Unicamp Hoje - O seu canal da Noticia
navegação


- A evolução de
..um paradigma

- Um país com ciência

- Ciência e inovação

- Qualidade e
..relevância

- Publicar ou
..não publicar

- Recrutando
..docentes

- "Custo Brasil"

- Considerações
.. finais

UM PAÍS COM CIÊNCIA OU APENAS
UM PAÍS COM CIENTISTAS?

Através do avanço das fronteiras do conhecimento humano, a ciência proporciona aos povos que participam de fato de seu desenvolvimento uma melhor qualidade de vida. Isto é conseguido através da libertação do homem em relação às necessidades básicas de sobrevivência e da conseqüente sofisticação da atividade humana nos seus aspectos sociais, econômicos, culturais e artísticos. Em última instância, fazer ciência é viver na plenitude a aventura do homem sobre a terra. Os povos que não participam do desenvolvimento científico estão, em grande medida, alijados dos avanços nos padrões de qualidade de vida e são economicamente subalternos em relação aos povos que lideram os avanços do conhecimento. Reverter esta situação não é tarefa fácil, já que criar uma cultura científica exige grandes investimentos em educação e cultura, o que é dificultado pelas carências advindas da dificuldade que estas sociedades têm em criar riquezas sem o insumo principal para isso, que é o conhecimento. Encontrar maneiras de quebrar este círculo vicioso é o grande desafio das sociedades dos países em desenvolvimento como o nosso.

Numa aproximação muito grosseira, mas ilustrativa, poderíamos dizer que o mundo está hoje dividido em duas partes. Por um lado, existe o mundo tecnologicamente avançado, cuja característica principal é o alto padrão de domínio da ciência e da inovação tecnológica; por outro lado, o terceiro mundo, que não possui o domínio da ciência e da tecnologia. Em outras palavras, um primeiro mundo que pensa cientificamente, cria, inventa, produz, descobre, empresta ou sonega sua tecnologia, e um terceiro que viaja, se comunica, se diverte, trata a saúde e morre, utilizando-se das roupas, veículos, telefones, Internet, televisão, esportes, medicamentos e armas que inventa o primeiro.

Através dos meios de comunicação, o terceiro mundo só percebe a ciência nos seus aspectos mais externos: manchetes de jornal, celebrações, premiações, recepções, discurso de autoridades e congressos científicos que reúnem a fina flor da inteligência. Nesse contexto, a ciência aparece como a ferramenta miraculosa para tirar o país do atraso, da miséria e da desesperança. O político e os tomadores de decisão em geral compartilham esta visão e concluem que bastaria financiar algumas centenas, ou milhares de pesquisadores para “pegar o bonde” do progresso, da abundância e da felicidade. Quantas vezes não escutamos, a cada descoberta importante no primeiro mundo, a famosa frase: “o Brasil não pode perder o bonde de... (o que quer que seja)”. Infelizmente, o bonde nunca é alcançado, ou quase nunca.

Esta visão ingênua, que considera a ciência patrimônio de um seleto grupo de cidadãos, dos quais cabe esperar o milagre e o fim da miséria, encobre um erro de perspectiva fundamental. Um país não faz ciência apenas aplicando quantidades variáveis de dinheiro em cientistas e laboratórios. Estes investimentos são necessários, mas não são suficientes. Se bem sucedidos, eles geram bons pesquisadores, componente indispensável para a expansão das fronteiras do conhecimento. No entanto, a experiência dos últimos séculos mostra que, para um país ter ciência, é necessário que sua sociedade possua uma visão do mundo norteada pela certeza de que a ciência, assim como o produto da ciência, é a verdadeira geradora de bem estar e progresso.

Não pretendemos aqui afirmar que esta visão deva ser necessariamente a visão de cada um dos cidadãos, mas certamente deve ser a visão daqueles que decidem os rumos do acontecer nacional: dirigentes políticos, empresariais e sindicais; forças armadas, organizações públicas ou privadas de produtores e consumidores e, sobretudo, daqueles que, em todos os níveis, planejam e implementam o sistema educativo.

A outra visão da ciência, a que faz da ciência uma parte do marketing político, é apenas “ciência para inglês ver”. Esta intrigante expressão, que tem origem na época da escravatura, é muito conveniente para adjetivarmos uma parte da pesquisa feita no nosso país. Nela, a simples aquisição de equipamentos científicos sofisticados é considerada uma conquista científica em si mesma. Tais equipamentos são algumas vezes exibidos a visitantes como se fossem resultados significativos da pesquisa, e não apenas ferramentas de trabalho. Por trás desta visão, está a crença de que a ciência é feita por sofisticados aparatos e não por homens, e que basta equipar modernamente um laboratório para que comecem a surgir resultados de pesquisa. A experiência mostra, no entanto, que o componente fundamental do acontecer científico é sempre o recurso humano.

Para conseguir um país com ciência, a educação universal, obrigatória e de qualidade é peça fundamental para que a população acredite que o bem estar da sociedade depende da busca constante pela apropriação do saber. Uma população integrada na moderna sociedade da informação exige uma massa crítica de pesquisadores recrutados num universo abrangente da população com acesso à educação superior e um sistema produtivo comprometido com o progresso. Portanto, a existência de ciência num país depende mais da visão do mundo que a sua sociedade tem do que da fração do PIB aplicada na compra de telescópios, espectrômetros, computadores e outros equipamentos necessários à pesquisa. Esta visão faria, por exemplo, com que câmaras empresariais e sindicatos saíssem na defesa imediata de escolas, colégios e universidades, cada vez que o poder central os sufoca economicamente ou de alguma outra forma. Elas também fariam ouvir a sua voz para impedir que educadores e professores construíssem sistemas de privilégios corporativos.

Ter uma sociedade com cultura científica capaz de gerar conhecimento original não é o mesmo que ter alguns poucos grandes cientistas. Com recursos expressivos aplicados de forma continuada e um programa de formação de pesquisadores no exterior, um país pode gerar, em pouco tempo, grupos de pesquisa altamente qualificados com alguns pesquisadores de nível internacional capazes de obter importantes prêmios acadêmicos. Entretanto, tais grupos estarão inteiramente desvinculados da realidade social do país e terão poucas chances de fertilizar, com suas descobertas, o sistema industrial e de serviços e gerar emprego e renda. Temos hoje, no mundo, vários países nestas condições, países cujos cientistas receberam até prêmios Nobel, mas cuja população continua a viver majoritariamente na miséria e na ignorância.

O grande desafio para a nossa sociedade é promover o crescimento econômico e a redução da desigualdade social, não havendo dúvida de que o aumento do nível de escolaridade geral da população é parte essencial deste processo. Mais escolaridade de qualidade e a conseqüente integração de uma maior parcela de nossa população ao esforço do país em ciência e tecnologia é condição básica para a participação de todos os brasileiros em uma economia moderna, em uma sociedade verdadeiramente democrática.


 
© 1994-2002 Universidade Estadual de Campinas
Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP
E-mail: iimprensa@obelix.unicamp.br