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Diálogos de Gastão

Obras de artista plástico e ex-docente do IA são catalogadas por pesquisadora

MARIA ALICE DA CRUZ

Márcia Gregato, autora da tese de doutorado: “Senti necessidade de tornar  visível o trabalho de Gastão como artista e professor da Unicamp” (Foto: Antoninho Perri) A trajetória do artista plástico Gastão Manoel Henrique se traduz numa fonte de conhecimentos para artistas, estudantes, estudiosos e apreciadores da arte concreta. Com o objetivo de organizar esta fonte, sua ex-aluna no Instituto de Artes (IA) da Unicamp Márcia Gregato esgotou o que havia de informações sobre o artista para produzir a catalogação de sua obra. O trabalho foi realizado no ateliê do próprio artista, que aos 76 anos, aposentado do IA, dá início a uma nova fase de produção de esculturas, na qual troca a madeira – sua matéria-prima preferida – pelo aço. Segundo Márcia, a decisão de catalogar a obra do autor em sua tese de doutorado, orientada pelo professor Marco do Valle, permite um estudo teórico, crítico e histórico da obra do escultor, além de dar visibilidade a sua produção artística, cuja trajetória é marcada pela participação nos eventos Opinião 65 e 66 (1965 e 1966), Nova Objetividade Brasileira (1967), 7ª Bienal de São Paulo (1963), 9ª Bienal de São Paulo (1967), V Bienal de Paris (1967), 2ª Bienal de Salvador (1968) e 42ª Bienal de Veneza (1986).

Gastão artista e professor da Unicamp” (Foto: Antoninho Perri) A relação com a arte concreta inicia-se na década de 1950, de acordo com Márcia, quando Gastão começa a criar os primeiros desenhos, os quais já demonstram o interesse do artista pela geometria. O fato de viver um período de formação inicial do artista, na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, não o impede de produzir obras importantes com pigmentação em madeira, objeto de interesse desde a infância. “A tese também resgata conceitos da infância ao contar a história”, revela Márcia. Durante a formação, o artista recebe um prêmio em dinheiro no concurso de cartazes para o Primeiro Festival Catarinense de Folclore de1958.

Como o valor do prêmio correspondia ao preço de passagens para a Europa, Gastão deixa a Escola de Belas Artes e busca aprimoramento artístico em Paris. Lá, o artista permanece por dois anos, trabalhando numa oficina de silk-screen, onde foi responsável pelas impressões das edições de Arp, Wassarely e Herbin e tem a oportunidade de conviver com jovens artistas franceses na pequena cidade de Gif-su-Yvette, a 40 minutos de Paris. O tempo é dividido entre o trabalho no ateliê e visitas a galerias e museus da capital francesa. Nesse momento, começa então a se interessar pelo expressionismo abstrato e pelas pinturas de grandes dimensões, recebendo influências, sobretudo, de alguns artistas como Rothko, Hartung, Soulages e Kline.

Obras de  Gastão Manoel Henrique: trabalho de experimentação e procura que aponta a geometria como componente marcante (Foto: Reprodução) Gastão pode ser desvendado por suas diferentes fases, e é sobre elas que Márcia se debruça, principalmente por sua relação com geometria e desenvolvimento tridimensional no espaço, tema também de suas exposições. A segunda fase, chamada de intermediária pela autora, é marcada por relevos. Ele compõe objetos que não são considerados esculturas, mas tendem a ser chamados assim. Mas depois desta fase distinta, de acordo com a pesquisadora, Henrique passa a fazer esculturas de desenvolvimento tridimensional de fato.

Os objetos conversíveis representam a terceira fase, mais conhecida do artista, na opinião de Márcia. A partir de conceitos herdados de amigos como Lygia Clark, no final da década de 1960, Henrique trabalha com arte interativa, permitindo a intervenção do observador nos objetos, em forma de cubos, que compunham a obra. “Esta fase é muito reconhecida, principalmente pela participação em exposições importantes”, afirma Márcia.
Mas não se mantém somente na escultura. Na década de 1970, trabalha com desenhos de cunho político. “Esses desenhos representam um desabafo do artista em relação àquele contexto político brasileiro dessa década”. Tratava-se de desenhos expressionistas, sem vínculo com qualquer movimento político. “Ele mesmo considera um desabafo, mas na tese eu considero uma fase importante dentro do contexto que ele desenvolve”, explica.

Obras de  Gastão Manoel Henrique: trabalho de experimentação e procura que aponta a geometria como componente marcante (Foto: Reprodução) É na quinta fase, na década de 1980, que o escultor começa a trabalhar com relevos e volumes geométricos, originados a partir de cortes realizados na madeira e com a parceria de um marceneiro, resultando em peças que sugerem volumes e criam efeitos virtuais de positivo e negativo, influência recebida do amigo Sergio Camargo.

