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As causas e as consequências do bullying

Linha de pesquisa de docente da FE
investiga violência em escolas públicas e particulares

CARMO GALLO NETTO

Escola pública na região de Campinas: estudo aborda as características do bullying e sua percepção junto aos estudantes (Fotos: Antoninho Perri) Não há quem não conheça casos de constrangimentos a que escolares são submetidos continuamente por seus colegas. Esse tipo de ocorrência é denominado bullying, termo inglês que significa intimidação, e que se encontra mais disseminada do que se supõe. Linha de pesquisa coordenada pela professora Luciene Regina Paulino Tognetta, do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, investiga a ocorrência de atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetitivos, entre alunos de escolas públicas e particulares da região metropolitana de Campinas. O estudo foca a violência entre pares – o bullying – e aborda as características do fenômeno e sua percepção junto aos estudantes.

A professora Luciene Regina Paulino Tognetta, coordenadora do projeto: “A  escola se fecha para problemas afetivos” (Foto: Antoninho Perri)O estudo foi motivado pelas angústias e preocupações da escola que, sozinha, não tem conseguido resolver problemas de violência que se manifestam no seu interior. Pesquisas realizadas no Brasil revelaram professores que destinam 40% a 50% do seu tempo de aula no encaminhamento de problemas de indisciplina ou conflitos de violência ligados à escola. É a partir da urgência que esses problemas impõem que as pesquisas sobre violência na escola vêm acontecendo.

O estudo do bullying não é antigo. Sua introdução no Brasil é recente e ocorreu através da professora Cleo Fante, que fez as primeiras pesquisas em São José do Rio Preto com o objetivo de verificar se realmente existiam problemas ligados a esse tipo de intimidação e como aconteciam. A partir daí, lembra a pesquisadora, começou-se a repensar o bullying com base em dados empíricos que dimensionam quanto meninos e meninas têm sofrido na escola com problemas de intimidação dos pares, através de apelidos e violências físicas e morais.

Surgiu daí a idéia de estender essas pesquisas para a região de Campinas da qual não se tinham dados ainda. Criaram-se então duas frentes de pesquisas orientadas por ela e pela professora Telma Vinha, também da FE. A primeira para atender a solicitação de uma escola particular de Campinas. A segunda, realizada concomitantemente por um grupo de alunos, colheu dados na região de Campinas, somente junto a alunos de escolas públicas, com o objetivo de fazer um levantamento de como esses alunos vêem a questão do bullying.

As duas pesquisas atendiam à necessidade de estudar o problema da violência entre pares, porque os professores quando solicitados abordam a violência que os atinge, ou seja, os sinais de indisciplina na escola, os problemas que eles têm com os alunos e pouco se referem aos problemas de violência que os meninos e meninas vivem entre eles.

O estudo procurou então levantar junto aos alunos a real existência de problemas de relacionamento que não têm sido alvo das discussões na escola. A docente considera que “a escola se fecha para problemas afetivos, que envolvem relações interpessoais dos alunos, porque está preocupada com os conteúdos acadêmicos e não leva em consideração o que mais prejudica e até intensifica os problemas de aprendizado”. 

Revelações e surpresas
O primeiro passo na trajetória seguida pela pesquisadora consistiu de um diagnóstico da realidade escolar. Através de um questionário bastante abrangente ela procurou saber, entre outras coisas, se o aluno se sentia intimidado, ameaçado, zombado, menosprezado por algum colega, com que frequência, em que locais isso preferencialmente ocorria e que tipos de intimidações ou agressões eram mais comuns.

O estudante era solicitado a indicar as intimidações que mais o incomodavam, tais como apelidos, gozações, assédio moral, utilizando pessoas da família. O objetivo era determinar a presença efetiva do bullying, porque brincadeiras esporádicas não o caracterizam.  Descobriu-se então que cerca de 30% dos alunos sofreram ou sofrem bullying constantemente na escola.  No ensino fundamental II, em torno de 20% se dizem vítimas de bullying, o que ela não considera pouco.  Constituíram alvo dessa pesquisa alunos que freqüentavam do terceiro ano do ensino fundamental I ao segundo ano do ensino médio.

