Untitled Document
PORTAL UNICAMP
4
AGENDA UNICAMP
3
VERSÃO PDF
2
EDIÇÕES ANTERIORES
1
 
Untitled Document
 



Para além do placar (e do patrocinador)

Larissa Rafaela Galatti, autora da tese, na FEF e ao lado de jogadores do Basket Coruña: valores sociais (Foto: Antonio Scarpinetti)Larissa Rafaela Galatti jogou basquete dos 11 aos 27 anos. Conviveu com as categorias de base do esporte profissional e com a imprevisibilidade dos patrocínios nas equipes em que foi jogadora. Ingressou na Universidade e tomou o basquete como objeto de estudo. Além de ser pesquisadora hoje, leciona em três universidades da região de Campinas e, ao defender o doutorado na Faculdade de Educação Física (FEF), sustentou a ampliação da perspectiva do esporte para além da equipe profissional, com valorização das categorias de base e das atividades para construção de uma massa social da qual se possa tirar sustento. A pesquisa envolve um estudo de caso do clube espanhol Basket Coruña que, em sua opinião, pode ser extrapolado para outras modalidades esportivas que vivem exclusivamente do esperado patrocínio.

Orientada pelo também ex-jogador de basquete e professor da FEF Roberto Paes, a pesquisadora abordou em sua tese a evolução do esporte desde o seu surgimento, no final do século XVIII. Descreveu a pluralização que o fenômeno viveu até aqui e, em paralelo, o papel que o clube teve no processo de formação do esporte e de seu fomento. Galatti conta que sondou o panorama do esporte brasileiro. “Também observei a sua evolução, ao pluralizar os seus significados, ao dar relevo aos personagens que participam desse contexto e ao destacar os cenários em que ele está presente.”

Por outro lado, analisando os clubes brasileiros, Galatti percebeu um quadro contrário. “Ao mesmo tempo em que eles se mantiveram fiéis à tradição, sustentaram o amadorismo nas gestões. Não tinham sequer notado esta transformação tão emergente e complexa”, lamenta. Enquanto o esporte cresceu, o clube insistiu em fincar suas raízes e já não deu mais conta de ofertá-lo no modelo de federação, com as competições e os atletas se profissionalizando. Na década de 80, os clubes começaram a entrar em crise.

Até hoje o Brasil parece não ter encontrado um jeito de fortalecer os clubes ou uma fórmula para ficarem menos endividados. “Não temos modelos alternativos que não sejam os clubes, que acabam mantendo a tradição de ter a federação. As ligas profissionais não têm muita liberdade e este proceder dificulta o crescimento do esporte no país”, avalia Galatti. “O conceito de clube socioesportivo é mais amplo do que se pensa. Ele foi fundado como uma associação civil sem fins lucrativos. Só que a legislação brasileira não foi tão explícita ao tratar dos clubes profissionais, e esta é uma primeira dificuldade”, aborda a pesquisadora. Os clubes então se mantêm como associações civis sem fins lucrativos, embora alguns atuando de forma profissional, contextualiza.

Garotos da base do Basket Coruña na quadra e a torcida: acesso ao basquete para um maior número de crianças (Fotos: Divulgação)Por que o clube é social esportivo? Galatti explica que é porque no Brasil não se dá ênfase para o clube apenas de esporte: ele tem festas, salão social e outras atividades. “Então este termo socioesportivo se torna mais adequado. E, dentro das várias atividades, tem o esporte”, situa Galatti. Os sócios que compõem o clube elegem a diretoria e, em geral, os eleitos são pessoas sem formação no esporte. Por esse motivo, Galatti é favorável à inserção de profissionais balizados nos clubes, advindos dos cursos de Educação Física, por oferecerem disciplinas para tal formação.

A ideia no passado era formar equipes para ganhar. Atualmente esta realidade não tem sido suficiente: “porque vamos formar equipes para ganhar, mas também é preciso ter pessoas que assistam aos jogos e que construam uma massa social que justifique investimentos nessa equipe e, a partir disso, criar outros produtos como as categorias de base e as atividades de lazer”.

Galatti apoia a visão de um esporte mais amplo. “Agora como será possível atuar pedagogicamente sem conhecer o fenômeno e a sua amplitude?”, questiona. “Temos na FEF a licenciatura, que é mais voltada à escola, e o bacharelado, que leva o profissional para os clubes e espaços como prefeituras, academias, ONGs, hospitais, etc.”, conta. O curso de Ciências do Esporte, recém-lançado na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), em Limeira, é outra contribuição em termos de profissionalização.

Estudo de caso

Enquanto Galatti passava a ter percepção desse pano de fundo, surgiu uma oportunidade de fazer um programa de intercâmbio de mobilidade estudantil na Espanha, patrocinado pelo Banco Santander e pela Coordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori) da Unicamp. Permaneceu sete meses em La Coruña, na região da Galícia, na Universidade da Coruña. Ao chegar lá, conheceu a trajetória do clube Basket Coruña e levou em sua bagagem a experiência do basquete brasileiro, onde jogou em times de grande projeção de Campinas, Americana e Paulínia.

De acordo com Galatti, na Espanha, nacionalmente, havia cinco ligas profissionais quando ela iniciou a pesquisa: a Liga ACB, que era a mais profissionalizada (depois do basquete americano, ela é a liga mais forte do mundo); a liga LEB, que era uma intermediária, que se divide em Ouro, Prata e Bronze (aí já são três); e a liga EBA. O Basket Coruña estava na LEB Prata”, informa.

