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Para além do placar (e do patrocinador)
Larissa
Rafaela Galatti jogou basquete dos 11 aos 27 anos. Conviveu
com as categorias de base do esporte profissional e com a
imprevisibilidade dos patrocínios nas equipes em que foi jogadora.
Ingressou na Universidade e tomou o basquete como objeto de
estudo. Além de ser pesquisadora hoje, leciona em três universidades
da região de Campinas e, ao defender o doutorado na Faculdade
de Educação Física (FEF), sustentou a ampliação da perspectiva
do esporte para além da equipe profissional, com valorização
das categorias de base e das atividades para construção de
uma massa social da qual se possa tirar sustento. A pesquisa
envolve um estudo de caso do clube espanhol Basket Coruña
que, em sua opinião, pode ser extrapolado para outras modalidades
esportivas que vivem exclusivamente do esperado patrocínio.
Orientada pelo também ex-jogador
de basquete e professor da FEF Roberto Paes, a pesquisadora
abordou em sua tese a evolução do esporte desde o seu surgimento,
no final do século XVIII. Descreveu a pluralização que o fenômeno
viveu até aqui e, em paralelo, o papel que o clube teve no
processo de formação do esporte e de seu fomento. Galatti
conta que sondou o panorama do esporte brasileiro. “Também
observei a sua evolução, ao pluralizar os seus significados,
ao dar relevo aos personagens que participam desse contexto
e ao destacar os cenários em que ele está presente.”
Por outro lado, analisando
os clubes brasileiros, Galatti percebeu um quadro contrário.
“Ao mesmo tempo em que eles se mantiveram fiéis à tradição,
sustentaram o amadorismo nas gestões. Não tinham sequer notado
esta transformação tão emergente e complexa”, lamenta. Enquanto
o esporte cresceu, o clube insistiu em fincar suas raízes
e já não deu mais conta de ofertá-lo no modelo de federação,
com as competições e os atletas se profissionalizando. Na
década de 80, os clubes começaram a entrar em crise.
Até hoje o Brasil parece não
ter encontrado um jeito de fortalecer os clubes ou uma fórmula
para ficarem menos endividados. “Não temos modelos alternativos
que não sejam os clubes, que acabam mantendo a tradição de
ter a federação. As ligas profissionais não têm muita liberdade
e este proceder dificulta o crescimento do esporte no país”,
avalia Galatti. “O conceito de clube socioesportivo é mais
amplo do que se pensa. Ele foi fundado como uma associação
civil sem fins lucrativos. Só que a legislação brasileira
não foi tão explícita ao tratar dos clubes profissionais,
e esta é uma primeira dificuldade”, aborda a pesquisadora.
Os clubes então se mantêm como associações civis sem fins
lucrativos, embora alguns atuando de forma profissional, contextualiza.
Por
que o clube é social esportivo? Galatti explica que é porque
no Brasil não se dá ênfase para o clube apenas de esporte:
ele tem festas, salão social e outras atividades. “Então este
termo socioesportivo se torna mais adequado. E, dentro das
várias atividades, tem o esporte”, situa Galatti. Os sócios
que compõem o clube elegem a diretoria e, em geral, os eleitos
são pessoas sem formação no esporte. Por esse motivo, Galatti
é favorável à inserção de profissionais balizados nos clubes,
advindos dos cursos de Educação Física, por oferecerem disciplinas
para tal formação.
A ideia no passado era formar
equipes para ganhar. Atualmente esta realidade não tem sido
suficiente: “porque vamos formar equipes para ganhar, mas
também é preciso ter pessoas que assistam aos jogos e que
construam uma massa social que justifique investimentos nessa
equipe e, a partir disso, criar outros produtos como as categorias
de base e as atividades de lazer”.
Galatti apoia a visão de um
esporte mais amplo. “Agora como será possível atuar pedagogicamente
sem conhecer o fenômeno e a sua amplitude?”, questiona. “Temos
na FEF a licenciatura, que é mais voltada à escola, e o bacharelado,
que leva o profissional para os clubes e espaços como prefeituras,
academias, ONGs, hospitais, etc.”, conta. O curso de Ciências
do Esporte, recém-lançado na Faculdade de Ciências Aplicadas
(FCA), em Limeira, é outra contribuição em termos de profissionalização.
Estudo de caso
Enquanto Galatti passava a
ter percepção desse pano de fundo, surgiu uma oportunidade
de fazer um programa de intercâmbio de mobilidade estudantil
na Espanha, patrocinado pelo Banco Santander e pela Coordenadoria
de Relações Institucionais e Internacionais (Cori) da Unicamp.
Permaneceu sete meses em La Coruña, na região da Galícia,
na Universidade da Coruña. Ao chegar lá, conheceu a trajetória
do clube Basket Coruña e levou em sua bagagem a experiência
do basquete brasileiro, onde jogou em times de grande projeção
de Campinas, Americana e Paulínia.
De acordo com Galatti, na
Espanha, nacionalmente, havia cinco ligas profissionais quando
ela iniciou a pesquisa: a Liga ACB, que era a mais profissionalizada
(depois do basquete americano, ela é a liga mais forte do
mundo); a liga LEB, que era uma intermediária, que se divide
em Ouro, Prata e Bronze (aí já são três); e a liga EBA. O
Basket Coruña estava na LEB Prata”, informa.
