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Saberes em rede

No “Jardim dos Letramentos”, é possível aprender, mesmo quando se pensa que não há mais tempo. É possível se inserir e convergir. É possível, antes de mais nada, passar por uma transformação de letramento, não somente verbal – também da linguagem e dos elementos semióticos, com vídeo e com imagens de movimentos. Com essa proposta, um grupo de idosos de 60 a 83 anos da cidade de Campanha, Minas Gerais, mostrou que é possível fazer sim parte da cultura digital contemporânea com uma atitude mais crítica e criativa. Possibilitar é um dos verbos mais conjugados no projeto “No Jardim dos Letramentos: tomadas de consciência e poéticas em rede na cultura da convergência”.

Foi o que concluiu o artista visual Ivan Ferrer Maia em sua tese de doutorado defendida no Instituto de Artes (IA), orientada pelo professor José Armando Valente, responsável pela linha de pesquisa informática e educação. Ocorre que o conhecimento sozinho, pontua ele, não pode efetuar transformação sem uma tomada de consciência: enxergando o mundo e passando a agir de outra maneira. Por outro lado ainda, somente a consciência não adianta. É preciso ter outros atributos como um ambiente e um contexto favorável para promover esse processo, somar recursos material, político, logístico e institucional, além de interesse”, desvela.

O projeto partiu do pressuposto de que os avaliados não tinham conhecimento sobre o uso do computador, explica o pesquisador. “O contato máximo que tinham com o equipamento era limpar o pó dele, porque tinham medo de estragá-lo ao apertar alguma tecla”, conta Ivan Maia. A pesquisa, realizada de 2007 a 2010, avaliou ambos os sexos. As atividades foram desenvolvidas no Laboratório de Informática das Faculdades Integradas Paiva de Vilhena, com apoio de mediadores bolsistas da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), que fica localizada próxima de onde vive essa comunidade.

O projeto teve financiamento do Fundo de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e durou três anos, contando com a dedicação de oito bolsistas que atuaram sempre com o mesmo grupo, o qual se mostrou interessado desde o princípio. O artista visual já fazia alguns trabalhos computacionais para esse pessoal em grupos abertos. Depois, estendeu o projeto para atividades fora do computador e foi percebendo que daria para trabalhar com uma estratégia diferenciada para que eles se apropriassem dessa tecnologia a partir da sua própria vivência.

Os idosos não demonstraram disposição em se capacitar profissionalmente para o ingresso no mercado de trabalho. O objetivo era se fazerem mais presentes no mundo dos filhos e dos netos. Conforme o Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI), em 2009, 39% da população brasileira com mais de dez anos de idade era usuária de Internet, ou seja, 63,9 milhões de brasileiros. No entanto, o público idoso era o que menos acessava (apenas 13%), por não ter computador e por não saber manuseá-lo.

O perfil do usuário brasileiro que utiliza as novas tecnologias é adolescente ou adulto jovem, predominantemente das classes A ou B, com formação universitária, residente em áreas urbanas. Os dados da Pesquisa do CGI.br permitem retratar também o perfil dos possíveis excluídos desse cenário: a população de meia-idade e de idosos, pertencentes a classes menos privilegiadas, analfabetos ou com a educação formal mínima, residente na área rural da região Nordeste brasileira.

Como construir letramentos com esse público excluído da convergência digital? O pesquisador empregou na sua tese o termo letramentos no plural, para conferir-lhe uma conotação sobre as múltiplas linguagens que os indivíduos apropriam-se, as quais contribuem para a compreensão de outras linguagens de forma mais convergente. Ele relata que em seu mestrado abordou a multimídia com agentes comunitários de saúde, tendo como eixo comum com o doutorado o fato de trabalhar com públicos excluídos. Os letramentos, define Ivan Maia, são as apropriações dessas linguagens para participar do mundo e transformar a própria realidade em que eles se autoenxergam e enxergam o mundo.

Atividades

A investigação também envolveu atividades de jardim e de artesanato, pelo fato de os idosos as apreciarem muito. O autor do trabalho conta que aproveitou para traçar as fases desses letramentos. A primeira foi imaginada com a finalidade de ajudar a desmistificar o computador. Isso porque os idosos apresentavam fetiche pelo equipamento. Para eles, era muito caro e estragava facilmente. Era uma insegurança que causava dependência exagerada dos mediadores. Queriam repetir as suas ações. “Tiveram então que romper com essa repetição e insegurança. Foi um treino”, comenta Ivan Maia.

