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O novo vestibular da Unicamp

RENATO HYUDA DE LUNA PEDROSA

A revisão do Vestibular Nacional Unicamp (VNU), aprovada pela Câmara Deliberativa da Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (CD/Comvest), se originou de duas constatações: a) da necessidade de atualização dos programas e estrutura das provas ao modelo de ensino médio que vem se adequando à LDBEN/1996, a partir das propostas estabelecidas nos seguintes documentos: Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN/PCN+ (MEC, 2000/2005), Orientações Curriculares para o Ensino Médio (MEC, 2006) e Proposta Curricular do Estado de São Paulo (SEEd/SP, 2008); b) de que o modelo do vestibular formulado em 1986 havia atingido, no caso da prova de primeira fase, os limites mínimos aceitáveis de consistência classificatória, ponto essencial para que o processo seletivo dos novos estudantes seja considerado legítimo pelas comunidades internas e externas à universidade.

A aprovação dessa revisão culminou um processo que se iniciou em 2005 com a indicação de Sub-Comissão da CD/Comvest para estudar a atualização dos programas e estrutura do vestibular, mandato esse renovado em 2007 e em 2008, durante a gestão do prof. Leandro Tessler, motivado pelos dois pontos mencionado acima.

A Sub-Comissão apresentou a primeira versão da proposta de revisão do VNU à CD/Comvest em dezembro de 20081. Essa proposta foi discutida amplamente na Universidade durante o primeiro semestre de 2009, nas reuniões da CD/Comvest e em visitas a mais da metade das unidades de ensino e pesquisa2. A partir desses debates, de sugestões apresentadas nas sessões da CD/Comvest e de uma proposta de reformulação da prova de redação originada no Instituto de Estudos da Linguagem ( IEL), o projeto tomou sua forma final.

Para apresentar como o novo modelo responde às questões que motivaram sua elaboração, iniciamos recordando como se originou o modelo atual do vestibular da Unicamp. Primeiramente, a formulação original surgiu em contraponto aos modelos então vigentes (1985-87) de vestibulares: provas (majoritariamente) compostas de questões de múltipla escolha que avaliavam, em geral, conteúdos factuais memorizados, obedecendo estritamente à segmentação disciplinar que caracterizava o Ensino Médio da época.

A intenção explícita da proposta do vestibular da Unicamp foi de quebrar esse paradigma, realizar uma avaliação integrada do conhecimento desenvolvido ao longo da Educação Básica, em particular do Ensino Médio, e avançar no sentido de incluir a avaliação de habilidades cognitivas consideradas relevantes para o desempenho acadêmico após o ingresso na universidade.

Esse conceito levou o grupo que elaborou o primeiro vestibular da Unicamp a estabelecer um perfil para os futuros estudantes da universidade. Buscavam-se candidatos que apresentassem capacidade: a) de se expressar com clareza; b) de organizar suas ideias; c) de estabelecer relações; d) de interpretação de dados e de fatos; e) de elaborar hipóteses e, além disso, que demonstrassem domínio dos conteúdos das disciplinas do núcleo comum do ensino médio.

O modelo desenvolvido, na época, para cumprir esses objetivos foi assim estruturado: duas fases de provas; a primeira, uma prova composta de uma redação e questões dissertativas, para avaliar as habilidades fundamentais estabelecidas no perfil acima descrito; a segunda, formada por oito provas de todas as áreas, com questões dissertativas, com o objetivo de avaliar de forma aprofundada os conteúdos das disciplinas do núcleo comum do ensino médio (na forma vigente em 1986).

O modelo de segunda fase então adotado, até hoje vigente, não atendia ao propósito de avaliação integrada do conhecimento, uma vez que as provas, duas em cada dia, não apresentavam nenhuma relação conceitual, impossibilitando que aspectos de interdisciplinaridade e contextualização escapassem à segmentação disciplinar vigente até recentemente no Ensino Médio. Comparado a esse modelo, a nova estrutura das provas de segunda fase busca aprofundar a proposta de avaliação integrada do conhecimento, permitindo que a ideia de interdisciplinaridade colocada originalmente pelo projeto do vestibular da Unicamp possa ser plenamente desenvolvida. Além disso, aproxima o vestibular do modelo atual do Ensino Médio.

Quanto à análise do segundo aspecto motivador para a revisão, a constatação dos limites da prova de primeira fase como instrumento seletivo, é preciso apresentar os números de candidatos e de convocados para a segunda fase do VNU, de 1987 a 2010 (o número de convocados para a segunda fase de 2010 é estimativa).

