O projeto de Mannis significou sua tese de doutorado, defendida no último dia 22, sob orientação do professor Jonatas Manzolli. Traz, portanto, muitos fundamentos teóricos da música, além de ampla revisão da literatura relacionada à pesquisa como princípios de acústica, tipologia das simetrias, elementos da composição serial que inspiraram os novos difusores e critérios de avaliação acústica.
A pesquisa nasceu há 11 anos, quando o autor foi convidado a fazer o acabamento do Laboratório de Acústica Musical e Informática (Lami) da USP. “Temos no mercado os difusores de Schroeder, que espalham bem o som, mas produzem absorção. A onda sonora perde energia quando bate na superfície difusora, numa atenuação que chega a cinco decibels. Como eles não atendiam a meu propósito, o desafio da pesquisa foi conseguir uma difusão sem perda”.
Ao leigo, José Augusto Mannis explica que um critério essencial para o músico é a reverberação o som que espraia pelo espaço. “O flautista que sopra uma nota, considera como ‘dele’ aquele som que está no halo de reverberação. Assim, ele pode retomar a música entre uma respiração e outra. A terminologia específica para este parâmetro musical tem sido traduzida no Brasil como ‘preenchimento do som’”.
A propósito, Mannis lembra as observações do compositor e regente Daniel Pinkham sobre as composições para órgão de Bach, que em cada época mudam de estilo em função da acústica do local. No início, Bach apresentava-se em St. Jacobi Kirche, em Luebeck, e depois na Thomaskirche, em Leipzig, esta com acústica mais seca.
O autor da tese explica que, em grandes salas, ou salas com maior reverberação, a tendência de menos eventos induz a uma execução mais lenta. “Isso porque a reverberação, mesmo sendo benéfica, em demasia contribui para a confusão das notas. O músico molda a maneira de tocar em função da resposta acústica da sala. O único instrumento que dispensa esse critério é o piano, que possui o pedal de ressonância”.
Difusão e absorção O preenchimento do som se dá pela reverberação que ocorre em campo difuso. Pode-se produzir difusão com obstáculos irregulares no trajeto das ondas sonoras, como é o caso das superfícies difusoras. “Provoca-se uma espécie de caos controlado. Na superfície lisa de uma mesa, o som bate e sai no mesmo ângulo. Mas se incidir sobre uma pedra irregular, o som bate e se abre feito buquê, espalhando-se para todos os lados”.
Outro exemplo de Mannis é de uma sala quadrada, que devido a esta geometria está sujeita a ondas estacionárias localizadas em regiões e pontos coincidentes. “Durante uma audição musical em ambiente fechado, quem se sentar nesses locais ficará prejudicado. Mas havendo um bom painel difusor nas paredes ou no teto, ele vai espalhar as ondas em todas as direções, de forma abrangente e uniforme”.
A perda de energia, porém, é uma deficiência que os difusores de Schroeder não conseguiram vencer. Segundo o autor, a perda decorre de turbilhões entre zonas de baixa e alta pressão situadas na entrada dos difusores. “As partículas sempre procuram entrar no lugar mais fácil”.
Ainda sobre esse aspecto, o professor recorre à imagem das pessoas que, diante de um elevador cheio, correm para o elevador do lado, e voltam para o primeiro quando o segundo enche. “Uma parte da energia é gasta não em subir e descer, mas em passar de um elevador para outro. O que fiz foi distanciar os elevadores, evitando esse corre-corre”.
Assim, Mannis concebeu superfícies difusoras com articulações suaves, algumas mais lineares, outras mais arredondadas, e também aquelas em que cada elemento pode ser girado para frente e para trás.
“As soluções que proponho não possuem articulações abruptas e um elemento é sempre diferente do outro. Por isso, não há perda de energia e sim o espalhamento das ondas sonoras. O importante é o design, independentemente do material utilizado (madeira, gesso, plástico), o que permite também o controle dos custos”, observa.
