MACHADO DE ASSIS
"A
literatura produzida por Machado de Assis e seus contemporâneos
não tinha apenas como finalidade o entretenimento. Mesmo
quando buscava divertir, fazia isso de modo a construir
críticas sociais amplas. Particularmente em uma de suas
obras, Papéis avulsos – coletânea cujos contos
foram elaborados a partir dos principais debates científi
cos e filosóficos da segunda metade do século 19 –, houve
esforço no sentido de desmascarar o uso perverso do discurso
produzido pela ciência: a linguagem científica servia para
justifi car medidas políticas arbitrárias adotadas com propósitos
de exclusão social e política, e invalidar qualquer outra
opinião que não coubesse no padrão de pensamento então dominante
na Corte imperial.
Demonstrar a preocupação do contista em
tornar a sua produção literária um meio de refl exão sobre
algumas das mais inquietantes questões de seu tempo, como
o amplo papel atribuído à ciência, é um dos principais méritos
de pesquisa de mestrado e doutorado conduzida na Unicamp
pela historiadora Daniela Magalhães da Silveira, transformada
no livro Fábrica de contos: ciência e literatura em
Machado de Assis (304 páginas, Editora da Unicamp).
Desenvolvido entre 2005 e 2009, o projeto
inicial de Daniela tinha como proposta buscar compreender
a organização das coletâneas de contos por Machado de Assis.
Boa parte desses textos teve uma primeira versão publicada
em algum jornal ou revista fl uminense. Em seguida, o escritor
selecionava alguns deles e os publicava sob o formato de
livro. Talvez numa tentativa de oferecer alguma coesão ou
mesmo de apresentar a nova obra para o seu público, aquelas
narrativas apareciam precedidas por uma “Advertência”, revela
a pesquisadora. Esse é o caso, por exemplo, da coletânea
Papéis avulsos, de 1882, em que Machado afirmava
que aqueles contos seriam “pessoas de uma só família, que
a obrigação do pai fez sentar à mesma mesa”.
“Tendo isso em mente, a minha intenção
era a de buscar evidências em torno da publicação inicial
dos contos nos periódicos, observar as mudanças e ajustes
feitos por Machado e, em seguida, tentar saber se havia
alguma temática que serviria de junção e justificativa para
que aquelas histórias tivessem sido recolhidas e ganhado
o formato de livro. Afinal de contas, isso significava não
cair no esquecimento e nem serem relegadas a um segundo
plano”, pondera Daniela, que é formada em história pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atualmente
leciona no Instituto de História da Universidade Federal
de Uberlândia (UFU).
A primeira leitura feita dos contos publicados
em Papéis avulsos e nas Histórias sem data
(1884), no formato original, ou seja, ainda na imprensa,
despertou-a para as questões relacionadas à ciência. Estas
estavam presentes em todo o jornal e revista, e não somente
nos textos machadianos.
“Comecei
a perceber, então, como aquela era uma temática que havia
rendido muita discussão e parecia ter chamado a atenção
de Machado, incentivando-o a ingressar no debate”, acentua.
Ciência em profusão
Daniela observa que a ciência e suas implicações
despertavam o interesse de pessoas bastante diferentes.
Basta levar em consideração, ressalta ela, o aumento considerável,
em especial nos anos 1870, de espaços nos jornais diários
dedicados a essas questões. O tema fluía com abundância tanto
das colunas, que adotavam uma linguagem mais técnica e enredada,
quanto dos folhetins, que abusavam do humor e de trocadilhos
facilmente compreendidos.
“Aliás, boa parte dos contos trabalhados
por mim apareceu no rodapé da Gazeta de Notícias ou numa
coluna conhecida à época como ‘oitava coluna’. Esta abrigava
os literatos com suas crônicas e contos. Além disso, ainda
existiam aquelas revisapreciadas por Machado para a publicação
de suas histórias”, relata a autora.
Essas revistas contaram com a colaboração
de vários médicos interessados na formação das mães e nos
fi lhos delas, considerados o futuro da nação. Machado de
Assis representava mais uma vez nesses debates, que, embora
aparentemente pouco acessíveis, usavam de linguagens mais
interessantes e pareciam cativar os leitores. Por outro
lado, o cronista tendia a apimentar mais a conversa, questionando
algumas contradições encontradas nos escritos de seus próprios
colegas de redação.
