De acordo com a pesquisadora, o governo Vargas conduziu com mãos de ferro as políticas imigratórias do período, notadamente marcadas pelo sentimento nacionalista. Poucos meses depois de assumir o poder, em 1930, o presidente baixou decreto limitando a entrada de estrangeiros no Brasil. O mesmo decreto estabeleceu, ainda, que no mínimo dois terços dos postos de trabalho das empresas instaladas no país fossem preenchidos por brasileiros. “A medida foi direcionada principalmente aos trabalhadores urbanos”, afirma Endrica, que foi orientada pelo professor Michael McDonald Hall e contou com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Com a convocação da Assembléia Constituinte, em 1933, a perseguição aos imigrantes intensificou-se. Vários debates travados pelos deputados, conforme a historiadora, eram claramente escorados em teorias nacionalistas e eugenistas. Na época, a preocupação das autoridades brasileiras recaía com mais força sobre os japoneses. Receava-se que a colônia instalada no país pudesse atuar como uma espécie de braço avançado do Japão, país que tinha aspirações imperialistas e acabara de invadir a Manchúria. Como reflexo desse temor, em 1934 foi aprovada a lei de cotas, que mais uma vez impunha limites ao ingresso de estrangeiros em terras brasileiras. Pela nova legislação, apenas o equivalente a 2% do fluxo de entrada de cada nacionalidade nos 50 anos anteriores seria autorizado a fixar residência por aqui. “Embora a lei aparentasse ter um caráter abrangente, ela foi formulada para atingir mais diretamente os japoneses, visto que os primeiros representantes desse grupo chegaram ao Brasil somente em 1908”, explica Endrica.
Esse aspecto, considera a historiadora, constituí evidência de que a questão racial não foi a única motivadora das políticas de imigração e de controle de estrangeiros executadas no período, a despeito de também ter exercido influência sobre estas. Outro dado que corrobora para a hipótese defendida pela autora da tese é o fato de a legislação imigratória brasileira ter sido inspirada na experiência norte-americana e não na alemã, como muitos estudos afirmam. Esta última, como se sabe, era fortemente marcada pelo caráter anti-semita. “No Brasil também havia o anti-semitismo, mas ele não foi tão intenso”, considera. No Estado Novo, que tem início em 1937 e se estende até o final da primeira gestão Vargas, o governo volta à carga com a implantação de uma política de nacionalização que alcançava pronunciadamente as colônias estrangeiras pertencentes aos países do Eixo, a saber: Itália, Alemanha e Japão.
Temia-se o tipo de relação travada entre esses imigrantes e seus países de origem, principalmente por conta de questões relacionadas à Segunda Guerra Mundial, iniciada em 1939. Assim, por determinação do governo, foram implementadas medidas que restringiam a imprensa e o ensino em língua estrangeira, assim como várias associações mantidas pelos imigrantes. “Como vários núcleos estrangeiros tinham uma grande independência cultural, as autoridades queriam reduzir essa autonomia impondo a língua nacional”, esclarece Endrica, que investigou correspondências oficiais, decretos, leis, publicações médicas eugenistas e os debates constantes nas atas da Constituinte, entre outros documentos. Ainda no Estado Novo, conforme a historiadora, foi criado o Conselho de Imigração e Colonização, que tinha entre suas atribuições a visita aos núcleos estrangeiros para verificar se as determinações estavam sendo cumpridas.
Os membros do Conselho, segundo Endrica, observaram que os imigrantes reabriam suas escolas em outros locais para tentar driblar as proibições. Japoneses e alemães, aos olhos desses fiscais do governo Vargas, consideravam-se superiores e evitavam se misturar com a população mestiça nacional. “Assim, o racismo parecia pertencer aos imigrantes somente”. Dentre as medidas adotadas nesse contexto de nacionalização, incluiu-se até mesmo a troca de nomes estrangeiros que designavam ruas e logradouros por denominações brasileiras. Além disso, foi criada lei que autorizava a demissão sumária de estrangeiros que fossem considerados uma ameaça à segurança nacional. No lugar deles deveriam ser colocados brasileiros, obrigatoriamente.
Resistência Esse conjunto de ações, destaca Endrica, foi objeto de polêmica. Embora o discurso governamental tenha influenciado diversos grupos sociais, alguns segmentos mostraram-se contrários às formas de discriminação em vigor. Tal posição foi defendida publicamente em algumas ocasiões. Como não poderia deixar de ser, a resistência à perseguição contra os estrangeiros gerou conflitos. Naquele período, ocorreram perseguições e prisões de imigrantes. Em alguns lugares, como em Santa Catarina, a repressão foi particularmente violenta. A autora da tese, que teve o apoio do Centro de Estudos de Migrações Internacionais (Cemi), reafirma que as políticas restritivas adotadas pelo governo Vargas tiveram um caráter anti-semita, mas entende que este não esteve ligado exclusivamente à questão racial.
Na realidade, argumenta Endrica, a preocupação brasileira estava fundada principalmente na possibilidade da chegada ao Brasil de um grande fluxo de refugiados judeus, gerado pela Segunda Guerra. “Penso que uma análise mais apurada desses acontecimentos deixa claro que as questões racistas estiveram no cerne dessas políticas, mas não foram as únicas motivadoras. Dentre os indesejáveis, alguns grupos, como o formado pelos negros, eram mais discriminados que outros, dado que a imigração foi encarada por bom tempo como uma estratégia de miscigenação com vistas ao branqueamento da população local”, analisa.
As críticas aos negros, complementa Endrica, enfatizavam claramente a idéia de inferioridade racial. Em relação aos estrangeiros, a raça era sinônimo muitas vezes de força. Assim, a “raça japonesa”, por exemplo, era uma ameaça não por ser biologicamente inferior, mas por ser militarmente perigosa e dominadora. Dito de outro modo, a intolerância racial contra os nipônicos apontava para características (dissimulação, estratégia e disciplina) capazes de concorrer para a dominação da nação brasileira. “Não resta dúvida de que as características da discriminação contra negros e estrangeiros eram essencialmente distintas”, reforça a pesquisadora.