Contemplação José Augusto Mannis afirma que encontrou a maior parte das soluções de maneira intuitiva e que a revisão dos princípios de acústica, bem como a retomada dos conceitos de física e dos cálculos matemáticos foram necessários para detalhar, em linguagem acadêmica, a concepção de difusores que teceu em pensamento.
“Desde que comecei a trabalhar com performance eletroacústica, quando era estudante, passei, antes de preparar um projeto de dispositivo para concerto, a ficar sentando na sala olhando as paredes, o teto, os objetos, imaginando como aquilo soava. E nesse jogo eu punha as caixas acústicas aqui e ali, e testava mentalmente”, recorda.
Graças a esta postura contemplativa, o professor pôde observar a associação da teoria de Schroeder que se baseia numa fórmula matemática para ajustar a profundidade dos elementos da superfície difusora em relação à faixa de freqüência com o sistema de composição atonal de Schoenberg, de doze sons, a série dodecafônica.
“Os difusores de Schroeder são criados a partir de uma série de números alinhada segundo esquemas simétricos complexos. Digo que é um colar de números, pois eles não se repetem no alinhamento estrutural, e só reaparecem em ordens simétricas. Quando a simetria é mais complexa, como num difusor de Schroeder em esquema fractal, a difusão é melhor”, informa Mannis.
Por outro lado, no sistema de composição de Schoenberg, cada um dos doze sons é tratado como um elemento diferente. “Percebi que o esquema de simetria resultante das fórmulas de Schroeder é o mesmo que em séries usadas em muitas músicas, sobretudo de Webern [expoente do serialismo]. Conclui que parte dos procedimentos para a criação de um difusor pode gerar uma série de notas, como idealizado por Schoenberg”.
Para a parede Sendo assim, José Augusto Mannis intuiu que a série dodecafônica, tendo os sons substituídos por números, poderia ser literalmente aplicada na parede, visando ao cálculo de ângulos, inclinações, larguras, espessuras, alturas, diâmetros e à definição de materiais apropriados para chegar a um difusor livre de absorções.
O autor da tese montou um software que, alimentado com os números, desenhava as formas de superfícies difusoras na tela do computador, até chegar aos três tipos patenteados. A última versão, porém, foi inspirada em um caminhão carregado de canos, que Mannis não conseguia ultrapassar na estrada. “Serializei o raio dos canos e criei um difusor de semicilindros, onde a onda sonora sofre desvios continuamente variados, espalhando-se sem perda de energia”.
Difusores atraem interesse do segmento de cinemas
O professor José Augusto Mannis já vem recebendo convites do segmento de cinema para detalhar sua concepção de melhoramento acústico, ao mesmo tempo em que comemora os bons resultados das medições dos três novos tipos superfícies difusoras, realizadas na sala de concertos Villa-Lobos, na UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
Foi a Agência de Inovação da Unicamp Inova, onde a patente dos difusores está depositada, que identificou as salas de cinema como demandantes potenciais dos produtos concebidos por Mannis, assessorando-o para viabilizar a comercialização. “A Inova me ajudou muito, pois nem sabia do amplo âmbito em que poderia explorar os resultados da minha pesquisa”, elogia.
Na opinião do pesquisador, o mercado dos novos difusores extrapola o de estúdios de gravação e salas de concerto, podendo apresentar bons resultados para o conforto acústico também em salas de aula, home theaters e empresas. “Em algumas salas de reunião é colocado material absorvente nas paredes, o que abafa o som, dificultando que a pessoa do outro lado da mesa seja ouvida”.
No caso do cinema, Mannis explica que a acústica precisa ser seca e perfeita, com uma resposta homogênea, o que nem sempre é possível devido à concepção arquitetônica da sala. “Um desafio é desenhar um espaço onde a percepção sonora seja toda homogênea e contínua nas caixas. Atualmente, os cinemas perseguem o selo internacional de qualidade, submetendo-se, entre outras exigências, a avaliação das salas com medições acústicas precisas”.