Resolveram ainda acrescentar ao levantamento realizado em uma das escolas uma pergunta, que não constava do questionário padrão original, em que procuravam saber se havia problemas em relação às autoridades escolares. Diz ela que “foi aí que localizamos um problema que nos surpreendeu ainda mais, pois cerca de 30% dos alunos se diziam vítimas dos professores”.

Este fato, afirma Luciene, mudou todo o critério que orientaria a intervenção porque antes de um trabalho efetivo para superação do bullying, entre pares o professor precisa ele mesmo abolir atitudes que revelam menosprezo, causam intimidação e humilhação em seus alunos, situações essas que podem ser causas ou motivações para o bullying. Interromperam então o projeto nessa escola porque havia necessidade de resolver primeiro um problema mais sério relacionado à autoridade.

Este fato, segundo ela, introduziu uma agravante no problema, porque quando o professor é informado que os alunos têm problemas com ele, sua primeira reação, e as pesquisas mostram isso, é considerar a violência dos alunos para com ele, sem conseguir enxergar a violência dele para com os alunos. Os professores acabam terceirizando o problema, propondo contratação de psicólogos, presença da polícia dentro da escola, convocação dos pais, intervenção do conselho tutelar, medidas que ela considera “paliativas e evasivas em vista das soluções que eles mesmos poderiam alcançar, quanto às reais possibilidades de transformação, se promovessem mudanças na relação com os alunos”.

Ela considera mais importante que o bullying foi a revelação de problemas com a autoridade, pois os professores envolvidos não assumem a responsabilidade, muitas vezes por ignorância e por não entender do desenvolvimento infantil ou do adolescente, por não acreditar que os problemas existam, apesar de pesquisas mostrarem que a escola precisa se abrir para as relações interpessoais. Porque, enfatiza ela, “o que fica da escola para esses meninos depois que eles  a deixam não são os conteúdos, porque o próprio avanço da sociedade tecnológica se encarrega de alterá-los e aponta na direção de uma escola diferente”.

Outras pesquisas
Paralelamente, o grupo da professora Luciene realizou levantamento em escolas públicas e particulares de Campinas e região para verificar a existência de casos de bullying sem considerar a questão da autoridade. Os dados já tabulados permitiram concluir que 10, 15, 20% dos alunos já sofreram ou se dizem vítimas de bullying na escola, porcentagens que são ainda maiores em relação a determinadas situações, como apelidos e referências à família.

A segunda parte desta pesquisa se atém mais ao aspecto psicológico e procura elencar algumas questões ligadas aos sentimentos desses personagens – como se vêem, com se identificam –, com o objetivo principal, diz ela, “de nos conscientizarmos de quanto não levamos em conta o que esses meninos têm de mais precioso, que é aquilo que sentem.  Queríamos conhecer os sentimentos dessas crianças, como se identificam em relação ao problema, as motivações do agressor e como vê o agredido”. A pesquisa foi realizada junto a crianças de sexto e sétimo anos, antigas 5ª. e 6ª. séries.

Embora a segunda parte da pesquisa ainda esteja sendo tabulada, Luciene diz que uma prévia revela que a hipótese inicialmente levantada está se confirmando: agressor e vítima se comportam em razão da imagem que têm de si, o que os levam a um ou outro grupo. O maior número de alunos se identifica mais como autor do que como vítima, o que psicologicamente se justifica, porque o jovem quer ser reconhecido, respeitado e gozar de boa imagem diante dos colegas. A vítima, ao contrário, é sofredora, apática, não pertencente ao grupo porque se considera como tal.

