tenham confirmado tal atributo. Conforme a pedagoga, não há registro de que Flaudino da Gama tenha concebido qualquer outra obra, seja na área da surdez, seja fora dela.

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■ Publicação


Tese: Do desenho à litografia: a origem da língua brasileira de sinais
Autora: Cássia Geciauskas Sofiato
Orientadora: Lucia Helena Reily
Unidade: Instituto de Artes (IA)


 
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