Imerso então nessas discussões, Machado
de Assis pode ser compreendido como escritor que usou sua
literatura com o objetivo de se posicionar diante das “novidades
científi cas”, defende Daniela, tanto aquelas divulgadas
pela imprensa como as que chegavam ao conhecimento público
por meio de conferências populares. Especialmente porque,
pondera a pesquisadora, o andamento daqueles debates poderia
resultar em definições de fundamental importância política
para o país.
“O que estava em jogo era a questão do
trabalho, com inquietações sobre o destino a ser dado aos
exescravos e a inserção de imigrantes. Da mesma forma, havia
o problema sobre quais espaços sociais conceder às mulheres,
o aperfeiçoamento do sistema eleitoral, entre tantas outras
questões. Para resolver tudo isso, o cientificismo aparecia
com várias justifi cativas e medidas, orientadas pelo evolucionismo
e pelas noções de diferenças raciais e sexuais. Enquanto
escrevia os contos dessa coletânea, Machado explorava questões
desse naipe”, enfatiza Daniela.
Em “O alienista”, vários pontos foram abertos.
Algumas certezas científicas foram colocadas em xeque, em
especial, aquelas propostas por meio do exercício da medicina.
O espírito crítico, a ironia sagaz e a profunda refl exão
sobre a sociedade brasileira da época – traços indeléveis
do estilo que consagrou Machado de Assis como um dos maiores
mestres do conto – estão presentes, por exemplo, na galeria
de personagens criados para ironizar cientistas e correlatos,
sobretudo médicos, como os doutores Simão Bacamarte e Diogo
Meirelles.
Empatia com as leitoras
A imprensa, ressalta a autora, foi o principal
veículo de comunicação utilizado por Machado de Assis. Mesmo
depois de se tornar um escritor reconhecido, ele não deixava
de publicar suas histórias naqueles jornais e revistas,
porque isso representava não só rendimentos financeiros,
mas também a possibilidade de ser lido por um maior número
de pessoas.
“Provavelmente a sua ideia era muito mais
a de fazer com que seus leitores e leitoras questionassem
ou ao menos refletissem a respeito de questões que, sob a
pena de outros intelectuais, pareciam irrefutáveis. Claro,
Machado não controlava a recepção de seus escritos, mas
sabia que, quando participava de uma revista de moda e literatura,
poderia fazer com que suas leitoras se identificassem com
alguma personagem e questionassem o lugar social atribuído
a elas por alguns médicos que tinham suas colunas publicadas
ali mesmo”, pondera. “Mesmo em sua maturidade, Machado não
deixou de acreditar na capacidade de interpretação e de
transformação que algumas das suas leitoras possuíam.”
Especialmente para a composição das Histórias
sem data, o folhetinista construiu personagens femininas
ímpares, aponta Daniela.
Quando direcionada às mulheres, a ciência
produzida no século 19 e divulgada na imprensa tentava definir
a maternidade, as condições para a escolha do melhor casamento,
como a idade dos nubentes, por exemplo, e qual o trabalho
mais apropriado, de acordo com as supostas condições “naturais”
femininas. Para debater essas questões, constata ela, Machado
de Assis deu vida a protagonistas do sexo feminino que precisavam
driblar a suposta superioridade masculina. Mostrava, desse
modo, como a instrução poderia representar uma importante
saída.
“Esta havia sido a solução apresentada
também por alguns médicos e também por algumas senhoras
que lutavam, também na imprensa, pela emancipação do sexo
feminino. A diferença em suas falas refere-se ao fato de
que, para os médicos, as mulheres precisavam se instruir
para cuidar da educação dos filhos delas. Para as senhoras
envolvidas em alguns periódicos, como O sexo feminino,
as mulheres não poderiam deixar com que seus maridos as
tratassem como escravas e também precisavam se precaver
no caso de se encontrarem sem qualquer amparo, por isso
deveriam aperfeiçoar seus conhecimentos. Machado de Assis,
por sua vez, indicava a instrução como estratégia para enfrentar
a autoridade e repressão masculina”, argumenta a historiadora.