O jovem, explica a pesquisadora, não é vítima do bullying porque é baixinho, mas porque é baixinho e se considera baixinho a ponto de achar a diferença incômoda. Considera-se desqualificado em relação ao grupo e fora dele. Sente-se e por isso é. Os sentimentos dos alvos são de negação, de apatia, de tristeza, de angústia, de não-pertencimento, de impotência, de não-aceitação e de ansiedade. São meninos e meninas que não dão conta de se superar e de superar os problemas decorrentes de não se sentirem pertencentes ao grupo.

A pesquisadora lembra que a presença do público constitui uma característica do bullying extremamente séria e importante na intervenção porque “tem bullying quando tem público”. Embora geralmente o fenômeno revela-se distante e escondido aos olhos da autoridade, sua manifestação tem expectadores atentos às ações dos líderes e às confirmações das vítimas, legitimando e validando a ação do autor por medo de se tornarem à próxima vítima: “Trata-se de ficar do lado do mais forte”.

A intervenção precisa ser feita no sentido de ajudar a vítima porque essa criança não tem auto-respeito, diz a docente, e por isso não consegue deixar a sua condição. Por seu lado, o autor também precisa de ajuda porque ele não coloca em primeiro lugar, numa hierarquia, valores morais, como  honestidade, amizade, respeito. Os valores mais presentes nele se relacionam ao poder, à virilidade, à força física, à impunidade. Reverter essa hierarquia de valores significa mexer nas imagens que ele tem de si, de maneira a levá-lo a uma nova adequação social.

Luciene explica que “quando se mexe com o público que sustenta aquele comportamento, mexe-se, concomitantemente, com as imagens que o agressor tem dele – sou poderoso, sou viril, sou forte –, porque o público passa a  sinalizar que não é adequado bater nas pessoas, não é engraçado chamá-las por apelido”. Ela considera necessário mexer na condição de homem desse sujeito, de fazê-lo sentir-se digno no grupo mudando a hierarquia de valores.

Novas atitudes
Para que o aluno possa pensar como resolver essas situações de bullying e que regras devem regular a convivência na escola, as intervenções devem se dar nos três grupos: o dos agressores, o das vítimas e a dos espectadores. Mas com a participação do aluno porque quando ele faz a escolha  se sente pertencente,  não precisa agredir porque se responsabiliza pelas regras. Esse é o caminho, diz Luciene, para a convivência democrática na escola, por que “apenas punir não resolve”.

Tornou-se lugar comum ouvir-se dos professores que um dos objetivos da escola é a formação de cidadãos autônomos. Luciene lembra que autonomia supõe que a regra se torna legítima do sujeito e então ele a cumpre em função de um princípio norteador subjacente à idéia da regra. O contrário seria a heteronomia, que corresponde à regra que vem de fora. Quando isso ocorre, o sujeito não consegue enxergar o princípio que está por trás da regra e então se prende a uma autoridade, à idéia de poder e age apenas em função dela, não exercendo efetivamente a cidadania.

Embora os professores no geral preguem autonomia, enfatiza Luciene, suas atitudes  reforçam exatamente a ideia de poder, porque diante de um ato de indisciplina encaminham o aluno para que seja punido pela direção. Impõem um poder sem que o aluno seja levado a ver outras possibilidades de atitudes e ações, porque o heterônomo consegue pensar somente um ponto de vista de cada vez e  agride porque não consegue perceber outros pontos de vista. Punido ele não é levado a reparar o problema.

Seria diferente se diante de um vidro quebrado ele tivesse que recolher os cacos, tomar providência para sua reposição, enfim, fosse levado a perceber as consequências. Diante de situações cotidianas da escola o professor ameaça, humilha, coloca em público o que deveria ser uma conversa particular. E acrescenta: “O professor não permite que a criança pense, ele pensa por ela, ele decide por ela”.

A professora admite que tudo isso é muito complexo, envolve formação de professores, mudança de postura, entendimento de como se desenvolve o ser humano. Um dos problemas, destaca, é que o professor entende sua profissão como vocação e como tal não vê necessidade de se especializar, já que vocação é inata. Infelizmente, não enxergamos a nossa atividade como profissão e a necessidade de se aperfeiçoar o tempo todo”.

 
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