A
EVOLUÇÃO DO PARADIGMA
Nos
últimos quarenta anos a pesquisa científica
em nosso país deu um salto significativo.
Vários foram os fatores e atores que contribuíram
para isso. Entretanto, não resta a menor
dúvida de que parte de tal avanço
deva ser creditada à consolidação
da política de pós-graduação
implantada nos anos sessenta nas principais universidades
brasileiras.
Para
que se tenha uma idéia deste avanço,
sem necessidade do uso abusivo de dados estatísticos,
que estão disponíveis nas agências
financiadoras estaduais e federais, procuraremos
marcar essa evolução, valendo-nos
do tipo de pergunta feita nos diferentes momentos
até os dias atuais.
Na
década de sessenta, um professor de uma universidade
pública deparava-se com a seguinte pergunta:
Você faz pesquisa?. Uma simples
resposta, positiva ou negativa, deixaria seu interlocutor,
de certa forma, satisfeito. Em caso positivo, conferiria
ao professor interrogado um status diferenciado.
Nos
anos setenta, a pergunta mudou seu enfoque: Você
tem publicado papers?. Naquela
década, o status diferenciado advinha da
existência de publicações e,
é claro, para aquelas feitas em inglês
(mesmo que em periódico nacional), o diferencial
positivo seria ainda bem maior.
Os
anos oitenta já traziam a questão
com alguma especificidade: Com qual temática
você está trabalhando? Trata-se de
pesquisa básica ou aplicada?. Nessa
década, a segunda questão estava no
bojo das discussões, levando a debates intermináveis
em todos os fóruns em que fosse colocada.
Foi um período em que as agências de
financiamento, principalmente as federais, começaram
a introduzir mecanismos indutores. Cabe destacar,
dentre eles, o PADCT, que teve enorme impacto sobre
as áreas de química, física,
materiais e biotecnologia.
Várias
perguntas, algumas vezes até mesmo aparentemente
antagônicas, marcaram os anos noventa. Começou
com: Quantos trabalhos você já
publicou?. Rapidamente passou para: Quantos
trabalhos você publicou este ano?. E,
com velocidade ainda maior, começou-se a
indagar: Qual o fator de impacto das revistas
nas quais você publica?, deslanchando
daí para: Objetivamente, sua pesquisa
serve para quê? Você tem alguma interação
com o setor produtivo?.
Destaque-se que todas essas perguntas, bem ou mal,
tiveram que ser respondidas dentro de um cenário
caracterizado pela descontinuidade nos financiamentos
para a pesquisa mormente pelas agências
federais (Finep e CNPq) por ataques veementes
à imagem da universidade pública e
por uma vertiginosa substituição de
quadros, motivada pela corrida às aposentadorias.
Não obstante, o mais surpreendente é
que, superando todas essas dificuldades, a produção
científica aumentou, crescendo de modo significativo.
Na década de noventa, praticamente dobramos
nossa produção em relação
à de oitenta, ultrapassando 1% da geração
da ciência mundial, medida pela quantidade
de publicações indexadas.
Os
anos 2000 têm sido marcados por rápidas
mudanças no cenário do financiamento
à pesquisa no país. Existem sinais
positivos de recuperação do financiamento
federal, via editais universais e indutores, sobretudo
em conseqüência do programa de Fundos
Setoriais e Não-Setoriais e pela criação
de redes, tais como os Institutos do Milênio.
Entretanto, a maioria destes novos mecanismos aponta
para uma ênfase em grandes projetos, com investimento
de somas vultosas de recursos em um número
reduzido de grupos de pesquisa. Cabe analisar criticamente
esta mudança no modo de financiamento à
pesquisa, principalmente em função
do relativo abandono a que estão sendo relegados
os mecanismos tradicionais de financiamento de projetos
de pequena monta. O chamado balcão
permitiu avanços importantes e viabilizou
a consolidação dos chamados grupos
de excelência, que hoje se privilegiam com
os novos programas das agências.
Este
cenário coloca-nos frente a uma situação
nova que traz, implicitamente, outras perguntas.
Parece que estamos diante de uma mudança
de paradigma. Na hipótese otimista, estaríamos
finalmente deixando, paulatinamente, de fazer uma
ciência majoritariamente reflexa em favor
de uma ciência com maior autonomia, relevância,
liderança local e, sobretudo, com implicações
conseqüentes para o desenvolvimento científico,
tecnológico, social e cultural de nosso estado
e do país.
Admitindo-se
tal cenário, a organização
da pesquisa científica certamente deverá
sofrer mudanças, havendo a necessidade de
uma nova percepção da importância
da pesquisa científica e tecnológica,
que certamente não se resume a uma mera questão
de financiamento, ainda que ninguém ouse
negar que tenha forte dependência do mesmo.
Acreditamos que a dimensão estratégica
será decisiva nesta nova fase. Daí
termos que trabalhar com uma antevisão de
um desenvolvimento verdadeiramente sustentável
e não divorciado da realidade de nossa sociedade
como um todo.
|