Concentrações encontradas
estavam abaixo
dos limites estabelecidos pela Anvisa
LUIZ
SUGIMOTO
Com
as mais modernas técnicas disponíveis no momento,
acabam de ser desenvolvidos e validados no Instituto de
Química (IQ) da Unicamp métodos para determinar
resíduos de agrotóxicos na laranja Pera e
na tangerina Murcote - os dois principais cítricos
em termos de produção, consumo interno e exportação
no país. A apresentação da pesquisa
de doutorado de Mariza Campagnolli Chiaradia, orientada
pela professora Isabel Cristina Sales Fontes Jardim, coincide
com a preocupação da Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) frente ao
aumento do uso incorreto de agrotóxicos em amostras
de alimentos por elas monitoradas, dentre as quais a laranja.
Mariza Chiaradia justifica a escolha da laranja Pera por
ser a variedade de maior produção no Brasil
e a mais utilizada pela indústria de suco para exportação
in natura; e da Murcote por ser a única tangerina
destinada ao mercado externo. "Coletei seis amostras
de cada matriz no comércio da região de Campinas
e recorri a três equipamentos diferentes para determinar
os agrotóxicos - a partir de uma lista de herbicidas,
acaricidas, nematicidas, inseticidas empregados nas duas
culturas".
A autora da tese informa que novas técnicas de análise
têm surgido para suprir a necessidade de se detectar,
simultaneamente, um grande número de compostos em
baixos níveis de concentração (1 micrograma
por litro ou por quilo). "Com base nos resultados obtidos,
a técnica que mais apropriada para a análise
de resíduos em alimentos é a cromatografia
líquida de ultra eficiência com detecção
por espectrometria de massas em série (EM-EM)".
Segundo a professora Isabel Jardim, esta é a técnica
de detecção exigida pela Comunidade Européia
para atestar a qualidade dos alimentos que importa, devido
à confiabilidade na confirmação de
compostos. "Foram detectados dois tipos de resíduos
agrotóxicos na laranja Pera e um na Murcote, apesar
da nossa preocupação em reproduzir as condições
caseiras de processamento do suco, em que as frutas são
antes lavadas (o que não é exigência
dos órgãos de regulação)".
Mariza Chiaradia observa que os índices de resíduos
se elevariam bastante em sucos processados na maioria das
lanchonetes, por exemplo, onde não há preocupação
com a lavagem da laranja. "Verificamos, também,
a ausência de agrotóxicos em amostras coletadas
em época de chuva, provavelmente porque a água
contribui bastante para eliminá-los. Entretanto,
no meio do ano, durante a safra maior de laranja Pera, os
resíduos de dois dos seis agrotóxicos estudados
estavam presentes".
A pesquisadora ressalta que as concentrações
encontradas estiveram sempre abaixo dos limites máximos
de resíduos (LMR) estabelecidos pela Anvisa, a agência
reguladora brasileira. "Encontramos o imidacloprido
[inseticida] em quase todas as amostras, mas em concentrações
entre 15 e 31 microgramas por litro para o LMR de 1.000
microgramas por litro. O aldicarbe [acaricida] estava em
uma única amostra, porém, em quantidade bem
próxima do LMR de 200 microgramas por litro".
Ainda
que as concentrações estejam abaixo dos limites
estabelecidos inclusive pela FDA (Food and Drug Administration),
a agência norte-americana, a professora Isabel Jardim
demonstra preocupação com a quantidade ingerida
de suco - principalmente em período de safra, quando
os agrotóxicos são utilizados em maior escala.
"O problema é que nada sabemos ainda sobre o
efeito cumulativo dos resíduos quando o suco é
tomado em grande quantidade".
A autora registra na tese que a ingestão de alimentos
representa a principal fonte de exposição
aos agrotóxicos em comparação com a
ingestão de água e a inalação.
E que mesmo em pequenas quantidades esses compostos podem
causar efeitos adversos à saúde, como dores
de cabeça, náuseas, distúrbios endócrinos
e mesmo câncer. "Um agravante é que o
suco é a forma como as crianças consomem a
laranja. Elas são afetadas por quantidades menores
de agrotóxicos".
Monitoramento
De acordo com Mariza Chiaradia, a necessidade de garantir
o crescimento e a qualidade da produção agrícola
fazem com que hoje existam mais de 800 compostos, pertencentes
a aproximadamente 100 classes químicas diferentes,
em produtos comercializados como agrotóxicos no mundo
todo. "Como o Brasil é detentor de grande potencial
agrícola e o maior consumidor de agrotóxicos,
a Anvisa, a exemplo de outros países, criou em 2001
o Programa Nacional de Monitoramento de Resíduos
de Agrotóxicos em Alimentos Brasileiros (PARA)".
Isabel Jardim atenta para o aumento nas irregularidades
no uso de agrotóxicos apontado pelo programa. Entre
2002 e 2006, foram monitorados 92 princípios ativos
de agrotóxicos em mais de 500 mil amostras de nove
produtos agrícolas, inclusive de laranja, coletadas
em 16 diferentes estados. Neste período, o índice
geral foi de 14% de irregularidades, passando a 17% em 2007.
"Quanto ao cultivo da laranja, o programa não
especifica variedades, mas as irregularidades mais que dobraram
de 6% em 2007 para 14,9% no ano passado".
