Pesquisadores da FCM desenvolvem técnicas
que
identificam alterações vasculares
PAULO
CESAR NASCIMENTO
O
acentuado crescimento da obesidade nas últimas
duas décadas, sobretudo em crianças e adolescentes,
fez surgir uma nova categoria de pessoas hipertensas, aquelas
em que a doença resiste a regredir mesmo que medicadas
com até três diferentes hipertensivos. Esses
pacientes de alto risco são o alvo de estudos desenvolvidos
na Unicamp, no âmbito do Laboratório de Farmacologia
Cardiovascular da Faculdade de Ciências Médicas
(FCM) e do Ambulatório de Hipertensão Resistente
do Hospital de Clínicas (HC). Técnicas inovadoras
têm permitido identificar cada vez mais precocemente
alterações vasculares decorrentes da hipertensão
arterial e relacionados às causas de morbidade e
mortalidade por doenças cardiovasculares, como infarto
e derrame cerebral. Os diagnósticos podem alertar
para a necessidade de medidas preventivas antes que lesões
se instalem e comprometam o sistema vascular de maneira
irreversível, e contribuem para avaliar a eficácia
de medicamentos controladores.
As razões da obesidade nas faixas etárias
mais jovens são sobejamente conhecidas: além
de predisposição motivada por herança
genética, as causas incluem o sedentarismo e os hábitos
alimentares inadequados, baseados em ingestão excessiva
de carboidratos e gordura. O problema se agrava com a incidência
cada vez maior de pressão arterial alta na população
obesa - fenômeno que passou a ser diagnosticado com
maior frequência em crianças e adolescentes
-, devido a um desequilíbrio entre os hormônios
produzidos pelos adipócitos (células do tecido
adiposo), entre os quais se destaca a leptina, e aqueles
responsáveis por regular a pressão arterial,
como a angiotensina II.
Portanto, não só a convivência das pessoas
com a hipertensão é mais prematura do que
se pensava, como também, devido ao aumento da expectativa
de vida, poderão carregar a doença por muito
mais tempo. O quadro aponta para a importância de
métodos diagnósticos capazes de avaliar precocemente
riscos advindos desse maior convívio com a doença
e para a necessidade de antihipertensivos cada vez mais
eficazes, até porque vem aumentando significativamente
o número de hipertensos resistentes às drogas
atualmente disponíveis.
Há cerca de 30 anos, a hipertensão resistente
ocorria entre 1% e 3% da população de hipertensos;
hoje, entre 15% e 17% dos portadores de pressão alta
apresentam hipertensão de difícil controle,
revela o médico cardiologista e farmacologista Heitor
Moreno Junior, do Departamento de Clínica Médica
da FCM e coordenador dos estudos na Unicamp.
"Tínhamos historicamente menor número
de hipertensos resistentes porque o índice de massa
corporal era menor na população. Nos últimos
vinte anos, concomitantemente com o aumento da população
de obesos, cresceu também o número de pessoas
com níveis de pressão arterial mais difíceis
de serem controlados. Estima-se um preocupante aumento desse
contingente, já que a tendência é de
se viver mais tempo com a hipertensão", observa
o especialista.
Frentes de ataque
Uma
das frentes das pesquisas conduzidos na Universidade é,
conforme explica Moreno, o estudo de novos hipertensivos
ou de associações e combinações
sinérgicas entre fármacos dotados de diferentes
mecanismos de ação sobre a hipertensão,
capazes de melhorar a eficiência do tratamento de
pacientes resistentes. Outra frente é a aplicação
de métodos avançados de diagnósticos
para identificar e possibilitar a prevenção
de riscos de mortalidade cardiovascular em hipertensos,
como a aterosclerose, doença crônico-degenerativa
que leva à obstrução das artérias
(vasos que levam o sangue para os tecidos) devido ao acúmulo
de lipídios, como o colesterol, em suas paredes.