A Unicamp é o foco da penúltima fase, executada em 2005, na qual se refere a projetos desenvolvidos na década de 1990, período em atuou como docente na Universidade. Nesse momento de sua carreira, Gastão trabalhou com combinações de formas geométricas a partir de sólidos básicos como o cilindro, a esfera, o cone e os prismas, que vão sendo cortados e combinados gerando suas esculturas, expostas em 2005, no Paço Imperial, RJ.

A última fase analisada por Márcia apresenta questões relacionadas a colunas ascendentes, espirais e figuras geométricas contidas dentro de outras formas. Sua última exposição, importante na opinião da pesquisadora, aconteceu em 2007, na Galeria Ana Niemeyer, RJ.

Obras de  Gastão Manoel Henrique: trabalho de experimentação e procura que aponta a geometria como componente marcante (Foto: Reprodução) As obras de Gastão são analisadas a partir de algumas questões que marcam a introdução da arte abstrata no Brasil dos anos 1950, apontando a Semana de Arte Moderna como marco inicial da tradição artística brasileira, passando pela intervenção de Lúcio Costa na Escola Nacional de Belas Artes na década de1930, bem como a identificação das conceituações teóricas, estéticas e ideológicas, presentes nas duas vertentes formadoras do Movimento Modernista no Brasil.

Na opinião de Márcia, o diálogo com o trabalho de outros artistas e a participação em exposições individuais e mostras coletivas ajudam a identificar marcas da tradição modernista e contemporânea na obra e Gastão. O resgate da infância mostra a importância da figura paterna, responsável pela iniciação artística dele, apontando para determinadas chaves interpretativas sobre sua produção.

Reconhecimento
O trabalho, dedicado à análise das diferentes fases da trajetória de Henrique, é importante tanto para a Unicamp, que tem um de seus maiores artistas reconhecidos, na opinião de Márcia, quanto para os estudantes, pela aproximação das formas geométricas fortemente presentes na obra de Henrique. Como docente, ele inspirou muitos de seus alunos a desenvolver esculturas geométricas. “Eu mesma me senti motivada ao desenvolvimento da geometria do espaço durante todo o tempo em que estive na Universidade, da graduação ao doutorado. Por isso senti a necessidade de tornar visível seu trabalho como artista e professor da Unicamp”, declara Márcia.

Apesar de não ser dedicada à trajetória da arte concreta, a abordagem reforça os conceitos do período por meio da história dele, um dos responsáveis pela manutenção da arte concreta, mesmo na orientação de artistas contemporâneos que foram seus alunos. “Não houve pretensão de contar a trajetória da arte concreta, mas ela está presente na vida de Gastão o tempo todo. Isso acaba servido de informação”, declara.

O artista mantém seu ateliê em Amparo, onde continua produzindo bastante, segundo Márcia. Nesta nova fase, foge da madeira, trabalha com chapas de aço. “Ele está produzindo esculturas inéditas. Uma delas, instalada no Parque Linear na cidade de Amparo, é uma releitura da escultura instalada em frente do prédio da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) na Unicamp.

Obras de  Gastão Manoel Henrique: trabalho de experimentação e procura que aponta a geometria como componente marcante (Foto: Reprodução) Gastão Henrique realizou pesquisas e ministrou ao lado do professor Marco Antonio Alves do Valle, coordenador da Galeria de Arte da Unicamp, as disciplinas de escultura e Laboratório de Pesquisas Escultóricas, que consistiam no estudo, conhecimento e reflexão sobre a experiência visual tridimensional vivenciada pelos artistas a partir do início do século 20. Durante sua permanência na Unicamp, abordou processos, materiais e matérias empregados, além de promover a reflexão sobre conceitos que apresentam a técnica não apenas como maneira de fazer, mas também como maneira de pensar dos principais escultores e movimentos do século. Integradas às outras disciplinas teóricas e práticas, as disciplinas de escultura contemplavam ainda a execução, com oficinas, exercícios de investigação do volume e do espaço, capazes de possibilitar ao aluno maior intimidade e entendimento acerca do que foi, do que tem sido e do que é hoje considerado escultura.

Como escultor, pintor, desenhista, Gastão Manoel Henrique construiu, ao longo das últimas quatro décadas, um trabalho de experimentação e procura que aponta a geometria como componente marcante e quase invariável em sua produção, primando pelo desejo intuitivo de ordenação e construção, que é a evolução de uma linguagem que se inicia com formas geométricas rigorosas, em trabalhos executados na década de 1960.

 

 
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