UM
PAÍS COM CIÊNCIA OU APENAS
UM PAÍS COM CIENTISTAS?
Através
do avanço das fronteiras do conhecimento
humano, a ciência proporciona aos povos que
participam de fato de seu desenvolvimento uma melhor
qualidade de vida. Isto é conseguido através
da libertação do homem em relação
às necessidades básicas de sobrevivência
e da conseqüente sofisticação
da atividade humana nos seus aspectos sociais, econômicos,
culturais e artísticos. Em última
instância, fazer ciência é viver
na plenitude a aventura do homem sobre a terra.
Os povos que não participam do desenvolvimento
científico estão, em grande medida,
alijados dos avanços nos padrões de
qualidade de vida e são economicamente subalternos
em relação aos povos que lideram os
avanços do conhecimento. Reverter esta situação
não é tarefa fácil, já
que criar uma cultura científica exige grandes
investimentos em educação e cultura,
o que é dificultado pelas carências
advindas da dificuldade que estas sociedades têm
em criar riquezas sem o insumo principal para isso,
que é o conhecimento. Encontrar maneiras
de quebrar este círculo vicioso é
o grande desafio das sociedades dos países
em desenvolvimento como o nosso.
Numa
aproximação muito grosseira, mas ilustrativa,
poderíamos dizer que o mundo está
hoje dividido em duas partes. Por um lado, existe
o mundo tecnologicamente avançado, cuja característica
principal é o alto padrão de domínio
da ciência e da inovação tecnológica;
por outro lado, o terceiro mundo, que não
possui o domínio da ciência e da tecnologia.
Em outras palavras, um primeiro mundo que pensa
cientificamente, cria, inventa, produz, descobre,
empresta ou sonega sua tecnologia, e um terceiro
que viaja, se comunica, se diverte, trata a saúde
e morre, utilizando-se das roupas, veículos,
telefones, Internet, televisão, esportes,
medicamentos e armas que inventa o primeiro.
Através
dos meios de comunicação, o terceiro
mundo só percebe a ciência nos seus
aspectos mais externos: manchetes de jornal, celebrações,
premiações, recepções,
discurso de autoridades e congressos científicos
que reúnem a fina flor da inteligência.
Nesse contexto, a ciência aparece como a ferramenta
miraculosa para tirar o país do atraso, da
miséria e da desesperança. O político
e os tomadores de decisão em geral compartilham
esta visão e concluem que bastaria financiar
algumas centenas, ou milhares de pesquisadores para
pegar o bonde do progresso, da abundância
e da felicidade. Quantas vezes não escutamos,
a cada descoberta importante no primeiro mundo,
a famosa frase: o Brasil não pode perder
o bonde de... (o que quer que seja). Infelizmente,
o bonde nunca é alcançado, ou quase
nunca.
Esta
visão ingênua, que considera a ciência
patrimônio de um seleto grupo de cidadãos,
dos quais cabe esperar o milagre e o fim da miséria,
encobre um erro de perspectiva fundamental. Um país
não faz ciência apenas aplicando quantidades
variáveis de dinheiro em cientistas e laboratórios.
Estes investimentos são necessários,
mas não são suficientes. Se bem sucedidos,
eles geram bons pesquisadores, componente indispensável
para a expansão das fronteiras do conhecimento.
No entanto, a experiência dos últimos
séculos mostra que, para um país ter
ciência, é necessário que sua
sociedade possua uma visão do mundo norteada
pela certeza de que a ciência, assim como
o produto da ciência, é a verdadeira
geradora de bem estar e progresso.
Não
pretendemos aqui afirmar que esta visão deva
ser necessariamente a visão de cada um dos
cidadãos, mas certamente deve ser a visão
daqueles que decidem os rumos do acontecer nacional:
dirigentes políticos, empresariais e sindicais;
forças armadas, organizações
públicas ou privadas de produtores e consumidores
e, sobretudo, daqueles que, em todos os níveis,
planejam e implementam o sistema educativo.
A
outra visão da ciência, a que faz da
ciência uma parte do marketing político,
é apenas ciência para inglês
ver. Esta intrigante expressão, que
tem origem na época da escravatura, é
muito conveniente para adjetivarmos uma parte da
pesquisa feita no nosso país. Nela, a simples
aquisição de equipamentos científicos
sofisticados é considerada uma conquista
científica em si mesma. Tais equipamentos
são algumas vezes exibidos a visitantes como
se fossem resultados significativos da pesquisa,
e não apenas ferramentas de trabalho. Por
trás desta visão, está a crença
de que a ciência é feita por sofisticados
aparatos e não por homens, e que basta equipar
modernamente um laboratório para que comecem
a surgir resultados de pesquisa. A experiência
mostra, no entanto, que o componente fundamental
do acontecer científico é sempre o
recurso humano.
Para
conseguir um país com ciência, a educação
universal, obrigatória e de qualidade é
peça fundamental para que a população
acredite que o bem estar da sociedade depende da
busca constante pela apropriação do
saber. Uma população integrada na
moderna sociedade da informação exige
uma massa crítica de pesquisadores recrutados
num universo abrangente da população
com acesso à educação superior
e um sistema produtivo comprometido com o progresso.
Portanto, a existência de ciência num
país depende mais da visão do mundo
que a sua sociedade tem do que da fração
do PIB aplicada na compra de telescópios,
espectrômetros, computadores e outros equipamentos
necessários à pesquisa. Esta visão
faria, por exemplo, com que câmaras empresariais
e sindicatos saíssem na defesa imediata de
escolas, colégios e universidades, cada vez
que o poder central os sufoca economicamente ou
de alguma outra forma. Elas também fariam
ouvir a sua voz para impedir que educadores e professores
construíssem sistemas de privilégios
corporativos.
Ter
uma sociedade com cultura científica capaz
de gerar conhecimento original não é
o mesmo que ter alguns poucos grandes cientistas.
Com recursos expressivos aplicados de forma continuada
e um programa de formação de pesquisadores
no exterior, um país pode gerar, em pouco
tempo, grupos de pesquisa altamente qualificados
com alguns pesquisadores de nível internacional
capazes de obter importantes prêmios acadêmicos.
Entretanto, tais grupos estarão inteiramente
desvinculados da realidade social do país
e terão poucas chances de fertilizar, com
suas descobertas, o sistema industrial e de serviços
e gerar emprego e renda. Temos hoje, no mundo, vários
países nestas condições, países
cujos cientistas receberam até prêmios
Nobel, mas cuja população continua
a viver majoritariamente na miséria e na
ignorância.
O
grande desafio para a nossa sociedade é promover
o crescimento econômico e a redução
da desigualdade social, não havendo dúvida
de que o aumento do nível de escolaridade
geral da população é parte
essencial deste processo. Mais escolaridade de qualidade
e a conseqüente integração de
uma maior parcela de nossa população
ao esforço do país em ciência
e tecnologia é condição básica
para a participação de todos os brasileiros
em uma economia moderna, em uma sociedade verdadeiramente
democrática.
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