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GEORGES busca novos horizontes
Engenheiro químico pesquisa
produção de álcool combustível no doutorado
Georges E. Rousselet e sua esposa Yvonne desembarcaram no
Brasil, vindos de Paris, em 1931. Traziam pelas mãos uma criança,
Georges, então com quatro anos de idade. A cidade escolhida
pelo casal francês foi o Rio de Janeiro, onde já viviam a
avó paterna e uma tia materna do menino. Começava ali a trajetória,
no Brasil, do engenheiro químico Georges R. Rousselet, que
aos 83 anos está prestes a defender sua tese de doutorado
sobre processamento de álcool na Faculdade de Engenharia Química
(FEQ) da Unicamp.
Até chegar à Unicamp, o doutorando
trabalhou por 45 anos em usinas de açúcar e álcool. Brasileiro
por adoção, Rousselet diz ser “franco-cearense”. Aliás, foi
no Ceará que ele se casou com Yvone, que por coincidência
tinha o mesmo nome de sua mãe, após conhecê-la na cidade fluminense
de Campos dos Goytacazes. A parceria entre este outro Georges
e a outra Yvone foi bem-sucedida – o casal fez bodas de ouro
em 2009. Da união nasceram três filhos, todos de nomes franceses,
como fez questão de enfatizar o engenheiro químico: Monique,
médica anestesista do Hospital da Mulher Professor Doutor
José Aristodemo Pinotti (Caism) da Unicamp; Denise, que é
arquiteta; e Roger, oceanógrafo. Dos filhos, apenas Roger
seguiu caminho similar ao do pai, embora com outra matriz
energética, o petróleo. O oceanógrafo atua em uma empresa
prestadora de serviços para a Petrobrás, investigando em águas
profundas possíveis reservas.
Rousselet, avô de Felipe,
Laetitia e Gregor, disse que não sabe como os pais escolheram
o Brasil “Nunca perguntei. Foi entre as duas guerras. Quem
podia sair, saía, antevia-se que vinha outra guerra pela frente.
Agora, acabou isso. O que causava conflito entre a França
e a Alemanha era o carvão. Este combustível perdeu o valor”,
avalizou. Foi a filha Denise quem o fez voltar à França, 60
anos depois, por ocasião de seu casamento na Suíça. “Eu perdi
o contato com a França, porque houve a ocupação do país, o
que somente terminou em 1945 quando eu já estava com 18 anos.”
Mesmo morando no Brasil desde a primeira infância, Rousselet
não é naturalizado, mas segundo ele, isso não tem importância,
pois sempre se considerou brasileiro de coração. “As minhas
constantes mudanças de endereço complicaram os trâmites, mas
não preciso de oficialização para me considerar brasileiro,
pois não tenho nada de francês.”
A maior parte da trajetória
profissional do doutorando foi itinerante, principalmente
depois de 1969. “Eu trabalhava nas destilarias durante um
ano. Montava os maquinários, esperava a primeira moagem, consertava
tudo o que não estivesse de acordo e vinha embora.” Um dos
fatores de propulsão da carreira de Rousselet foi o Programa
Nacional do Álcool (Proálcool), criado em 1975 com o objetivo
de incrementar a produção brasileira de cana-de-açúcar para
gerar combustíveis automotivos. Durante este período, a esposa
Yvone ficava no Rio de Janeiro, para que os filhos pudessem
estudar sem sujeição às mudanças de endereço.
Rousselet se formou em 1951
na antiga Universidade do Brasil, atualmente Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como químico industrial.
Em 1958, fez uma complementação acadêmica que lhe propiciou
titular-se como engenheiro químico, e registrar-se no Conselho
Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado
do Rio de Janeiro (Crea/RJ). Tão logo saiu da universidade,
começou a trabalhar em usinas de açúcar e álcool, sobretudo
porque a concorrência com outros recém-formados era menor
do que em outras áreas. “Eu fiz estágio num curtume alemão.
Na minha frente havia outras 15 pessoas concorrendo à vaga
de engenheiro químico. No ramo açucareiro sempre tinha um
só para tomar conta da fábrica.”
