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PUBLICAR OU NÃO PUBLICAR

Tem sido recorrente na comunidade universitária brasileira o debate sobre a importância –ou não – das publicações científicas stricto sensu. Cada vez que a questão da avaliação da pesquisa é abordada, o debate ressurge acalorado. De um lado, há os que defendem que a única forma de avaliar o trabalho científico é através de publicações em periódicos com conselho editorial, critérios de avaliação por pares rigorosos, indexados nas melhores bases de dados, de circulação internacional e com índices de impacto significativos. De outro, há os que apontam especificidades de suas áreas de pesquisa, suposta incompatibilidade entre a relevância para a sociedade e a possibilidade de gerar publicações, uma possível desvalorização das atividades de ensino e extensão, a importância da produção tecnológica – cujo sigilo impediria a publicação – e outros argumentos para relativizar ou mesmo desacreditar completamente a avaliação por publicações e seu impacto na forma de citações.

Ao invés de enumerar argumentos contra e a favor de uma das duas teses, cabe refletir sobre o mérito de tal debate. Para analisar este ponto, cabe refletir sobre a gênese das publicações científicas. Periódicos científicos surgiram a partir das cartas trocadas por pesquisadores e certamente foram eles que permitiram o notável desenvolvimento científico verificado nos últimos séculos, desde que as “Philosophical Transactions” da “Royal Society” e o “Journal de Scavans” começaram a ser publicados em 1665. A revolução da Internet talvez torne os periódicos em papel anacrônicos em pouco tempo, substituindo-os por periódicos eletrônicos, que permitem trazer não apenas textos, como também imagens e sons, e por sítios eletrônicos, onde os grupos de pesquisa podem expor em tempo real os resultados de suas pesquisas; mas a publicação como forma de troca de informação entre cientistas avalizada pelos pares certamente continuará a ser um fundamento, juntamente com a ética, da nossa atividade.

Chega a ser espantoso que alguém use o argumento da inexistência de periódicos em sua área como pretexto para não publicar quando, já em 1996, o “Ulrich’s International Periodicals Directory” listava a existência de 165.000 periódicos científicos, número que certamente só aumentou desde então. Não há como ser “autista” em ciência ou na busca do conhecimento em geral. Isto certamente vale também para as técnicas de ensino e ainda mais para a tecnologia. Se existe uma nova área de pesquisa com alguma relevância que ainda não esteja sendo divulgada em periódicos, faz parte da missão do pesquisador encontrar os periódicos que se interessem em incorporá-la às suas áreas de interesse ou mesmo criar novos periódicos, onde estas pesquisas possam ser discutidas pela comunidade científica que a ela se dedica. Tais periódicos devem, evidentemente, buscar atingir outros pesquisadores atuando na área e não apenas satisfazer o ego de quem publica e gerar linhas em currículos e números em relatórios.

Por outro lado, cabe lembrar que existe a possibilidade de publicar livros científicos. Diferentemente dos livros didáticos, cujo valor está na forma de apresentação de temas conhecidos e no aspecto comercial, os livros científicos talvez sejam a forma mais nobre de publicação. Também neste caso, é necessário avaliar o corpo editorial, a seriedade da editora e o impacto que o livro científico tem. O simples fato de publicar um livro não tem um mérito garantido a priori, uma vez que existem até editoras que sobrevivem dos pagamentos que fazem autores vaidosos para publicar suas obras.

As publicações são particularmente importantes no início da carreira, para que o pesquisador se exponha e exponha seu trabalho à comunidade científica de sua área. Esta interação traz possibilidades de intercâmbio absolutamente essenciais à atividade de pesquisa. Com o passar do tempo, uma maneira de avaliar o impacto do trabalho científico de um pesquisador ou de um grupo de pesquisa consiste em medir as conseqüências de suas publicações (e por isso é necessário que haja publicações) em termos de convites para coordenar sessões técnicas e ministrar palestras em eventos científicos importantes, convites para ser professor ou pesquisador visitante (pago por quem convida, não com bolsas do governo brasileiro) de universidades e institutos de pesquisa de prestígio, convites para integrar conselhos científicos e editoriais de eventos e de periódicos, convites para árbitro de agências de fomento do país e do exterior e prêmios acadêmicos outorgados por sociedades científicas e outras instituições (excluídos os de cunho político).

Ainda que menor que o de outras áreas, o número de periódicos nas áreas tecnológicas é expressivo. Um levantamento recente feito entre periódicos eletrônicos1 aponta que 8% do total eram de periódicos em tecnologia, contra 37,3% em ciências sociais, 20,8% em ciências da vida, 16,7% em artes e humanidades, 16,2% em ciências exatas e 1% em áreas não definidas. Aliás, a própria distinção entre pesquisa básica e aplicada vem perdendo nitidez. A distinção pode estar hoje mais na intenção original da pesquisa que em seus resultados, uma vez que a distância entre pesquisa de ponta e aplicação tecnológica vem diminuindo muito rapidamente. Se é verdade que alguns resultados da pesquisa tecnológica são sigilosos devido aos interesses econômicos imediatos envolvidos, é difícil imaginar uma pesquisa tecnológica relevante que não seja publicável parcialmente, com a devida filtragem das informações sensíveis. Esta é uma prática corrente e que explica o crescente número de periódicos de cunho tecnológico.

Em última instância, uma instituição é avaliada pelos produtos que gera e pelas funções que desempenha na sociedade. Da universidade espera-se, sobretudo, que forme profissionais e pesquisadores bem preparados e com sólidos valores éticos e de cidadania e que gere conhecimento – ciência, tecnologia, humanidades e artes – voltado à solução de problemas relevantes para a humanidade e para a sociedade que a financia. A competência dos grupos de pesquisa e dos pesquisadores individualmente só pode ser avaliada pelos seus pares. Os aspectos ligados ao ensino e atividades de extensão são avaliados diretamente pela sociedade, que forma seu julgamento a partir do desempenho dos profissionais que a universidade forma e da qualidade dos serviços que ela presta.


 
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