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Nova forma de ingresso e
formação geral na universidade
Baseado
no mérito e no esforço pessoal, o vestibular tem e teve um
papel importante na seleção dos alunos nas universidades públicas.
Hoje, porém, não há dúvida de que esse modelo padece de problemas
sérios. Grande número de estudantes, principalmente os oriundos
de escolas públicas, potencialmente aptos para o curso superior
em boas universidades, é excluído de uma competição equitativa,
ou nem mesmo se candidata, pois os mecanismos de preparação
para estes exames competitivos são claramente determinados
pelas condições socioeconômicas.
Neste ano, paralelamente ao
vestibular tradicional, a Unicamp dá início a nova forma de
selecionar alunos que hoje são excluídos ou têm chance reduzida
no sistema tradicional de seleção, sem abdicar do mérito acadêmico:
o Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS),
que, sem prejuízo da forma tradicional de seleção de alunos
da Unicamp, que é o vestibular, cria 120 novas vagas, destinadas
exclusivamente aos alunos que mais se destacaram na sua formação
escolar nas escolas públicas de Campinas. Nesta primeira experiência,
o critério utilizado foi a nota do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem). No futuro, outras formas de avaliar a formação
continuada do estudante poderão ser adotadas. Por exemplo,
a nota obtida ao longo dos três anos do ensino médio, que
vários dados apontam como talvez o melhor fator preditivo
do desempenho do estudante na universidade. É importante ressaltar
que somente o primeiro ou os dois primeiros alunos de cada
escola são classificados, assegurando que todas as escolas
públicas de Campinas sejam representadas. Trata-se de um programa
piloto e, conforme os resultados que apresentar, o número
de vagas do ProFIS poderá ser aumentado nos próximos anos.
Dados recentes indicam que mais da metade das escolas públicas
de ensino médio da cidade não tem nenhum de seus alunos entre
os matriculados na Unicamp.
Além de testar uma nova forma
de ingresso na universidade pública de qualidade, o ProFis
visa oferecer aos estudantes uma visão geral do conhecimento
universitário, antes de se decidirem por uma carreira específica.
Assim, o programa prevê que, durante dois anos, os estudantes
cursarão disciplinas de caráter amplo, em todas as áreas do
conhecimento: cursos especialmente organizados para que, além
da formação cultural e científica, se preparem para escolher
sua área específica de formação acadêmica e profissional.
Após esses dois anos iniciais, eles escolherão um dos cursos
já existentes na Unicamp, sendo o preenchimento das vagas
realizado com base no seu desempenho nas disciplinas obrigatórias
que compõem o programa.
Não
se trata, portanto, de uma mera proposta de aumento de vagas,
tampouco de uma forma de reduzir a competitividade, mas sim
de criar um novo modelo de seleção para alunos de graduação
e de experimentar uma nova resposta a um dos principais desafios
apresentados à universidade contemporânea: formar jovens dotados
de cultura ampla e espírito científico, capazes de realizar
julgamentos críticos e independentes e preparados para o exercício
da cidadania e para o mundo do trabalho.
A formação geral na universidade
é um tópico cada vez mais reconhecido em todo o mundo e também
no Brasil como extremamente importante em nosso tempo, no
qual a principal riqueza dos países é a extensão do conhecimento
e a capacidade de inovação tecnológica. Oferecer formação
geral no nível universitário não é uma necessidade decorrente
apenas das alterações no perfil das escolas de ensino médio,
mas também do fato de que o conteúdo crescente das diversas
áreas do conhecimento não pode ser acomodado dentro de um
programa tradicional de graduação profissionalizante de quatro
ou cinco anos.
Da forma como se estrutura
o ensino superior hoje em nosso país, a escolha definitiva
do curso é feita, muitas vezes, sem uma visão mais ampla dos
vários campos do conhecimento e até mesmo daquele selecionado.
O resultado é que os formandos das universidades terminam
por se ver imersos no competitivo mercado de trabalho com
21 ou 22 anos, sem possibilidade de ampliar seus conhecimentos
para além de disciplinas técnicas de seu curso. Não surpreende,
portanto, que muitos utilizem os conhecimentos adquiridos
na universidade para exercer uma profissão outra, diferente
de sua área de formação técnica: vários dados disponíveis
mostram que aproximadamente metade dos profissionais regulamentados
não atua em sua área de formação, ou seja, a exigência de
uma precoce definição profissional produz um efeito curioso:
a universidade termina por ser, desse ponto de vista, uma
maneira pouco eficiente de oferecer formação não-especializada
para mais de metade dos egressos.
É certo que a resolução dos
problemas do ensino superior no país depende da implantação
de eficientes políticas públicas, que devem incluir, além
do incremento na qualidade do ensino médio, a expansão e a
diversificação do ensino superior público. Mas também é certo
que cabe à universidade apresentar soluções conceituais para
o enfrentamento das graves questões da educação pública no
Brasil. É esse o escopo do ProFIS. Por meio dele, a Unicamp,
sem abrir mão do critério de mérito acadêmico, acaba de criar
um curso inovador, que explora novos métodos de acesso à universidade
e busca proporcionar a formação geral e qualificada indispensável
para a atuação de profissionais capazes de raciocínio independente
e crítico, dotados de responsabilidade técnica, ética e social
e com conhecimentos adequados para contribuir para o progresso
da sociedade brasileira neste século.
Este artigo foi publicado
no jornal O Estado de S.Paulo em 28 de fevereiro
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