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Hidrogel associado a nanopartículas de
carbono pode substituir cartilagem
Bióloga testa na FCM biomateriais
compostos em ratos com lesões
Devido à sua condição avascular,
a cartilagem articular apresenta baixa capacidade de auto-reparação
e, quando lesada, dificilmente se regenera. Atualmente, há
grande interesse no desenvolvimento de materiais e de suas
aplicações, sustentadas por técnicas de engenharia tecidual,
que possam substituir e até estimular a regeneração da cartilagem
articular. Com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento
desses materiais, pesquisas são desenvolvidas no Laboratório
de Biomateriais em Ortopedia, do Núcleo de Medicina Experimental
da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. A bióloga Ana
Amélia Rodrigues testou biomateriais compostos de hidrogel
de polivinil álcool em ratos com lesões na cartilagem articular.
Os
resultados do estudo, que fundamentaram tese de doutorado
defendida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação
(Feec), indicam que o hidrogel de polivinil álcool puro, quando
recebe a adição de nanopartículas de carbono, pode ser um
excelente substituto da cartilagem articular, também chamada
hialina. O trabalho avalia o uso do hidrogel de polivinil
álcool associado a duas diferentes nanopartículas de carbono
quando implantado em defeitos osteocondrais de ratos Wistar.
Com caráter interdisciplinar, o estudo foi orientado pelo
engenheiro elétrico Vitor Baranauskas e coorientado pelo médico
ortopedista William Dias Belangero, professores da Unicamp.
Recebeu financiamento do CNPq, Fapesp e da Capes e contou
com a colaboração do Laboratório Nacional de Luz Síncrontron.
Belangero explica que a cartilagem
é formada por um emaranhado de fibras de colágeno do tipo
II, proteína abundante no corpo. Entre essas fibras, há um
gel ou substância fundamental amorfa formada por macromoléculas
de proteoglicanas, cuja parte central é protéica e de onde
se originam moléculas de glicosaminoglicanas com cargas elétricas.
Esta estrutura se mantém armada, a exemplo de uma esponja,
mas com orientação espacial precisa. A cartilagem absorve
e mantém, em sua malha, água e outros fluidos que mantêm a
cartilagem ainda mais resistente à deformação. Por sua vez,
o hidrogel é um polímero reticulado, que tem a capacidade
de absorver água e que a expele quando pressionado. De certa
forma, diz ele, o hidrogel mimetiza a cartilagem, embora de
forma muito menos sofisticada.
O hidrogel assemelha-se a
um plástico que se torna flexível ao absorver água, conferindo-lhe
propriedades que permitem utilizá-lo na substituição da cartilagem
e que, além disso, permite a circulação dos fluidos corpóreos.
Ao receber nanopartículas de carbono, diz o professor, suas
propriedades mecânicas aproximam-se do desejável: grande resistencia
à abrasão e coeficiente de atrito na superfície muito próxima
da cartilagem. Embora esse coeficiente seja ainda dez vezes
maior que o da cartilagem, o pesquisador lembra que o melhor
material utilizado hoje tem coeficiente cem vezes maior que
a mesma. O material apresenta também uma complacência muito
boa que é a propriedade de se deformar e voltar à forma primitiva,
ou seja, a cartilagem da superfície oposta passa sobre ele
como em uma cartilagem natural. Para o médico essas propriedades
é que levaram os pesquisadores a distinguir o material. “O
que nos interessava era saber a sua resistência ao atrito,
à abrasão, porque sua função é a de substituir a cartilagem”,
diz.
O processo
O material, produzido pelo
método de deposição química a partir da fase de vapor, é obtido
em um reator com atmosfera inerte que possui um filamento
mantido a mais de mil graus em que é introduzida na forma
de vapor uma substância que contém átomos de carbono na molécula.
Nessa temperatura, as moléculas que constituem o vapor se
quebram ao atingir o filamento e os átomos de carbono liberados
se introduzem no substrato dando origem preferencialmente
ou a nanotubos de paredes múltiplas que são aqueles formados
por vários tubos concêntricos ou a fibras de carbono, dependendo
da substância do vapor introduzido. Os nanotubros têm comprimento
de cerca de um microm e diâmetro entre 60 a 80 nanômetros.
Os
hidrogeis constituídos ou por nanotubos ou fibras de carbono
foram então utilizados para substituir parte da cartilagem
da articulação do joelho do rato em que foi feito um furo
de dois milímetros de diâmetro por um milímetro de profundidade,
dimensões proporcionalmente grandes quando se considera o
tamanho do animal.
As verificações do comportamento
dos implantes nos animais foram feitas, depois de sacrificados
os animais, em três e doze semanas. As superfícies analisadas
não revelaram desgaste, o material implantado não havia sido
deslocado do local e os resultados dos ensaios mecânicos até
comprovaram surpreendentemente que melhoraram suas características,
o que leva os pesquisadores a considerar todos os resultados
muito favoráveis.