A aterosclerose pode causar danos irreversíveis a
órgãos vitais e até mesmo levar à
morte.
Um dos exames é o ultrasom das carótidas (artérias
localizadas no pescoço e responsáveis por
transportar o sangue do coração ao cérebro)
para a avaliação da estrutura do endotélio,
tecido que reveste a parede dos vasos sanguíneos.
O exame permite observar microscópicas alterações
na espessura da parede vascular resultantes do acúmulo
de ateromas (placas de gordura). Os dados obtidos possibilitam
estabelecer o tempo de instalação do processo
de espessamento e prognosticar sua eventual evolução
na direção da aterosclerose.
Outra técnica consiste na análise da velocidade
da onda de pulso. Quando o sangue é ejetado pelo
coração, há um impacto na parede da
artéria aorta que se propaga por todo o sistema arterial.
A velocidade de propagação dessa pulsação
pode ser mensurada e eventuais alterações
de onda são consideradas marcadores de risco cardiovascular
precoce. Se o vaso perder a elasticidade e tornar-se mais
rígido devido à deposição de
ateromas em seu interior, haverá importantes alterações
na velocidade, e essa manifestação pode sinalizar
uma forte propensão para a aterosclerose.
Envelhecimento
Alterações vasculares em geral estão
associadas ao processo degenerativo do organismo decorrente
da senilidade. Porém determinadas doenças,
além da hipertensão arterial, representam
um alto fator de risco para o desenvolvimento precoce de
lesões ateroscleróticas, como a intolerância
à glicose ou o diabetes, a obesidade e a dislipidemia,
que é a denominação do aumento anormal
da taxa de lipídios no sangue. Batizado de síndrome
metabólica, o conjunto desses achados tem respondido
por elevados índices de morbidade e de mortalidade
cardiovascular em diferentes faixas etárias.
"Nossos estudos são orientados, portanto, por
uma dupla preocupação: a primeira é
identificar mais precocemente o risco de mortalidade por
doença cardiovascular e a segunda é poder
proporcionar aos pacientes medicamentos com o poder de evitar
a progressão acelerada das complicações
cardíacas e vasculares", acentua Heitor.
O grupo de pesquisa que ele coordena vem avaliando o efeito
da terapêutica com diversos fármacos sobre
essas alterações precoces da aterosclerose
em um universo de pacientes de alto risco que não
é pequeno.
"Se a hipertensão resistente atendida nos postos
da rede pública de saúde e nos consultórios
manifesta-se, proporcionalmente, segundo a média
estatística de cinco pacientes para cada uma centena
de hipertensos, em nosso ambulatório o número
chega a 30 portadores refratários, levando-se em
consideração o nível terciário
do HC", salienta o cardiologista.
A Unicamp, relata ele, adota os avançados métodos
diagnósticos desde 2001 e foi precursora da implantação
das técnicas no Brasil, apenas dois anos após
a sua adoção nos Estados Unidos. O alto custo
dos equipamentos ainda torna proibitiva sua utilização
em larga escala em clínicas e postos da rede básica
de saúde. Nestes, contudo, destaca Heitor, é
necessário se dedicar cada vez mais atenção
à identificação e prevenção
precoces de problemas cardiovasculares, valendo-se de exames
clínicos e de sangue simples e rotineiros, porém
capazes de auxiliar na verificação do risco
vascular, como o cálculo do índice de massa
corporal (IMC), a medida da pressão arterial e os
exames laboratoriais para a determinação do
colesterol, triglicérides e glicose no sangue.
Os estudos conjuntos do Laboratório de Farmacologia
Cardiovascular e do Ambulatório de Hipertensão
Resistente contam com a participação de doze
alunos da FCM e financiamento das principais agências
de fomento. As pesquisas já resultaram em trabalhos
de iniciação científica, dissertações
de mestrado e teses de doutorado, as quais foram publicadas
em periódicos nacionais e internacionais.