Esse clube tinha patrocinadores e parceria com a prefeitura. No entanto, o basquete não era um projeto que dependia de patrocinador, como muitas vezes acontece no Brasil, em que a empresa vem à frente do próprio clube. Os dirigentes conseguiram diversificar a sua oferta mediante algumas frentes: a primeira tinha a ver com a equipe principal, que é o grande chamariz. Nas categorias de base, a segunda frente, faziam-se peneiras para selecionar os melhores e ao mesmo tempo proporcionar espaço para todos jogarem basquete. Montaram-se categorias de base com jogadores muito bons, para formar equipes preparadas para os títulos, e com jogadores não tão bons.

Na verdade, o Basket Coruña deixou de fazer as peneiras e passou a aceitar todos os interessados em jogar basquete em suas equipes de base. Ao invés de selecionar crianças para o basquetebol, permitiu o acesso ao basquete para um maior número de crianças. A partir do grande número de jogadores, criaram-se critérios internos para a organização das equipes.

Mas como atrair pessoas para o clube? Eles criaram uma terceira estratégia – as atividades-extras, que incluíam torneios de três contra três nas praças públicas da cidade, acampamentos de basquete com atividades específicas para a prática do esporte e promoção do turismo esportivo para assistir a jogos de basquete. Galatti lembra que até os jogadores profissionais iam para as escolas oferecer oficinas para as crianças. Isso constava do seu contrato de trabalho.

O município cedia o ginásio para os treinos, o clube tinha um grande patrocinador para a equipe principal e vários patrocinadores pequenos, que financiavam as atividades e as categorias de base. Esse clube trabalhava exclusivamente com basquete, não ofertando outras modalidades. Com esse trabalho inovador, o Basket Coruña foi recentemente premiado como o melhor clube de esporte de base da Galícia.

Paradigma

A jogadora garante que viu muitas novidades nesse clube da Espanha que servem como lição para outros países. Reuniu conteúdo para a sua análise no Brasil e na Espanha. Buscou verificar o percurso do clube ao longo do esporte moderno e contemporâneo, o que o clube mudou dentro da estrutura brasileira, de que forma o esporte contribuiu para o clube crescer e como ele poderia contribuir com uma cultura esportiva mais avançada.

Depois de compreender a dinâmica do Basket Coruña, ancorada em extensa revisão bibliográfica, Galatti notou a valorização da interdependência entre equipe principal, categoria de base e população. “Não se trata apenas de divulgar um patrocinador. É preciso criar raízes para multiplicar os produtos do clube e os valores sociais, não só valores comerciais.”

Contudo esse não é um resumo do esporte, acentua Galatti. “Não se pode esquecer que o clube tem origem num grupo social que se organizou a partir de interesses em comum”, enfatiza. Neste caso, além do resultado esportivo, espera-se que se compreenda o esporte como um fenômeno plural, valorado socialmente, com possibilidades e contribuição para esta formação cidadã. “Para isso, é preciso ter uma gestão profissional, ampliar os produtos sociais, aumentar os produtos econômicos e respeitar os valores e a filosofia de cada clube. Isso colabora com sua identidade e para que o basquete seja um esporte sustentável.”

Contribuições

No Brasil, os clubes têm mais de 13 milhões de pessoas associadas, de acordo com dados atuais da Confederação Brasileira de Clubes (CBC). Galatti comenta que a sua pesquisa permitiu-lhe construir um método de estudo do clube, a partir de um case e de entrevistas semiestruturadas. Ao vivenciar o clube espanhol, a pesquisadora entrou lá como técnica, tendo por objetivo acompanhar uma equipe infantil. Aproveitou para participar das atividades-extras e conhecê-lo internamente. Entrevistou 13 pessoas, entre dirigentes, técnicos, presidentes e vice-presidentes de toda a história do clube, criado em 1996.

Galatti empregou três entrevistas: dos atuais presidente, vice e gerente esportivo, pelo fato deles conseguirem dar-lhe a dimensão completa do clube. Foi interessante ver, opina, que é possível haver uma interface entre equipe profissional, categorias de base e a população quando se democratiza o acesso ao esporte. “Esta é uma lição que eles trazem ao Brasil. Nossa história parecia muito com a deles no início. Isso significa que é possível a mudança. Compreenderam que as pessoas vão sustentar o clube com carinho, com torcida, comprando uniforme e ingresso ou pagando para ter aula.”

Quando os atuais dirigentes assumiram o clube em 2004, o Basket Coruña estava três categorias abaixo e tinha 110 crianças inscritas na Federação. Quando Galatti realizou a pesquisa, em 2009, já eram 412 crianças federadas no clube. Para ela, o intercâmbio na Espanha foi fundamental, por ter conhecido um cenário diferente do brasileiro, para o qual não se falava ainda de uma alternativa.

 

Publicação
Tese de doutorado “Esporte e clube socioesportivo: percurso, contextos e perspectivas a partir de um estudo de caso em clube esportivo espanhol”

Autora: Larissa Rafaela Galatti

Orientador: Roberto Rodrigues Paes

Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)

 

 
 
Untitled Document
 
Untitled Document
Jornal da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas / ASCOM - Assessoria de Comunicação e Imprensa
e-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP