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Freveção
 


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Músico aprendiz de mestres do frevo apresenta
pesquisa que promete se tornar referência sobre o gênero

A ‘freveção’ desde
os tempos do rádio

LUIZ SUGIMOTO

O músico Leonardo Vilaça Saldanha: banca recomendou publicação do trabalho (Foto: Divulgação)As partituras que enriquecem Frevendo no Recife – pesquisa sobre o frevo de autoria do músico Leonardo Vilaça Saldanha – estão pouco legíveis e deveriam ser impressas em formato maior. Foi esta uma das poucas ressalvas por parte da banca examinadora à tese de doutorado defendida por Saldanha em 28 de janeiro, no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, sob orientação do professor Claudiney Rodrigues Carrasco.

Pelo resto, a banca foi unânime em recomendar a publicação do trabalho, na expectativa de que se torne uma referência na literatura desta que é uma música popular urbana do Recife. O centenário do gênero foi comemorado no ano passado, ainda que as expressões frevo-de-rua, frevo-canção e frevo-de-bloco tenham se disseminado apenas a partir dos anos 1930.

“O foco da pesquisa está na era do rádio, que teve seu auge entre as décadas de 1930 e 1950. E principalmente no Rádio Clube de Pernambuco – chamado assim até hoje, no masculino, por ter sido um clube de radioamadores – e que foi o grande meio difusor do frevo de Recife para o Brasil”, explica o autor da tese.

“Antes, faço um retrospecto desde as bandas civis e militares de fins do século 19, quando se acelerou a cadência da polca-marcha e do dobrado. Depois viriam elementos como os do maxixe”, acrescenta.

A denominação de frevo vem da forma como as classes menos favorecidas pronunciavam o verbo “ferver”, referindo-se à “freveção” que se dava nas ruas da capital pernambucana. Tem a ver com a efervescência que reinava quando bandas rivais se cruzavam, travando duelos por meio dos instrumentos, no gogó e no braço.

Foto de Eduardo Knapp/Folha Imagem“Havia brigas de verdade, às vezes terminando em morte. Antes de surgir a figura do passista, quem ia à frente era o capoeira. O guarda-chuva já ajudava a dançar, mas servia sobretudo como arma. A sombrinha colorida só veio depois que o frevo foi ‘civilizado’, passando a fazer parte do contexto social”, diz o pesquisador.

Leonardo Saldanha está no centro do “frevedouro” há bastante tempo. Na graduação, foi aluno do maestro Clóvis Pereira, um dos mestres ainda vivos do frevo. Elegeu como personagem da dissertação de mestrado o maestro Duda, tendo tocado na orquestra dele por dois carnavais, ao lado de músicos como Sivuca. Entre outros expoentes do gênero que iluminaram seu caminho, ainda trabalha com o maestro Edson Rodrigues, pai do frevo-de-salão.

Agora no doutorado, Saldanha resgata as trajetórias dos compositores Nelson Ferreira e Capiba, considerados como os grandes propagandistas do frevo. “Os dois tocavam na noite, em orquestra e em salas de cinema mudo. Nelson Ferreira era diretor artístico da Rádio Clube de Pernambuco e para lá levou todos os colegas, formando uma verdadeira big band brasileira já naquela época”.

Capiba, por sua vez, era funcionário do Banco do Brasil e nunca foi homem do rádio. Mas compunha grandes sucessos de frevo-canção, sendo ilustre e assíduo convidado das revistas carnavalescas do Rádio Clube. “É bom lembrar que o rádio em ondas curtas não era ouvido apenas localmente, mas pelo país a afora. Nelson Ferreira e Capiba foram os compositores mais gravados por intérpretes carnavalescos”.

Marchinhas – A respeito das gravações, Leonardo Saldanha observa que os gêneros do carnaval da época eram o frevo, a marchinha carioca e o samba. Segundo ele, há grandes sucessos de cantores como Carlos Galhardo, Lamartine Babo, Aracy de Almeida e Carmem Miranda identificados pela indústria fonográfica como marchinhas cariocas, mas que na verdade são frevos.

Os compositores Capiba e Nelson Ferreira, cujas trajetórias são mencionadas na tese  (Foto: Reprodução)“Um exemplo é Mulata, dos irmãos Valença, que Lamartine transformou, gravou e lançou como ‘motivos do norte’, com o título de O teu cabelo não nega. Outro frevo transformado que a geração mais antiga conhece e que tocou no Brasil inteiro é Evocação, de Nelson Ferreira, gravado pelo Coral do Bloco Batutas de São José e a orquestra do próprio maestro”, registra o autor.

Contribuía para esta distorção o fato de os frevos terem de ser gravados no Rio de Janeiro, então capital federal e onde estavam sediadas a Casa Edison, a Continental e a RCA Victor. “Chegou-se a um ponto em que as gravadoras passaram a adotar, naturalmente, arranjos que estavam voltados mais para marchinhas cariocas do que para frevos”.

