|
Diálogos de Gastão
Obras de artista
plástico e ex-docente do IA são catalogadas por pesquisadora
MARIA
ALICE DA CRUZ
A
trajetória do artista plástico Gastão Manoel Henrique se traduz
numa fonte de conhecimentos para artistas, estudantes, estudiosos
e apreciadores da arte concreta. Com o objetivo de organizar
esta fonte, sua ex-aluna no Instituto de Artes (IA) da Unicamp
Márcia Gregato esgotou o que havia de informações sobre o
artista para produzir a catalogação de sua obra. O trabalho
foi realizado no ateliê do próprio artista, que aos 76 anos,
aposentado do IA, dá início a uma nova fase de produção de
esculturas, na qual troca a madeira – sua matéria-prima preferida
– pelo aço. Segundo Márcia, a decisão de catalogar a obra
do autor em sua tese de doutorado, orientada pelo professor
Marco do Valle, permite um estudo teórico, crítico e histórico
da obra do escultor, além de dar visibilidade a sua produção
artística, cuja trajetória é marcada pela participação nos
eventos Opinião 65 e 66 (1965 e 1966), Nova Objetividade Brasileira
(1967), 7ª Bienal de São Paulo (1963), 9ª Bienal de São Paulo
(1967), V Bienal de Paris (1967), 2ª Bienal de Salvador (1968)
e 42ª Bienal de Veneza (1986).
A
relação com a arte concreta inicia-se na década de 1950, de
acordo com Márcia, quando Gastão começa a criar os primeiros
desenhos, os quais já demonstram o interesse do artista pela
geometria. O fato de viver um período de formação inicial
do artista, na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro,
não o impede de produzir obras importantes com pigmentação
em madeira, objeto de interesse desde a infância. “A tese
também resgata conceitos da infância ao contar a história”,
revela Márcia. Durante a formação, o artista recebe um prêmio
em dinheiro no concurso de cartazes para o Primeiro Festival
Catarinense de Folclore de1958.
Como o valor do prêmio correspondia
ao preço de passagens para a Europa, Gastão deixa a Escola
de Belas Artes e busca aprimoramento artístico em Paris. Lá,
o artista permanece por dois anos, trabalhando numa oficina
de silk-screen, onde foi responsável pelas impressões das
edições de Arp, Wassarely e Herbin e tem a oportunidade de
conviver com jovens artistas franceses na pequena cidade de
Gif-su-Yvette, a 40 minutos de Paris. O tempo é dividido entre
o trabalho no ateliê e visitas a galerias e museus da capital
francesa. Nesse momento, começa então a se interessar pelo
expressionismo abstrato e pelas pinturas de grandes dimensões,
recebendo influências, sobretudo, de alguns artistas como
Rothko, Hartung, Soulages e Kline.
Gastão
pode ser desvendado por suas diferentes fases, e é sobre elas
que Márcia se debruça, principalmente por sua relação com
geometria e desenvolvimento tridimensional no espaço, tema
também de suas exposições. A segunda fase, chamada de intermediária
pela autora, é marcada por relevos. Ele compõe objetos que
não são considerados esculturas, mas tendem a ser chamados
assim. Mas depois desta fase distinta, de acordo com a pesquisadora,
Henrique passa a fazer esculturas de desenvolvimento tridimensional
de fato.
Os objetos conversíveis representam
a terceira fase, mais conhecida do artista, na opinião de
Márcia. A partir de conceitos herdados de amigos como Lygia
Clark, no final da década de 1960, Henrique trabalha com arte
interativa, permitindo a intervenção do observador nos objetos,
em forma de cubos, que compunham a obra. “Esta fase é muito
reconhecida, principalmente pela participação em exposições
importantes”, afirma Márcia.
Mas não se mantém somente na escultura. Na década de 1970,
trabalha com desenhos de cunho político. “Esses desenhos representam
um desabafo do artista em relação àquele contexto político
brasileiro dessa década”. Tratava-se de desenhos expressionistas,
sem vínculo com qualquer movimento político. “Ele mesmo considera
um desabafo, mas na tese eu considero uma fase importante
dentro do contexto que ele desenvolve”, explica.
É
na quinta fase, na década de 1980, que o escultor começa a
trabalhar com relevos e volumes geométricos, originados a
partir de cortes realizados na madeira e com a parceria de
um marceneiro, resultando em peças que sugerem volumes e criam
efeitos virtuais de positivo e negativo, influência recebida
do amigo Sergio Camargo.
