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A matemática pode livrar o
palmito juçara da extinção?
Modelagem é ferramenta para o planejamento
ambiental de unidades de conservação

O palmito juçara (Euterpe edulis) tem participação em diversas funções ecossistêmicas, além de ter uma forte interação com a fauna de Despraiado, em Juréia, entre Peruíbe e Iguape. Muitos indivíduos da espécie ainda sobrevivem, mas, como mostra a pesquisa desenvolvida pela bióloga Daniela Lins e pela orientadora Rozely Ferreira dos Santos, árvore em pé não é garantia de conservação ambiental. De acordo com Daniela, para a manutenção da espécie não basta identificar a ocorrência do palmito; é preciso garantir a presença de vários parâmetros ecológicos que envolvem seu desenvolvimento. Com a colaboração do professor João Frederico Meyer, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc), a pesquisadora construiu um modelo matemático baseado em parâmetros espaciais que permitem reunir dados importantes para responder sobre a qualidade do habitat para o palmito e para a conservação ambiental na região de Despraiado. A modelagem tem aplicação prática para o planejamento ambiental de unidades de conservação.

Entre os elementos analisados estão os parâmetros relacionados à distribuição do palmito como: distância dos canais de drenagem, altitude, o tipo de encosta, distâncias entre os fragmentos florestais, estágio de desenvolvimento da floresta, distância da presença humana, entre outros. Baseado em fundamentos da ecologia da paisagem, o modelo auxiliou na identificação de locais propícios para a existência do palmito, áreas com possibilidade de recuperação e manejo, bem como as áreas de grande potencialidade física que perderam a capacidade de suportar a espécie devido à degradação de origem antrópica.

Os resultados da pesquisa mostram que apesar da presença de palmito juçara na região estudada, a espécie corre risco de extinção. Isso pôde ser comprovado pelo levantamento feito por Daniela. Sua análise revelou que mesmo com a presença de vasta área de floresta, a qualidade da vegetação, verificada por métricas de qualidade de habitat, evidenciou muitas áreas aptas ao desenvolvimento do palmito ocupadas por plantação de banana. A situação, segundo ela, se desenvolve em virtude da evolução histórica dessa paisagem. Daniela acrescenta que embora tenha palmito, a estrutura da dinâmica populacional da espécie não é mantida. “Esta fragilidade está relacionada com a estrutura florestal como um todo. A estrutura populacional ou a distribuição por grupo etário dos indivíduos da espécie encontram-se em um padrão que não garante sua manutenção. Este padrão, provável produto das interferências humanas, só pode ser evidenciado em microescala”, ressalta.

Diante da necessidade de conhecer plenamente a situação daquele pedaço da Juréia, as pesquisadoras desenvolveram um estudo que construiu um mod elo que objetiva explicitar o comportamento da distribuição e da ecologia da espécie e “especializar” os resultados por meio de softwares que resultam em mapas ou outros tipos de notação gráfica. “Há facilidade de encontrar o palmito perto de um rio, então foi considerado o parâmetro distância dos canais de drenagem. Dessa forma, criamos uma curva que mostra que entre 10 metros e 100 metros a partir de um rio decresce o grau que favorece a sobrevivência do palmito.”

A presença humana está entre os fatores que tornam a espécie muito vulnerável e, nesse sentido, Daniela acredita que o modelo possa ajudar no controle e na formulação de propostas de manejo, principalmente em Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), área com proteção legal ambiental que abriga populações tradicionais. Nessas áreas podem ocorrer sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, mas com proteção da natureza e manutenção da diversidade biológica.

Em RDS, o palmito responde fortemente como serviço ambiental e existe uma comunidade em Juréia que espera uma solução nessa direção. Uma comunidade que, segundo a pesquisa revela, já habitava aquele lugar antes que se tornasse unidade de conservação de proteção integral (Estação Ecológica). Ela enfatiza que para permanecer numa área como Estação Ecológica, as limitações são muito grandes, mesmo sendo o proprietário da terra. O manejo de espécies florestais é aceito para as áreas de RDS, mas para isso a exigência é respeitar as condições de manejo sustentável e não-predatório. Para tanto, é preciso ter regras claras, baseadas no conhecimento científi co, mas que possam ser entendidas pela população tradicional, segundo Daniela. Ao mesmo tempo, não se pode desrespeitar as tradições ou a cultura que se desenvolveu ao longo das gerações.