Precaução com os maridos
A análise da produção de alguns dos mais
importantes livros de contos publicados por Machado de Assis
permitiu à Daniela constatar que, enquanto o literato escrevia
para a imprensa, parecia ter muito pouco ou qualquer controle
sobre a recepção de seus escritos. Precisava também se adaptar
àquele suporte. Ou seja, quando publicava numa revista como
A Estação, dedicada ao público feminino e às famílias,
que continha em suas páginas moldes de vestidos, dicas de
modas e tudo aquilo que àquela época parecia pertencer exclusivamente
aos interesses das mulheres, acabava estabelecendo um diálogo
com os outros colaboradores do periódico.
“Além disso, ainda sabia que precisava abordar
determinadas temáticas, tomando o devido cuidado para que
alguns pais e maridos não se sentissem ameaçados ou ofendidos.
Por sua vez, quando recolhia algumas histórias para a coletânea,
tentava oferecer-lhes outros sentidos e uma justificativa
para que aquelas e não outras tivessem sido as escolhidas”,
pondera a autora. “Nesse segundo momento, Machado parecia
ter mais controle sobre o seu ofício, tentando indicar caminhos
de leituras mais adequados, mesmo quando informava que todas
as suas histórias possuíam mais de uma interpretação possível.”
De acordo com Daniela, ler Machado de Assis
é sempre um enorme prazer. Primeiro porque representa ao
leitor a possibilidade de se aproximar das discussões possíveis
apenas no século 19, de saber mais tanto sobre o próprio
escritor, como a respeito de seus colegas e prováveis leitores
e leitoras.
“Por outro lado, permite constatar a atualidade
de sua obra, em especial, quando algum cientista do século
21 tenta afirmar o seu conhecimento desconsiderando as condições
sociais e necessidades reais da população atingida”, argumenta.
Serviço
Título: Fábrica de contos: ciência e literatura
em Machado de Assis
Autora: Daniela Magalhães da Silveira
Edição: 1ª
Páginas: 304
Preço: R$ 29,00
JORGE LUIS BORGES
Em O jardim dos caminhos que se bifurcam, escrito
em 1941, o escritor e ensaísta argentino Jorge Luis Borges
apresenta aos leitores o enredo de um conto policial em
que aborda a possibilidade da existência de múltiplos tempos,
oriundos das diversas opções com as quais nos defrontamos
ao tomar uma decisão. Os inúmeros futuros resultantes de
cada alternativa constituiriam assim trajetórias paralelas
de tempo, que se proliferam e se bifurcam em infinitas possibilidades.
O conceito de multiplicidade temporal da obra fi ctícia borgeana
teria antecipado em alguns anos a interpretação dos muitos
mundos da física quântica (cujas leis descrevem o comportamento
do universo microscópico) proposta pelos físicos Hugh Everett
III e Bryce DeWitt a partir do final da década de 1950. Segundo
a teoria por eles formulada, em cada decisão o mundo se
ramifica, e em cada ramo existimos com uma história pessoal
diferente, o que justificaria a existência de universos paralelos
coincidentes ao nosso – uma ideia que fascina e desperta
cada vez mais o interesse da ciência. A abordagem dessa
conjetura pelo célebre escritor e pelos respeitados pesquisadores
poderia ser considerada apenas coincidência?
Para
um cientista e fã de literatura em especial, trata-se de
mais um típico caso de uma surpreendente intersecção entre
literatura e ciência: obras literárias – e não se trata
de ficção científica – anteciparam ou inspiraram de algum
modo soluções para problemas abordados posteriormente em
investigações científicas. Exemplos instigantes dessa relação
aparentemente antagônica recheiam Borges e a mecânica
quântica (Editora da Unicamp, 144 páginas), coletânea
de artigos em que o físico Alberto Rojo expõe de maneira
cativante o resultado de seus achados no mínimo curiosos
nesse território que ele considera comum entre a arte e
a ciência. Entre os muitos exemplos com que procura corroborar
seu ponto de vista, há desde menções de Borges em textos
científicos a experimentos laboratoriais inspirados em um
clássico grego ou ainda citações capazes de revelar fundamentos
científicos em relatos bíblicos.