A respeito deste monitoramento, a docente do IQ recorda
a grande repercussão na mídia sobre os índices
de agrotóxicos no morango em 2007 e no pimentão
em 2008 (quando mais oito culturas passaram a ser avaliadas).
"É interessante como, no caso do morango, o
índice de irregularidades que era de 44% em 2007
baixou para 36% no ano seguinte. Possivelmente, os produtores
serão mais cuidadosos também com o uso de
agrotóxicos no pimentão".
Por conta própria
A propósito, Mariza Chiaradia observa que, no Estado
de São Paulo, os próprios citricultores cuidam
de exercer uma fiscalização rigorosa, através
do Fundo Paulista de Defesa da Citricultura (Fundecitrus),
criado em 1977 para promover a erradicação
do "cancro cítrico" e um maior controle
sanitário nos pomares. "O Fundo é sustentado
basicamente por recursos da iniciativa privada, com eventuais
verbas do governo federal e parcerias com institutos de
pesquisa e universidades de todo o mundo".
A autora cita a Fundecitrus na tese, em reconhecimento
às informações que recebeu sobre a
citricultura, inclusive acerca dos agrotóxicos mais
usados pelos produtores paulistas. "Como o estado é
o maior exportador de laranja e muito voltado também
para produção do suco in natura, além
do controle rigorosíssimo na aplicação
de agrotóxicos, há um tempo de espera antes
da colheita, período que serve para degradação
dos compostos sem que sejam absorvidos pela fruta".
A professora Isabel Jardim, que coordena no IQ esta linha
de pesquisa voltada para a determinação de
agrotóxicos em várias matrizes, adianta que
uma próxima pesquisa pode focar a indústria
de suco, mesmo que ela recorra ao processo de pasteurização
do suco de laranja - aquecimento capaz de degradar os agrotóxicos.
"Os compostos podem não existir na sua forma
original, mas talvez sob a forma de produtos de degradação,
que podem ser mais tóxicos que os de origem".
País é líder mundial na produção
de citros
Informações
obtidas por Mariza Campagnolli Chiaradia para sua tese de
doutorado colocam a laranja como uma das frutas mais importantes
cultivadas em solo brasileiro, seja em área plantada
ou colhida, quantidade produzida, valor de produção
ou geração de empregos. Hoje, o Brasil é
o primeiro produtor mundial de citros e o maior exportador
de suco concentrado de laranja.
Se o Sudeste domina 84% da citricultura do país,
isto decorre especialmente da laranja, limão e tangerina
cultivadas pelo Estado de São Paulo, que responde
por 80% da produção da laranja. É uma
concentração que se observa também
em termos de variedade e destino da produção,
com predomínio da laranja Pera, a mais consumida
internamente e que serve bem à indústria de
suco in natura.
Esta configuração da cultura de citrus no
Brasil é um reflexo das sucessivas geadas dos anos
1960 no sul da Flórida, principal região fornecedora
para o mercado interno norte-americano. A enorme demanda
por suco de laranja naquele país motivou a instalação
no Estado de São Paulo de indústrias de suco
concentrado. A exportação de suco vem crescendo
a uma média de 4,9% nos últimos dez anos,
graças ainda às intempéries na Flórida,
atingida agora também por furacões.
Mariza Chiaradia também apresenta números
que justificam a escolha da Murcote como segunda matriz
para os métodos de determinação de
resíduos de agrotóxicos desenvolvidos e validados
no IQ. Do total de citrus produzidos no mundo, as laranjas
doces perfazem 66%, as tangerinas 16%, os limões
e limas ácidas 10,5% e os pomelos 6,5%. Portanto,
a tangerina e seus híbridos são o segundo
grupo em importância comercial. São Paulo exporta
apenas a Murcote, cuja produção tem crescido
a uma taxa anual de 3,8%.
A autora da pesquisa observa que, recentemente, o programa
Brazilian Fruit, que promove as nossas frutas no exterior,
abriu o leque até agora fechado aos Estados Unidos
e à União Europeia, ao eleger como mercados
prioritários os países asiáticos, do
leste europeu, árabes, a Rússia e os latino-americanos.
É interessante a justificativa de que os asiáticos
preferem o suco aos refrigerantes - e que esses países
registram as maiores taxas de crescimento de renda, notadamente
a China.
Igualmente auspicioso é o mercado dos países
árabes, onde não se consome bebidas alcoólicas.
Ou dos países do leste europeu, agora integrados
à União Europeia, onde se espera um aumento
da renda per capita e do consumo de frutas e sucos. Na Rússia,
o crescimento das importações de suco de laranja
concentrado tem superado o registrado para os demais sucos
e, na América Latina, temos parceiros tradicionais
do Brasil, principalmente pela facilidade de distribuição
de mercadorias.
Mais um aspecto destacado por Mariza Chiaradia no sistema
agroindustrial da laranja é o econômico. Ele
oferece emprego direto para mais de 400 mil pessoas, sendo
a atividade principal de 322 municípios paulistas
e 11 mineiros. Também atende a 50% da demanda e 75%
das transações internacionais trazendo, anualmente,
1 bilhão de dólares em divisas para o Brasil,
no centro de uma cadeia produtiva que gera um PIB equivalente
a 5 bilhões de dólares. Segundo pesquisa realizada
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a safra brasileira de laranja em 2008 foi de 18,7
milhões de toneladas.