O
médico radiologista Severino Aires de Araújo Neto lida com
exames no seu dia a dia que concorrem para a conclusão diagnóstica.
Apesar do procedimento já fazer parte de sua rotina, depois
de tantos anos de profissão, ele ainda é surpreendido com
resultados inesperados. Ao analisar algumas tomografias,
ele detectou incidentalmente opacificações dos seios paranasais
de pacientes que a princípio não apresentavam sintomas de
rinossinusite. Essa detecção foi objeto de pesquisa em sua
tese de doutorado, defendida na Faculdade de Ciências Médicas
(FCM), quando foram acompanhados 106 pacientes em toda sua
evolução clínica. Araújo Neto concluiu que os achados incidentais
estavam presentes em mais da metade dos pacientes avaliados
e que eles tinham maior risco de desenvolver sintomas do
trato respiratório superior num futuro imediato.
O tema foi escolhido pelo radiologista por acaso. Estava
em sua residência, em 2001, em São José do Rio Preto, quando
passou a notar anormalidades nos seios paranasais de pacientes
que tinham ido ao serviço de radiologia para fazer tomografia
de crânio por outros motivos neurológicos que nada tinham
a ver com rinossinusite. Observou que isso era muito comum
em crianças e adolescentes.
O radiologista passou a questionar esses pacientes sobre
sintomas de rinossinusite, que surpreendentemente relatavam
não estar acometidos pela doença. Estavam em xeque os principais
achados que radiologistas de todo o mundo consideravam acerca
do diagnóstico da rinossinusite, como opacificação total
e formação de níveis líquidos nos seios. O que essas anormalidades
estavam fazendo em seios paranasais de pacientes sem sintomas
respiratórios?
Com esta pergunta em mente, o radiologista deu início à
pesquisa, a princípio no Hospital de Base, em São José do
Rio Preto, transferindo então seus trabalhos, por ocasião
do início do mestrado, para o Departamento de Pediatria
da Unicamp. Estava buscando respostas para duas questões:
quão frequentes eram os achados incidentais e se os pacientes
sadios no momento do exame tinham maior risco de adoecer
por rinossinusite num futuro imediato, caso apresentassem
anormalidades nos seios paranasais?
O estudo de Araújo Neto, realizado entre 2001 e 2005, serve
como um alerta acerca de critérios diagnósticos da rinossinusite,
assim chamada por causa de um quadro de rinite associado
à sinusite. A doença, conta, caracteriza-se por uma inflamação
da membrana mucosa que reveste a cavidade nasal e os seios
da face. Embora não havendo ainda estatística oficial de
sua incidência na população brasileira, nos Estados Unidos
ela responde por mais de 30 milhões dos casos diagnosticados
por ano, gerando gastos com saúde da ordem de US$5,8 bilhões.
Características
A
tese de Araújo Neto trata do diagnóstico da rinossinusite,
com abordagem dos exames radiológicos como a radiografia
e a tomografia computadorizada. O termo rinossinusite vem
sendo utilizado para substituir o popular sinusite, por
ser consensual que a inflamação não se restringe aos seios
paranasais, atingindo também a cavidade nasal.
O médico explica que, a despeito da doença ser uma infecção
causada por bactérias, geralmente é necessário que os seios
paranasais fiquem mais suscetíveis a tal infecção. Esse
evento, exemplifica, pode ser um resfriado ou uma rinite
alérgica, provocando obstrução nasal, a qual leva ao acúmulo
de secreções. Já os seios paranasais, repletos de secreções,
viram meios propícios à cultura bacteriana.
Os sintomas mais notados na doença, relata ele, são a obstrução
e a secreção nasal. O quadro é muito parecido com gripes
e resfriados, compara. Por esse motivo, em sua opinião,
não é bom fechar o diagnóstico de rinossinusite se os sintomas
não persistirem por pelo menos dez dias. Assim evita-se
que antibióticos sejam aplicados nas infecções virais, o
que somente contribuiria para o surgimento de bactérias
resistentes, salienta.
Conforme Araújo Neto, têm sido muito utilizadas as radiografias
para a sua detecção. Contudo essa conduta vem sendo desencorajada
nas últimas décadas. Alguns médicos, avalia, insistem na
solicitação da tomografia, pela sua excelência em demonstrar
a complexa anatomia óssea da região e as alterações mucosas
que ocorrem na inflamação dos seios paranasais. Araújo Neto
não nega o seu valor, porém defende que os dados mais valiosos
vêm do consultório médico: as queixas do paciente e os sinais
descritos no exame físico. Apenas quando a rinossinusite
se estender por meses, ou se repetir com muita frequência,
é que deve entrar em cena o radiologista. O exame de escolha
nessas ocasiões é a tomografia. Nos casos agudos mais graves,
quando se suspeita que a infecção está se estendendo para
as órbitas oculares ou para o interior do crânio, solicita-se
a ressonância magnética. Essas situações põem em risco a
vida do paciente, esclarece.
Mesmo essa informação sendo difundida no meio acadêmico
atual, as radiografias continuam sendo solicitadas quando
se suspeita de rinossinusite. O problema com as radiografias
é que elas não são acuradas para esse diagnóstico, fato
notório desde a década de 80, quando algumas pesquisas compararam-nas
com a tomografia computadorizada, o padrão-ouro. Provou-se
que, em mais de um terço dos casos, as radiografias apresentavam
falsos resultados, ou seja, eram tidas como positivas, enquanto
a tomografia demonstrava completa normalidade, ou eram negativas,
com tomografias anormais.