Divindades contrárias
Rojo considera parcial e grosseira a visão
segundo a qual literatura e ciência servem a duas divindades
contrárias: as emoções e a inteligência. Embora reconheça
nessa percepção algum fundamento pelo fato de o escritor
se ocupar de comover seus leitores com mundos imaginados
e o cientista, de decifrar o mundo real, ele pondera que,
num sentido oposto, as grandes obras literárias analisam
profundamente a realidade e os grandes avanços científicos
redefinem os limites da imaginação.
“Assim, é concebível que as duas disciplinas,
num sentido amplo, sofram uma intersecção. A ciência e a
ficção costumam se sobrepor, a ponto de apresentarem certas
antecipações literárias como profecias científicas. O certo
é que a mesma imaginação que cria a arte, a literatura e
as religiões cria a ciência”, defende Rojo, cuja formação,
digamos, singular, nas duas áreas ajuda a compreender o
seu apaixonado interesse pelo tema. Ele é professor da Oakland
University, em Michigan, autor de obras relacionadas a temas
de física quântica do estado sólido, e, como músico, é autor
de peça sinfônica, tem três discos gravados como solista
e participou como violonista e compositor em discos da cantora
Mercedes Sosa, sua conterrânea.
“A arte, por meio da música, e a ciência
coexistem em minha vida desde a adolescência. Portanto,
do ponto de vista filosófico (não é uma coincidência que meu
pai fosse um filósofo da ciência!) eu sempre fui muito curioso
a respeito da diferença fundamental entre arte e ciência.
Após refletir e pesquisar sobre o assunto, eu me convenci
de que ambas realmente partilham um território comum: a
ciência é também criação e a arte é também descoberta”,
constata Rojo.
O autor confidencia: Borges foi o escritor
que mais o tocou em sua vida. Por isso, mas também por ser,
segundo ele, o poeta mais citado pelos cientistas, ocupa
o centro da obra. Além da concepção dos universos paralelos
que se multiplicam em O jardim... e da possibilidade
da viagem no tempo abordada no conto O outro, Rojo relaciona
outras citações de Borges em textos de física, matemática
e química: menções ao A loteria na Babilônia, no qual o
contista reflete sobre o acaso e o determinismo; referências
ao A biblioteca de Babel, para ilustrar os paradoxos
dos conjuntos infinitos e a geometria fractal; alusões a
Funes, o memorioso, para apresentar sistemas de numeração;
e mesmo a citação de O livro de areia num artigo
sobre a segregação de mistura granulares.
“A estrutura de ficção argumentativa dos
contos de Borges que às vezes parecem teoremas com hipóteses
fantásticas, é capaz de destilar ideias em processo de gestação
que, antes de se converterem em teorias, passam primeiro
pela literatura”, argumenta Rojo. “Em todos esses casos,
trata-se de exemplos metafóricos que dão brilho à prosa
opaca das explicações técnicas. No entanto, uma notável
exceção constitui O jardim dos caminhos que se bifurcam,
onde Borges propôs sem sabê-lo uma solução para um problema
da física quântica ainda não resolvido. E assim como as
ideias de Everett e DeWitt podem ser lidas como ficção científica,
em O Jardim... a ficção pode ser lida como ciência.”
Aristóteles refutado
Para
além do universo borgeano, o físico e músico brinda o leitor
com outros interessantes exemplos do que classifi ca de intersecção
entre ciência e literatura, pinçados ora de um poema de
Edgar Allan Poe, ora de um romance de Carl Sagan, ora do
clássico O mensageiro sideral, livro de 1610 em
que Galileu desfez o mito da Lua como esfera perfeita ao
reproduzir em aquarelas imagens do corpo celeste com montanhas
e crateras que conseguiu observar ao telescópio. Seguem
duas amostras.