Esse clube tinha patrocinadores
e parceria com a prefeitura. No entanto, o basquete não era
um projeto que dependia de patrocinador, como muitas vezes
acontece no Brasil, em que a empresa vem à frente do próprio
clube. Os dirigentes conseguiram diversificar a sua oferta
mediante algumas frentes: a primeira tinha a ver com a equipe
principal, que é o grande chamariz. Nas categorias de base,
a segunda frente, faziam-se peneiras para selecionar os melhores
e ao mesmo tempo proporcionar espaço para todos jogarem basquete.
Montaram-se categorias de base com jogadores muito bons, para
formar equipes preparadas para os títulos, e com jogadores
não tão bons.
Na verdade, o Basket Coruña
deixou de fazer as peneiras e passou a aceitar todos os interessados
em jogar basquete em suas equipes de base. Ao invés de selecionar
crianças para o basquetebol, permitiu o acesso ao basquete
para um maior número de crianças. A partir do grande número
de jogadores, criaram-se critérios internos para a organização
das equipes.
Mas como atrair pessoas para
o clube? Eles criaram uma terceira estratégia – as atividades-extras,
que incluíam torneios de três contra três nas praças públicas
da cidade, acampamentos de basquete com atividades específicas
para a prática do esporte e promoção do turismo esportivo
para assistir a jogos de basquete. Galatti lembra que até
os jogadores profissionais iam para as escolas oferecer oficinas
para as crianças. Isso constava do seu contrato de trabalho.
O município cedia o ginásio
para os treinos, o clube tinha um grande patrocinador para
a equipe principal e vários patrocinadores pequenos, que financiavam
as atividades e as categorias de base. Esse clube trabalhava
exclusivamente com basquete, não ofertando outras modalidades.
Com esse trabalho inovador, o Basket Coruña foi recentemente
premiado como o melhor clube de esporte de base da Galícia.
Paradigma
A jogadora garante que viu
muitas novidades nesse clube da Espanha que servem como lição
para outros países. Reuniu conteúdo para a sua análise
no Brasil e na Espanha. Buscou verificar o percurso do clube
ao longo do esporte moderno e contemporâneo, o que o clube
mudou dentro da estrutura brasileira, de que forma o esporte
contribuiu para o clube crescer e como ele poderia contribuir
com uma cultura esportiva mais avançada.
Depois de compreender a dinâmica
do Basket Coruña, ancorada em extensa revisão bibliográfica,
Galatti notou a valorização da interdependência entre equipe
principal, categoria de base e população. “Não se trata
apenas de divulgar um patrocinador. É preciso criar raízes
para multiplicar os produtos do clube e os valores sociais,
não só valores comerciais.”
Contudo esse não é um resumo
do esporte, acentua Galatti. “Não se pode esquecer que o clube
tem origem num grupo social que se organizou a partir de interesses
em comum”, enfatiza. Neste caso, além do resultado esportivo,
espera-se que se compreenda o esporte como um fenômeno plural,
valorado socialmente, com possibilidades e contribuição para
esta formação cidadã. “Para isso, é preciso ter uma gestão
profissional, ampliar os produtos sociais, aumentar os produtos
econômicos e respeitar os valores e a filosofia de cada clube.
Isso colabora com sua identidade e para que o basquete seja
um esporte sustentável.”
Contribuições
No Brasil, os clubes têm mais
de 13 milhões de pessoas associadas, de acordo com dados atuais
da Confederação Brasileira de Clubes (CBC). Galatti comenta
que a sua pesquisa permitiu-lhe construir um método de estudo
do clube, a partir de um case e de entrevistas semiestruturadas.
Ao vivenciar o clube espanhol, a pesquisadora entrou lá como
técnica, tendo por objetivo acompanhar uma equipe infantil.
Aproveitou para participar das atividades-extras e conhecê-lo
internamente. Entrevistou 13 pessoas, entre dirigentes, técnicos,
presidentes e vice-presidentes de toda a história do clube,
criado em 1996.
Galatti empregou três entrevistas:
dos atuais presidente, vice e gerente esportivo, pelo fato
deles conseguirem dar-lhe a dimensão completa do clube. Foi
interessante ver, opina, que é possível haver uma interface
entre equipe profissional, categorias de base e a população
quando se democratiza o acesso ao esporte. “Esta é uma lição
que eles trazem ao Brasil. Nossa história parecia muito com
a deles no início. Isso significa que é possível a mudança.
Compreenderam que as pessoas vão sustentar o clube com carinho,
com torcida, comprando uniforme e ingresso ou pagando para
ter aula.”
Quando os atuais dirigentes
assumiram o clube em 2004, o Basket Coruña estava três categorias
abaixo e tinha 110 crianças inscritas na Federação. Quando
Galatti realizou a pesquisa, em 2009, já eram 412 crianças
federadas no clube. Para ela, o intercâmbio na Espanha foi
fundamental, por ter conhecido um cenário diferente do brasileiro,
para o qual não se falava ainda de uma alternativa.
Publicação
Tese de doutorado “Esporte e clube socioesportivo: percurso,
contextos e perspectivas a partir de um estudo de caso
em clube esportivo espanhol”
Autora: Larissa Rafaela Galatti
Orientador: Roberto Rodrigues Paes
Unidade: Faculdade de Educação Física
(FEF)
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