O número de candidatos inscritos para o vestibular, inicialmente de menos de 14 mil, está hoje acima de 55 mil. E o número de convocados para a segunda fase já ultrapassou o número total de inscritos em 1987 há algum tempo. Esses números, quando especializados para cada curso e utilizados em conjunto com as estimativas de precisão das notas de prova de primeira fase para avaliar a qualidade da seleção para a segunda fase, indicavam a necessidade de se desenvolverem alternativas que contemplassem o aprimoramento da prova como instrumento de seleção, considerando-se algumas restrições logísticas. Entre essas, a prova deveria ter um dia de aplicação e ser corrigida em tempo hábil. (Para uma discussão desses pontos e do que se segue, em mais detalhes, ver o Projeto Executivo da revisão do vestibular, disponível na página internet da Comvest3.)

A Sub-Comissão que elaborou a proposta inicial buscou responder a essas demandas, apresentando a seguinte proposta: a) aumentar o número de questões (para 48 ou 60), que passariam a ser formuladas no formato de múltipla escolha; b) a redação passaria a ter sua nota considerada apenas na segunda fase.

Motivando essa proposta, os seguintes argumentos foram considerados. Com relação ao aumento do número de questões, a proposta: a) permitiria uma melhor cobertura dos tópicos fundamentais de cada disciplina avaliada; b) possibilitaria uma gradação do nível de dificuldade das questões em cada disciplina, para que a prova pudesse cumprir seu papel seletivo para os diversos níveis de demanda que existem no vestibular, dependendo do curso considerado; c) aumentaria a qualidade seletiva da prova, uma vez que, quanto maior o número de questões, em geral, mais capacidade de separar os candidatos tem um exame. Com relação à prova de redação, a proposta partia da constatação de que uma prova composta de apenas um texto a ser produzido não poderia ser aprimorada, em termos de qualidade seletiva, além do que o sistema de correção utilizado pelo vestibular emprega. Essa observação tem origem tanto na análise dos dados do próprio vestibular da Unicamp como em estudos presentes na literatura científica sobre o assunto.

A proposta da Sub-Comissão foi bem recebida pela maioria das unidades da universidade. Alguns pontos, no entanto, foram levantados por ocasião dos debates na CD/Comvest e nas unidades: a) a nota da primeira fase não incluiria a avaliação direta da habilidade e da proficiência em escrita; b) questionou-se a adequação de questões de múltipla escolha para a avaliação de habilidades fundamentais como preconiza a proposta do vestibular da Unicamp; c) surgiram dúvidas sobre o impacto da proposta sobre o sistema educacional pré-universitário.

Iniciando pelo segundo ponto, a coordenação da Comvest coletou e distribuiu aos membros da CD/Comvest vários artigos e trabalhos sobre o tema, já amplamente discutido na literatura especializada. Trouxe, além disso, para um debate, uma especialista em exames e formatos de provas, a profª Glória Lima, da Fundação Carlos Chagas, que fez uma exposição sobre formatos de questões, com posterior debate, na CD/Comvest. Exceto quanto ao aspecto da avaliação direta da escrita, é consenso que tanto questões abertas (dissertativas) quanto questões de múltipla escolha possibilitam a avaliação de todas as habilidades cognitivas fundamentais.

Adiantando ainda essa questão em relação à proposta aprovada, cuja prova de primeira fase passa a contar com questões de múltipla escolha, é importante ressaltar que os objetivos dessa fase não foram alterados: é uma fase preliminar, que busca primeiro avaliar as habilidades cognitivas mais gerais, como está estabelecido no perfil do futuro aluno. Em termos práticos, uma questão de múltipla escolha da primeira fase no novo modelo não será, conceitualmente, diferente das questões dissertativas que vêm, desde a origem do vestibular, compondo essa prova. Continua central, nessa fase, a avaliação das habilidades de leitura, de interpretação, de análise das informações, da capacidade de estabelecer relações. Assim, são mantidos os princípios e características que regem a primeira fase do vestibular desde a sua origem.

Os outros dois pontos, mesmo que seja possível argumentar que a primeira fase é preliminar, portanto nem a avaliação da escrita seria prejudicada, nem o impacto sobre o Ensino Médio seria negativo, são pontos relevantes e as posições antagônicas são contempladas amplamente na literatura especializada sobre avaliações educacionais.