Em 1668, Francesco Redi, médico-chefe da
corte dos Médici, publicou os resultados de investigações
com substâncias orgânicas que realizou inspirado em Ilíada
e que se caracterizaram como um descobrimento científi co
inspirado em uma obra literária. No épico de Homero, Thetis,
mãe de Aquiles, cobre o cadáver de Patroclo, amigo de seu
filho, a fim de protegê-lo dos vermes e das moscas que “corrompem
os corpos dos homens mortos em batalha”. Ao conduzir experimentos
similares, o médico concluiu que, de fato, larvas não nasciam
em carne que ficasse inacessível às moscas, protegida por
tela, de forma a impedir que elas pusessem lá seus ovos,
conseguindo refutar de maneira científica a hipótese da abiogênese,
ou geração espontânea, segundo a qual os organismos vivos
poderiam originar-se seguida e espontaneamente de matéria
inanimada, defendida na antiguidade por Aristóteles.
Também existe ciência na Bíblia, prega
Rojo, um agnóstico que interpreta determinadas metáforas
bíblicas como manifestações do conhecimento científico ou
como alusões de algum modo à física. Exemplo seria o seguinte
trecho em Eclesiastes 1:7: “Todos os rios vão ao mar, mas
o mar não transborda. Os rios voltam ao lugar de onde vieram
para correr de novo”. Para Rojo, um mar que não se enche
ante o fluxo constante dos rios sugere uma compreensão do
ciclo da água; a chuva era obviamente conhecida e a evaporação
era algo seguramente observado em vasilhas de água, de modo
que a citação insinuaria que a água evaporada voltaria em
forma de chuva. E há, é claro, o Gênesis. De acordo
com os modelos aceitos hoje, o universo teve um começo,
o assim chamado “Big Bang”. O fato de que houve um começo
– de que o mundo não existiu sempre – é compatível com a
Bíblia, afirma o professor.
Alfinetadas no jargão
No capítulo “A verdade é simples”, Rojo
aproveita para alfinetar colegas acadêmicos que, na comunicação
científica, veneram a complexidade e defendem que o profundo
só pode ser expresso em linguagem acessível a poucos. Rojo
fala com conhecimento de causa: a maioria dos artigos de
Borges e a mecânica quântica foi publicada em uma
coluna periódica de um diário argentino. A experiência de
escrever para um público leigo tornou-se um exercício inusitado
de orientação de sua prosa em direção a uma linguagem mais
acessível e a temas de interesse cotidiano. Expôs ainda
seus pontos de vista simples a respeito de problemas complexos
da ciência no livro Física na vida cotidiana. Para ele,
todo cientista deveria tentar, pelo menos uma vez, escrever
para o público em geral.
Rojo avalia que, para muitos cientistas,
a ciência é mais um trabalho que propriamente uma real vocação,
e o exagero com que muitos defendem a importância do que
fazem tem levado a algumas distorções, em sua opinião.
“Eu acho que a ciência tem sido vítima de
certas técnicas de marketing, como renomear áreas de pesquisa
para que pareçam mais atraentes ou ‘vender’ ideias para
atrair mais financiamento. Mas é preciso ter em mente que
as teorias não são produtos, que há um valor inquestionável
para a ciência, e que as ideias fundamentais são belas,
úteis e acessíveis”, comenta. “É por isso que eu questiono
o uso do jargão e valorizo a honestidade intelectual de
grandes divulgadores da ciência, como Richard Feynman, Martin
Gardner, David Mermin e Alan Lightman, que envidaram esforços
para poder destilar a essência de alguns fenômenos e transmiti-la
ao público.”
A propósito dos que se escondem atrás de
complexidades desnecessárias (“como a turvar as águas para
que pareçam mais profundas”), Rojo recorda-se do quão surpreso
fi cou com a simplicidade de Borges ao se encontrar com o
notável escritor pela primeira vez, em um restaurante, em
1985. Mais desconcertante ainda foi ouvir do poeta a humilde
confissão de sua ignorância em matéria de física, ao indagá-lo
a respeito das várias citações científicas a obras de sua
autoria. Jamais esquecida, a resposta é hoje interpretada
por Rojo como uma metáfora reveladora do que se pode saber
sem saber que se sabe:
“Veja só!”, disse-lhe Borges. “Que curioso,
pois a única coisa que sei de física aprendi com meu pai,
que me ensinou como funcionava o barômetro.” E movendo as
mãos como se desenhasse o aparelho no ar emendou: “Como
são criativos os físicos!".
Serviço
Título: Borges e a mecânica quântica
Autor: Alberto Rojo
Edição: 1ª
Páginas: 144
Preço: R$ 30,00