A Unicamp é o foco da penúltima
fase, executada em 2005, na qual se refere a projetos desenvolvidos
na década de 1990, período em atuou como docente na Universidade.
Nesse momento de sua carreira, Gastão trabalhou com combinações
de formas geométricas a partir de sólidos básicos como o cilindro,
a esfera, o cone e os prismas, que vão sendo cortados e combinados
gerando suas esculturas, expostas em 2005, no Paço Imperial,
RJ.
A última fase analisada por
Márcia apresenta questões relacionadas a colunas ascendentes,
espirais e figuras geométricas contidas dentro de outras formas.
Sua última exposição, importante na opinião da pesquisadora,
aconteceu em 2007, na Galeria Ana Niemeyer, RJ.
As
obras de Gastão são analisadas a partir de algumas questões
que marcam a introdução da arte abstrata no Brasil dos anos
1950, apontando a Semana de Arte Moderna como marco inicial
da tradição artística brasileira, passando pela intervenção
de Lúcio Costa na Escola Nacional de Belas Artes na década
de1930, bem como a identificação das conceituações teóricas,
estéticas e ideológicas, presentes nas duas vertentes formadoras
do Movimento Modernista no Brasil.
Na opinião de Márcia, o diálogo
com o trabalho de outros artistas e a participação em exposições
individuais e mostras coletivas ajudam a identificar marcas
da tradição modernista e contemporânea na obra e Gastão. O
resgate da infância mostra a importância da figura paterna,
responsável pela iniciação artística dele, apontando para
determinadas chaves interpretativas sobre sua produção.
Reconhecimento
O trabalho, dedicado à análise das diferentes fases da trajetória
de Henrique, é importante tanto para a Unicamp, que tem um
de seus maiores artistas reconhecidos, na opinião de Márcia,
quanto para os estudantes, pela aproximação das formas geométricas
fortemente presentes na obra de Henrique. Como docente, ele
inspirou muitos de seus alunos a desenvolver esculturas geométricas.
“Eu mesma me senti motivada ao desenvolvimento da geometria
do espaço durante todo o tempo em que estive na Universidade,
da graduação ao doutorado. Por isso senti a necessidade de
tornar visível seu trabalho como artista e professor da Unicamp”,
declara Márcia.
Apesar de não ser dedicada
à trajetória da arte concreta, a abordagem reforça os conceitos
do período por meio da história dele, um dos responsáveis
pela manutenção da arte concreta, mesmo na orientação
de artistas contemporâneos que foram seus alunos. “Não
houve pretensão de contar a trajetória da arte concreta,
mas ela está presente na vida de Gastão o tempo todo. Isso
acaba servido de informação”, declara.
O artista mantém seu ateliê
em Amparo, onde continua produzindo bastante, segundo Márcia.
Nesta nova fase, foge da madeira, trabalha com chapas de aço.
“Ele está produzindo esculturas inéditas. Uma delas, instalada
no Parque Linear na cidade de Amparo, é uma releitura da
escultura instalada em frente do prédio da Faculdade de Ciências
Médicas (FCM) na Unicamp.
Gastão
Henrique realizou pesquisas e ministrou ao lado do professor
Marco Antonio Alves do Valle, coordenador da Galeria de Arte
da Unicamp, as disciplinas de escultura e Laboratório de Pesquisas
Escultóricas, que consistiam no estudo, conhecimento e reflexão
sobre a experiência visual tridimensional vivenciada pelos
artistas a partir do início do século 20. Durante sua permanência
na Unicamp, abordou processos, materiais e matérias empregados,
além de promover a reflexão sobre conceitos que apresentam
a técnica não apenas como maneira de fazer, mas também como
maneira de pensar dos principais escultores e movimentos do
século. Integradas às outras disciplinas teóricas e práticas,
as disciplinas de escultura contemplavam ainda a execução,
com oficinas, exercícios de investigação do volume e do espaço,
capazes de possibilitar ao aluno maior intimidade e entendimento
acerca do que foi, do que tem sido e do que é hoje considerado
escultura.
Como escultor, pintor, desenhista,
Gastão Manoel Henrique construiu, ao longo das últimas quatro
décadas, um trabalho de experimentação e procura que aponta
a geometria como componente marcante e quase invariável em
sua produção, primando pelo desejo intuitivo de ordenação
e construção, que é a evolução de uma linguagem que se inicia
com formas geométricas rigorosas, em trabalhos executados
na década de 1960.
|
|