A partir desses debates, a coordenação colocou para a CD/Comvest os limites que alternativas à proposta em discussão deveriam seguir, caso fosse reintroduzida a avaliação direta da escrita para uso na nota da prova de primeira fase: a) satisfazer às restrições logísticas, sendo as principais a duração da prova de primeira fase (um dia, máximo de 5 horas) e da correção, levando em conta as dimensões da banca corretora; b) manter um mínimo de 48 itens para as questões nas diversas áreas; c) apresentar, na parte de avaliação de leitura e escrita, capacidade seletiva suficiente para essa fase do vestibular, quando considerada conjuntamente com a prova de questões.

Estudos indicam que, no caso da avaliação direta de escrita, à medida que aumenta o número de eventos desse tipo de avaliação, ou seja, se uma pessoa tem, em lugar de apenas um texto avaliado numa prova de redação, dois, três ou mais, a qualidade seletiva da prova melhora significativamente, devido à redução da variabilidade da nota associada a diversos fatores4. Além disso, em termos da validade da avaliação de leitura e escrita, a produção de diversos textos, possivelmente de gêneros diversos, é considerada de melhor qualidade do que o caso de um texto, seguindo apenas uma proposta para sua elaboração.

A revisão da prova de redação5, elaborada por uma comissão de especialistas da área, docentes do IEL, foi uma resposta a essas demandas: a prova passaria a ser composta de, no mínimo, três textos (em diferentes gêneros), a serem obrigatoriamente produzidos por todos os candidatos. Com isso, mantendo-se 48 itens de múltipla escolha para os demais tópicos da prova (excluindo-se, por sugestão da proposta do IEL, as questões de Língua Portuguesa), foi possível atender às demandas colocadas pelo Projeto Executivo, mencionadas acima, resultando na proposta substitutiva que foi aprovada pela CD/Comvest em 03/12/2009. As estimativas da qualidade seletiva para essa nova versão da prova de primeira fase indicam melhora significativa em relação ao modelo atual do vestibular e, também, melhora em relação à proposta que ela substituiu. A primeira fase passa, assim, a ser ainda mais apropriada, do ponto de vista de seletividade, para classificar os candidatos para a segunda fase.

Além disso, a CD/Comvest considerou que o outro ponto que havia sido questionado, do possível impacto negativo sobre o Ensino Médio, devido à ausência da utilização da avaliação direta da escrita na primeira fase, não só foi resolvido como, de fato, a nova prova de redação coloca para o sistema de educação básica um desafio: de preparar os jovens para escrever em gêneros diversos, com distintas finalidades, para vários interlocutores, em situações mais próximas do que encontrarão na sua vida futura, na universidade ou além dela.

Analisando o processo envolvido na formulação e aprovação do novo modelo do vestibular da Unicamp, fruto dos trabalhos da Sub-Comissão da CD/Comvest, das discussões na CD e nas unidades, das iniciativas de muitos atores, e os resultados atingidos, a coordenação da Comvest considera que o novo modelo de prova representa um significativo avanço em termos da qualidade seletiva, das características acadêmicas e do impacto sobre a educação básica do vestibular, em relação ao modelo vigente até o VNU 2010. Processo e resultados que são frutos da vitalidade acadêmica demonstrada pela comunidade universitária ao se debruçar, com cuidado e dedicação exemplares, sobre um dos momentos fundamentais da vida acadêmica, quando são selecionados os futuros estudantes de graduação da universidade.


Renato Hyuda de Luna Pedrosa é coordenador executivo da Comvest (PRG) e professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc)

1 - Proposta de Revisão do Vestibular Nacional Unicamp. Leandro R. Tessler, Coordenador Executivo da Comvest - Presidente; Laura Letícia Ramos Rifo, Estatística/IMECC; Vandersi Sant’Ana Castro, Letras/IEL; Rogério Ferreira Fonseca, CENP/SEEd-SP; Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira, convidada/FE; Sérgio Pérsio Ravagnani, Engenharia Química/FEQ; Maria Filomena Ceolim, Enfermagem/FCM; Iara Lis Schiavinatto, Midialogia/IA e Márcia Azevedo de Abreu, representante da Reitoria/IEL. 204ª Reunião Ordinária, 04 de dezembro de 2008, CD/Comvest.

2 - Unidades visitadas: FT (CESET), FCM, FE, FEAGRI, FEEC, FEF, IB, IC, IE, IFCH, IFGW, IMECC, IQ.

3 - Projeto Executivo da Revisão do VNU: http://www.comvest.unicamp.br/

4 - Ver detalhes no texto do Projeto Executivo, já citado.

5 - Proposta para a prova de redação do Vestibular Unicamp. Matilde V. R. Scaramucci, Ruth Lopes e Mário Frungillo. http//www.comvest.unicamp.br

 

 
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