Após superarem a insegurança, os participantes puderam utilizar jogos e buscar entretenimento. A proposta era fazer algo para eles sorrirem e serem mais despojados. Começaram a trabalhar melhor a parte sensório-motora – de manusear o mouse, localizar o cursor, dar dois cliques. O artista visual chamou essa fase de pré-letramento primário e de adaptação sensório-motora, já que as funções sensoriais são as mais afetadas no processo de envelhecimento, com declínio da visão e falta de firmeza das mãos e pernas.

Depois, eles foram avançando com a participação dos mediadores, para promover um salto mais qualitativo, sem se restringir ao entretenimento. Começaram a fazer redes sociais, acessando o e-mail e ingressando no universo de informações da internet. Passaram a enviar e-mails para a televisão e para os programas que mais apreciavam. Iniciaram acesso ao orkut para encontrar parentes que há muito não viam e para conversar com os netos que moram longe. Ganharam um contato mais estreito com a faixa etária mais jovem. Perceberam que poderiam economizar dinheiro trocando informações pelo computador. Esta fase o autor da tese chamou de mediana.

Houve ainda uma fase superior, a dos letramentos avançados, quando eles passaram a produzir conteúdos para a internet, exibindo o seu artesanato através de filmagens, em que explicavam como eles faziam, ou alguma receita culinária que inseriam no sistema Vila na Rede, uma rede social inclusiva criada por pesquisadores da Unicamp, e no orkut. Assim passaram a ser produtores de conteúdos. “Para quem mal sabia utilizar o computador, este foi um grande avanço”, afirma Ivan Maia.

O pesquisador comparou esse crescimento ao de uma flor, na mesma linha de abordagem do jardim. “O início eu chamei de raiz e, a adaptação, de pedúnculo (o caule da flor) que, embora com a raiz escondida, começava a se adaptar ao mundo e, no caso, ao mundo dessas redes das quais estiveram distanciados. Depois do receptáculo, veio a parte verde antes da flor, a qual chamou de tomada de consciência, quando eles notaram que poderiam empregar os conhecimentos em prol da própria vida até chegar ao nascimento da flor, que foi quando eles passaram a ser produtores de conteúdo”, descreve.

Ivan Maia colaborou com as atividades e coordenou o trabalho dos bolsistas, verificando o que estava dando certo e errado, as estratégias e os procedimentos de ações de letramentos que poderiam avançar. Ele salienta que um dos participantes do projeto era analfabeto. Por isso, o grupo teve que efetuar um trabalho de alfabetização paralelamente.

O nome do projeto emergiu dos idosos. “Poéticas em rede envolvem o processo de criação, pois eles passaram a construir e a criar conteú­dos para a internet. Muitos faziam crochê em casa e levavam para os colegas verem durante as atividades. Depois debatiam e passavam as noções do trabalho. Ao terminarem o produto, muitos o disponibilizavam no site Vila na Rede, mais para divulgação do que propriamente para venda”, revela o autor da tese.

As atividades tinham duração de uma hora, três vezes por semana. No primeiro ano, as atividades aconteceram de manhã e, no segundo e no terceiro, à tarde. Os participantes escolheram os horários e também receberam diploma de conclusão do curso, ocasião em que foram homenageados.

Uma pessoa que trabalhou com material reciclado gravou o artesanato com apoio dos mediadores, ensinando como se fazia uma bolsa. Ela tinha 83 anos. Divulgou este conteúdo e muita gente retribuiu sua comunicação tentando tirar dúvidas com ela.

No final do projeto, vários idosos compraram computadores ou ganharam de presente da família. Alguns optaram até pelos modernos notebooks. A renda dessa população, lembra Ivan Maia, não ultrapassava a faixa de dois salários mínimos. E tinham no máximo a sexta série do Ensino Fundamental.

As implicações do desenvolvimento de letramentos para os participantes idosos foram buscar informações, potencializar a comunicação, aumentar a rede social, aproximar-se das gerações mais novas, para entretenimento, auxiliar na aprendizagem, divulgar produtos, produzir conteúdos, auxiliar na economia, preservar a memória, atuar como multiplicadores e aumentar a sua autoestima.

O artista visual admite que trabalhar com o público idoso pode até exigir mais envolvimento, mas que o resultado foi extremamente positivo. Pretende dar continuidade às ações, o que muito dependerá de financiamento. “O que nos alegra é que o nosso trabalho já está servindo de referência a outros. Aprendemos muito com eles. Nós é que acabamos sendo transformados, pelo próprio modo de entender o processo, as categorias de desenvolvimento e tudo o mais”, comemora Ivan Maia.

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■ Publicação

Tese: “No Jardim dos Letramentos: tomadas de consciência e poéticas em rede na cultura da convergência”
Autor: Ivan Ferrer Maia
Orientador: José Armando Valente
Unidade: Instituto de Artes (IA)
Financiamento: Fapemig

 



 
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