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Baixa adesão de gestantes com HIV a
tratamento aumenta transmissão vertical
RAQUEL
DO CARMO SANTOS
A
baixa adesão ao tratamento por parte de gestantes soropositivas
durante o pré-natal ainda consiste em grande obstáculo a ser
vencido pelos profissionais de saúde para se evitar a transmissão
vertical – da mãe para o bebê – do vírus HIV. Em estudo realizado
no Hospital da Mulher-Caism da Unicamp, dos 15 casos de infecção
observados no período de 2000 a 2009, em 13 foram apontados
fatores relacionados à adesão inadequada ao tratamento. “Se
o diagnóstico da infecção pelo HIV for precoce durante a gestação
e forem tomadas as medidas recomendadas pelo Ministério da
Saúde, pode-se reduzir, e muito, as taxas de transmissão”,
destaca a médica infectologista Adriane Delicio.
Seu estudo, desenvolvido na
Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e orientado pela professora
Helaine Maria Besteti Pires Milanez, envolveu 452 gestações
de mulheres soropositivas atendidas no Caism. Os números
mostraram uma proporção de 3,6% de transmissão vertical,
porcentagem considerada relativamente alta, se comparada às
taxas menores de 2% indicadas na literatura internacional.
Por outro lado, se a base
comparativa forem os índices observados no início da década
de 1990, as conclusões são bem diferentes. “Se olharmos
para o passado, quando as taxas eram altíssimas, na proporção
de 30% a 35%, percebemos que a redução foi bastante drástica.
Em 1997, quando se introduziu o esquema ACTG 076 completo,
que consiste no uso de AZT durante a gestação, no parto
e no recém-nascido, os índices caíram para 2,2%”, destaca.
A questão, segundo a infectologista,
é que os cuidados devem ser seguidos à risca, o que frequentemente
não ocorre. Durante a gravidez, é necessário que as mulheres
façam uso de terapia antirretroviral potente, uma combinação
de três drogas, iniciada entre 14 e 28 semanas de gestação.
Ainda como recomendado desde o protocolo ACTG 076 de 1994,
a gestante deve receber AZT endovenoso três horas antes da
cesárea ou a partir do início do trabalho de parto. “Ainda
existem mães que abandonam o tratamento e não tomam o remédio
de forma regrada, e isto faz com que o risco aumente”, explica
a médica, que testemunha muitos exemplos na prática em suas
atividades no Centro de Referência DST/Aids de Campinas.
A cesárea, nestes casos,
esclarece Adriane, é o procedimento mais adequado a ser adotado.
Isto porque as contrações uterinas e o contato com secreção
e sangue maternos durante o parto elevam o risco de contaminação.
O período representa o de maior risco para transmissão vertical
do HIV, atingindo taxa de até 80%. No entanto, no Brasil
este procedimento ainda não é consensual entre os médicos.
Em geral, é realizado essencialmente quando a carga viral
no sangue encontra-se acima de mil cópias/ml.
Outra recomendação fundamental
é a suspensão da amamentação, pois este período pode
representar risco de até 40% para a transmissão. “A criança
deve ser alimentada com a fórmula infantil oferecida gratuitamente
pelo Governo Federal para as mães portadoras de HIV. Mas,
ainda existem mulheres que amamentam, desprezando o risco
que o bebê está correndo”, explica Adriane, lembrando
a importância dos cuidados mesmo após o nascimento em que
a criança deve receber xarope de AZT durante 42 dias de vida
e ser encaminhada para o Ambulatório de Pediatria para prosseguir
no tratamento.
Se apenas uma das medidas
não for incorporada desde o pré-natal, os riscos aumentam
sensivelmente. Por isso, a importância de seguir cada uma
das etapas de forma consciente. Além disso, ao se avaliar
a maioria dos casos de transmissão, demonstrou-se que as mães
apresentavam CD4 – célula de defesa do organismo que consiste
no principal alvo de destruição pelo vírus HIV – inferior
a 350 células/mm3. A doença avançada materna e o CD4 baixo
são fatores associados à maior transmissão já há muito conhecidos
na literatura, assim com as infecções do tipo da toxoplasmose,
hepatite C, entre outras. “Em casos avaliados, as pacientes
tiveram rompimento da bolsa antes do período determinado e
trabalho de parto prolongado, fatores que também levam a maior
risco de transmissão”, esclarece.
Adriane lembra que a maioria
dos bebês com Aids dificilmente sobrevive aos primeiros dois
anos de vida. É importante salientar que os indicadores epidemiológicos
mostram a mudança no padrão da transmissão do HIV a partir
da década de 1980, quando predominavam os denominados grupos
de risco, como usuários de drogas injetáveis, homens que faziam
sexo com homens e hemofílicos. “Ao longo dos anos, observou-se
aumento de casos associados à categoria de exposição heterossexual
e, consequentemente, uma proporção cada vez maior de mulheres
infectadas. A taxa atual global é de 50% de mulheres vivendo
com HIV/Aids, sendo que aproximadamente 85% delas estão em
idade reprodutiva. Ou seja, há um potencial significativo
de transmissão vertical”, argumenta a médica.
As gestantes soropositivas
que fizeram parte do estudo possuíam, em média, 27 anos, sendo
70% da cor branca. A maioria, 77%, possuía parceiro fixo e
a principal categoria de exposição foi a sexual. Apenas 22%
apresentaram gestação planejada. Mais da metade, 55%, já apresentava
o diagnóstico prévio à gravidez, sendo que 62% não faziam
uso de medicamento específico antes de engravidar.
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