Jacutingas, tucanos, jacus, porcos-do-mato e antas então entre as 70 espécies da fauna local que têm a palmeira juçara como fonte de alimento. São essas espécies que fazem a dispersão de suas sementes, as quais levam de um ano a um ano e meio para germinar. O palmito requer condições especiais para germinação, tem baixa capacidade de resiliência, não rebrota e tem crescimento muito lento, de acordo com Daniela. Por outro lado, tem potencial para o desenvolvimento sustentável e é um recurso muito cobiçado. Nos anos iniciais, a plântula necessita de meia-sombra, umidade e calor para sobreviver. Após os três anos iniciais, a planta precisa de maior quantidade de luz.

As pesquisadoras afirmam que foram criadas muitas unidades de conservação no Brasil, como forma de conservar a biodiversidade, mas embora haja o instrumento legal, essas unidades não possuem uma gestão efetiva, não havendo suporte para solucionar a situação fundiária, fornecer fiscalização eficiente, promover manejo, ou apoiar a comunidade residente. Elas acrescentam que faltam funcionários, infraestrutura, apoio para os poucos guardas hoje existentes e treinamento. “Em Juréia, são 20 anos de contradições e conflitos, ora com tendência para conservação biológica ora para uso dos recursos pela população. Essa dupla direção, sem decisões concretas, só acarretará, cada vez mais, conflitos entre todos os atores sociais”, declaram.

Para elas, se a indecisão permanecer, todos sairão perdendo. “Não importa se você prepondera a conservação biológica ou a população. Enfim, a consequência é uma flloresta desprotegida e uma comunidade em conflito”. Daniela ainda acrescenta que se fala muito em manejo sustentável, mas pouco se sabe sobre isso. Além disso, ela pondera que as pessoas que tiram palmito de Juréia não fazem uso do pouco conhecimento que existe e o comum ainda é o extrativismo predatório.

As pesquisadoras lembram que Juréia-Itatins foi estação ecológica, depois um mosaico de unidades de conservação e agora voltou a ser estação ecológica. Na situação de mosaico, havia o propósito de conservar e utilizar recursos naturais em diferentes graus, dependendo da unidade do mosaico envolvida, segundo elas. Na situação de estação seria de se esperar que as pessoas fossem realocadas, no entanto, a comunidade prossegue morando no local, mas sem condições de fazer nada ou com raras atividades permitidas. “De um dia para o outro, essas pessoas viravam ilegais, sem poder plantar, nem reformar uma casa, sem poder sobreviver do que a natureza oferece”, explica.

Daniela acredita que o modelo possa ajudar a comunidade de Juréia, desde que a região não seja uma área de proteção integral, como a Estação Ecológica que tem outra destinação. Além disso, esse modelo pode ser futuramente aprimorado pelo acréscimo de outros parâmetros relevantes ao entendimento da dinâmica da paisagem, segundo a bióloga. Ela acredita que muitos fatores passam despercebidos na discussão e na formulação de leis por não terem dados precisos sobre a estrutura florestal, daí a necessidade de avançar no desenvolvimento de modelos como o construído em sua dissertação.

A pesquisadora espera que o trabalho seja útil também na atual discussão sobre as restrições dos atos ambientais legais. “Se com o grau de restrição ambiental que existe hoje o que resta da Mata Atlântica está em estado de calamidade, imagine o que acontecera com a legislação retrocedendo. Árvore em pé não é sinal de conservação. É necessário que as relações ecológicas que estão envolvidas com cada espécie se mantenha, minimamente. Temos uma estrutura florestal a ser preservada que depende do contexto de toda a paisagem. Então, se não tivermos o conhecimento necessário, muitas coisas passam despercebidas. É assim que ampliamos a destruição dos recursos, preponderando a discussão política e esquecendo o conhecimento biológico”, reforça.

Segundo a pesquisadora, a comunidade de Juréia tem uma relação histórica com o palmito juçara. “Se esse modelo que desenvolvemos fosse incorporado pela comunidade das RDSs, seria um mecanismo de gestão das áreas que podem ser recuperadas ou utilizadas por um manejo sustentável”, pondera. Isso, porém, depende de acordos e aceitações que só ocorrerão se o Estado tomar a decisão acertada.

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■ Publicação

Dissertação: “Conservação de fragmentos florestais interpretada por parâmetros espaciais relacionados a uma espécie alvo”
Autora: Daniela Lins
Orientação: Rozely Ferreira dos Santos
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)

 



 
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