Saldanha recorda que compositores de Recife decidiram, então, enviar ao Rio de Janeiro o maestro Zuzinha, também considerado pai do frevo instrumental. “Zuzinha foi quem compôs Divisor de águas, mostrando a passagem da polca-marcha para o frevo. Pediram a ele que se encarregasse de dirigir as gravações”.

A medida, contudo, mostrou-se apenas paliativa. Nem mesmo a primeira gravação de Nelson Ferreira – que, aliás, foi o primeiro lançamento carnavalesco da RCA Victor – escapou da sina. “O frevo Borboleta não é ave, de 1923, foi gravado por Baiano, cançonetista da Casa Edison, também no formato de marchinha. Posteriormente, Claudionor Germano e a orquestra do próprio Ferreira gravaram a música corrigida para o formato de frevo”.

Evolução – As duas gravações estão em um CD que acompanha a tese de Leonardo Saldanha. O disco traz desde composições de época até as atuais, ajudando a perceber a transformação e evolução do frevo nesses 100 anos. “O frevo é um gênero vivo. Embora muitos pensem que ele não muda, mostro o contrário. Basta dizer que até os anos 50 e 60, o pulso-ritmo era de 120 batidas por minuto e hoje é de 180”.

Muito mais do que contar a história do frevo, o autor realiza uma análise melódica, rítmica, harmônica e instrumental dos seus gêneros e subgêneros, num mapeamento minucioso. Para isso, recorre a denso material de suporte ao texto, como fotografias de pessoas e lugares, documentos impressos e fonográficos, além de partituras que foram resgatadas em arquivos, bibliotecas e museus, ou que não existiam.

Em relação aos gêneros do frevo, o autor explica que o frevo-de-rua é apenas instrumental, derivado da polca-marcha e do dobrado; o frevo-canção tem uma introdução orquestral e depois é cantado com letras satíricas; e o frevo-de-bloco, inspirado no pastoril, também cantado, possui andamento moderado e letras saudosistas. A partir deles abre-se um leque de subgêneros.

Saldanha informa que esta classificação surgiu na década de 30, por conta do rádio e da indústria fonográfica, já que a mídia precisava melhor identificar o produto. “No período depois da Segunda Guerra, os músicos passaram a sofrer a influência das big bands norte-americanas, adotando a mesma instrumentação e outros elementos na orquestração do frevo e recorrendo à improvisação”.

Abafo, coqueiro e ventania

O frevo-de-rua possui três subtipos, conforme o estilo composicional. Aquele que surgiu dos conflitos nas ruas do Recife, envolvendo as bandas rivais, é denominado frevo-de-abafo. “O espírito é de fazer troça e abafar o som da banda que vem em sentido oposto, tocando um frevo alto, com notas mais longas que o tradicional e por isso de execução menos difícil”, esclarece Leonardo Saldanha.

Outro subgênero do frevo-de-rua é o frevo-coqueiro, com notas rápidas porém agudas, tocadas em região alta. “Podemos dizer, grosso modo, que é mais movimentado que o frevo-de-abafo, por causa das subdivisões rápidas. O nome vem obviamente do coqueiro, que é alto e abana as folhas quando o vento bate”.

Já o frevo-ventania, segundo o autor da tese de doutorado, faz jus ao nome, com notas de subdivisão rápidas, normalmente com semi-colcheias e fusas. “É um frevo muito difícil de ser tocado e que tem como instrumentos principais não os metais e sim as palhetas, como saxofones. Ele se aproxima mais do frevo atual, que utiliza muito esse elemento”.

Saldanha afirma que o ventania é um frevo mais apropriado para ambientes fechados, devido à menor sonoridade em relação aos subgêneros anteriores, tal como num improviso jazzístico de saxofone, guitarra ou piano. “Existem ainda as misturas de subtipos, que são o abafo-ventania e o abafo-coqueiro. Hoje em dia, é difícil ouvir um frevo que apresente uma só característica”.

O autor lembra outra subdivisão do frevo-de-rua, classificada pelo maestro Edson Rodrigues, seu colega de trabalho e autor de Roda e avisa, música em homenagem a Chacrinha. “Ele definiu o estilo frevo-de-salão, que mescla todos os demais subgêneros e que se destaca sobretudo pela forma de execução, jazzística. É um sinônimo do frevo rejuvenescido, moderno e bastante improvisado, feito mais para ouvir do que para dançar”.

Leonardo Saldanha, ele próprio, definiu um último subtipo. “Na falta de uma nomenclatura ideal, passei a chamar de frevo-de-sala de concerto aquele executado por músicos de formação acadêmica. É adequado para orquestras sinfônicas e outras formações diferentes das de bandas, e muitas vezes obedece aos rígidos parâmetros da música de concerto européia. É um frevo que mostra o amadurecimento do gênero”.

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