Na maioria dos casos, o tratamento cirúrgico não é cogitado,
diz o radiologista, sendo preferível combinar medidas que
visem desobstruir as vias aéreas e fluidificar as secreções,
unidas a antibióticos e antiinflamatórios. A cirurgia é
indicada para os pacientes que não mostrarem resposta aos
medicamentos. Normalmente decorrem de uma obstrução nasal
permanente, devido a pólipos nasais, hipertrofia de adenoides
ou mesmo deformidades anatômicas como um desvio de septo
nasal, descreve.
Foi nesse campo, comenta Araújo Neto, que a tomografia
ganhou mais espaço. Realizar uma cirurgia endoscópica nasossinusal,
tendo em mãos a tomografia do paciente, é como entrar num
labirinto com um mapa. Isso agiliza muito o procedimento,
tornando-o mais eficiente e evitando complicações operatórias
que poderiam ter maior gravidade, como a cegueira, por exemplo.
Resultados e conclusões
A
pesquisa do radiologista consistiu em selecionar crianças
e adolescentes como público-alvo, por serem os mais afetados
pela doença. Foram avaliadas as tomografias do crânio
que haviam sido solicitadas por outros motivos, não relacionados
à rinossinusite, como epilepsia ou retardo de desenvolvimento.
Foram medidas as opacidades sinusais e depois esses pacientes
tiveram acompanhamento com entrevistas semanais durante
o mês que se seguiu ao exame, para flagrar o aparecimento
de eventuais sintomas de rinossinusite.
De fato, confirmou o médico, os achados incidentais na
tomografia estavam em mais da metade dos pacientes. De outra
via, no acompanhamento clínico, comparando pacientes com
seios normais ou com anormalidades discretas com aqueles
que tinham anormalidades sinusais mais intensas, averiguou-se
que estes últimos estiveram mais propensos a desenvolver
sintomas do trato respiratório superior, que poderiam incluir
rinossinusite. Não há outras pesquisas que tenham desenvolvido
esse desenho para verificar o risco de piora clínica desses
pacientes, pontua.
O radiologista enfatiza que não se deve diagnosticar rinossinusite
exclusivamente pelos achados de tomografia, pois anormalidades
podem estar presentes em seios paranasais de crianças totalmente
sadias. Caso contrário, estaríamos correndo o sério risco
de dar falsos diagnósticos de rinossinusite pela tomografia,
explica. Pode ser que tais achados representem não somente
fenômenos inflamatórios ou infecciosos. Podem fazer parte
da fisiologia dessas cavidades, não descarta Araújo Neto.
Além disso, contribui ele, é prudente manter um seguimento
clínico cuidadoso dos pacientes, nos casos em que essas
anormalidades tomográficas são mais intensas, pois eles
apresentam um maior risco de desenvolverem doença do trato
respiratório superior dentro de um curto espaço de tempo.
Quando se mostra que uma radiografia ou tomografia com
anormalidade nos seios da face não implica por si só o diagnóstico
de rinossinusite, evita-se que os pacientes recebam antibióticos
em vão. Com os resultados deste trabalho, acredita o seu
autor, limita-se a exposição desnecessária do paciente aos
efeitos colaterais dos medicamentos, reduz-se o custo do
tratamento e contribui-se para o retardo no desenvolvimento
de resistência bacteriana aos antibióticos.
Cirurgia
combate processo inflamatório
As terapias dirigidas à rinossinusite
tanto partem da esfera medicamentosa quanto cirúrgica.
Os antibióticos de última geração ajudam a driblar
as bactérias resistentes às substâncias mais antigas.
Os antiinflamatórios tópicos, da classe dos corticóides,
delimitam a perpetuação do processo de obstrução do
nariz e das vias de drenagem sinusal, com efeitos
colaterais minimizados, por serem pouco absorvidos
pelo corpo, informa.
Por outro lado, desde a década de
80, a cirurgia feita sob orientação de fibroendoscopia
tem cada vez mais adeptos. Ela emprega aparelhos minúsculos
para penetrar na cavidade nasal e sinusal a fim de
remover os “entulhos” do processo inflamatório e proeminências
ósseas que porventura estiverem estreitando os canais
aéreos.
A fibroendoscopia é menos invasiva
e mais eficaz do que as cirurgias feitas antigamente,
que abriam somente uma comunicação dos seios com a
região sob os lábios, que era antifisiológica. Por
sua vez, a tomografia multidetectores, ou multislice,
conta o radiologista, permite que suas imagens por
meio de computador sejam acopladas aos aparelhos de
endoscopia, ou seja, a navegação orientada pelo mapa
tomográfico passa a ser disponibilizada em tempo real
durante o ato cirúrgico.
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Artigo
Araújo Neto, SA; Baracat, ECE; Felipe, LF. Um novo
escore tomográfico para avaliação de rinossinusite
em crianças. Com aceite na Rev. Bras. Otorrinol.,
2010.
Publicação
Tese de doutorado “Achados tomográficos incidentais
de opacificação sinusal em crianças e adolescentes
e sua evolução clínica”
Autor: Severino Aires de Araújo Neto
Orientação: Emílio Carlos Elias Baracat
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas
(FCM) |