Outro fator que também contribuiu
para que escolhesse essa área de atuação foi a legislação
da época, que orientava as empresas multinacionais a não contratarem
muitos estrangeiros. “A indústria açucareira era tipicamente
brasileira. Já naquela época havia mais de 300 usinas de açúcar
e álcool no Brasil”, comentou o doutorando. A estrutura familiar
das indústrias do ramo também agradava Rousselet. “As multinacionais
pagam bem, mas você é um número apenas. A demissão pode ocorrer
quando você menos espera. Não é uma posição estável. Já numa
empresa familiar, você tem contato com o dono.”
A primeira empresa em que
Rousselet trabalhou foi a Usina Santa Cruz de Campos dos Goytacazes.
Este foi o seu emprego mais longo, 17 anos. “Eu conhecia todo
mundo, tinha raízes, mas chegou um ponto em que não havia
mais graça”. Relembrou saudoso o tempo em que viveu na cidade,
sede da usina. Foram 25 anos morando no município, o maior
do interior fluminense. “Era uma cidade agradável, havia muito
calor humano. Eu era conhecido, mas hoje quase todas as usinas
de lá fecharam”. O engenheiro químico contou que decidiu se
mudar com a família para a capital do estado, porque era mais
vantajoso comprar um apartamento na planta no Rio de Janeiro
do que uma casa no interior. “Mesmo assim o que era para ficar
pronto em dois anos, levou dez”. Após sair da Usina Santa
Cruz, Rousselet trabalhou em São Paulo. E de lá para cá atuou
ora como engenheiro químico autônomo ora como gerente industrial,
chefe de produção, assistente técnico, assessor ou consultor
em 15 usinas nos estados de Mato Grosso, Espírito Santo, Minas
Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. À formação que já possuía,
Rousselet ainda agregou na década de 1980 um curso universitário
de Administração.
A aposentadoria, de fato,
somente aconteceu aos 70 anos. E dois anos depois, em 1997,
Rousselet se lançou na área acadêmica. O mestrado, realizado
no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da
Fonseca do Rio de Janeiro (Cefet/RJ), abordava formas de se
ampliar o controle, a qualidade e as tecnologias que tornavam
a fermentação do álcool combustível menos suscetível a imperfeições.
Os motivos que o levaram a fazer o mestrado não são diletantes
– na verdade, confessou o doutorando, resolveu estudar para
não ficar inativo. “Os meus colegas estavam morrendo... Eu
pensei que, se ficasse parado, iria morrer também. Quando
estou no Rio de Janeiro, por exemplo, pego o jornal e a primeira
coisa que leio é o obituário, para ver se foi mais algum.
Aí resolvi fazer o mestrado e o doutorado para melhorar o
epitáfio”, brincou.
Em sua pesquisa de doutorado
na Unicamp, Rousselet está fazendo um levantamento das condições
de acompanhamento de produção do álcool combustível. Ele também
propõe a utilização de sensores inteligentes já existentes
no mercado para controlar este processo. O engenheiro químico
relembrou que, com a instituição da produção continuada nas
indústrias do setor, um erro pode ser percebido somente quando
o álcool já está em uma etapa de processamento mais avançada.
“Quando se usava o sistema de operação por batelada, isto
é corrigindo dorna [recipiente usado para fermentação] por
dorna, era mais fácil controlar a qualidade, mas a produtividade
era menor. É a mesma diferença de você costurar com a mão
ou à máquina.” O doutorando frisou que o controle deve ser
rápido e eficaz. “Se a correção não for instantânea, o processo
prosseguirá defeituoso até acertar, prejudicando a qualidade
da produção.”
A troca de idéias e a interação
de Rousselet com professores e alunos da FEQ têm sido uma
constante desde 2004, quando ingressou na Unicamp. “Os meus
professores são da idade dos meus filhos, e os meus colegas
são da idade dos meus netos”, destacou. Com o orientador de
sua pesquisa, Flávio Vasconcelos da Silva, professor da FEQ,
Rousselet salientou ter grande afinidade. Ele foi colega de
Mauro Taveira Magalhães, um dos fundadores do Departamento
de Engenharia Química da Universidade Federal de Sergipe (UFS),
onde Silva se formou em 1994. A esposa Yvone continua no Rio
de Janeiro e, para não desagradar a mulher, o engenheiro químico
está sempre viajando por via aérea, entre o Rio de Janeiro
e Campinas. Ansioso, aguarda somente a defesa da tese para
ficar mais no Rio de Janeiro, sem abandonar Campinas, onde
tem raízes de ordem profissional, além de família e muitos
amigos.
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