Etapas
Antes dos testes in vivo,
Ana Amélia Rodrigues realizou exames de toxicidade para verificar
se o material interferia na viabilidade e morfologia das células
provocando eventuais diferenças de comportamento por ter recebido
a adição de partículas de carbono. Foram realizados testes
in vitro utilizando culturas de células Vero do tipo
fibroblasto e células-tronco mesenquimais derivadas da medula
óssea do ratos Wistar-kyoto. O fibroblasto é a célula
de referência em estudos por ser a mais simples para cultura.
A escolha das células da medula óssea ocorreu pelo fato de
serem responsáveis pela produção de tecidos ósseos com que
o hidrogel estaria em contato. Descobrimos que as células
sobreviviam e continuavam a desempenhar suas funções apesar
da introdução de partículas de carbono no material”, afirma.
Ao submeter esse grupo de células separadamente ao hidrogel
puro, hidrogel com nanotubos e hidrogel com fibras de carbono,
ela percebeu, respectivamente, um progressivo estímulo celular.
Em seguida, a pesquisadora dedicou-se a estudar as características
físico-químicas do material.
Como o material é permeável
aos fluidos do organismo e se encontrava dentro do tecido
ósseo, houve também a preocupação em saber se havia migração
de cálcio ou de outras substâncias que poderiam se depositar
dentro do polímero e alterar suas características. Constatou
que, em um dos polímeros, havia uma concentração de fosfato
de cálcio maior o que atribui à presença dos nanotubos de
carbono, mas considera essa uma questão a verificar. Nesta
fase da pesquisa, a conclusão foi de que o material convive
bem com o tecido ósseo.
O professor Belangero acrescenta:
estávamos buscando um material sintético que substituísse
a cartilagem. Com base no caminho percorrido e com o animal
estudado, podemos afirmar que alcançamos o objetivo. Parece
que esse material substitui muito bem a cartilagem. Precisamos
agora confirmar os resultados com animais de maior porte e
com defeitos maiores. Paralelamente, estamos estudando concentrações
diferentes de nanotubos. Por ora, podemos dizer que esse material
substitui a cartilagem”.
Premiação
O trabalho desenvolvido por
Ana Amélia Rodrigues recebeu a maior premiação no 42º. Congresso
Brasileiro de Ortopedia e Traumatologia, realizado em novembro
do ano passado em Brasília. Realizado anualmente, é o maior
evento da área no Brasil e chega a receber de cinco a seis
mil ortopedistas. A pesquisadora conquistou o primeiro lugar
na categoria Podium, a mais importante do Congresso, em que
entre dezenas de trabalhos são selecionados previamente vinte
deles para apresentação na sessão plenária.
Resultados surpreendem
pesquisador
O professor William Dias Bolangero
conta que há anos começou a trabalhar com o hidrogel de polieno
que foi utilizado para substituir defeitos de cartilagem articular.
Depois de orientar diversos trabalhos, concluiu que esse tipo
de gel não oferecia os resultados que pretendia. Em contato
com outros pesquisadores da Universidade, surgiu a proposta
de que utilizasse o hidrogel de polivinil álcool. Depois de
alguns ensaios, decidiu-se pela substância. Posteriormente,
em contato com o professor Baranauskas, que realizava pesquisas
com a utilização de nanoparticulas de carbono, surgiu a ideia
de reunir os dois materiais com o objetivo de melhorar o desempenho
mecânico do hidrogel, um problema que se colocara quando utilizava
o hidrogel de polieno.
O docente lembra que essa
cooperação continuou quando Ana Amélia Rodrigues, que fora
sua aluna de iniciação científica, começou a usar esses materiais
por ocasião do mestradoque realizou com o professor Baranauskas.
Lembra ainda que “muito antes
disso, o professor Vitor fez contato comigo porque na época
uma aluna da Faculdade de Ciências Médicas tinha iniciado
com ele um estudo sobre materiais carbônicos e que estava
meio paralisado. Participei então da finalização desse estudo
e fiquei muito entusiasmado com os resultados. Observamos
na época que esses materiais estimulavam o crescimento dos
tecidos.
Ao adicionar os materiais
de carbono, os pesquisadores a priori não sabiam a que resultados
chegariam, embora visassem reforçar a estrutura do hidrogel
de forma a aumentar-lhe a resistência mecânica, o que conseguiram.
■ Publicação
Tese: Avaliação
do hidrogel de polivinil alcool associado a duas diferentes
nanoparticulas de carbono implantadas em defeitos osteocondrais
de ratos Wistar”
Autora: Ana Amélia Rodrigues
Orientador: Vitor Baranauskas
Coorientador: William Dias Belangero
Unidades: Faculdade de Engenharia Elétrica
e de Computação (Feec) e Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Financiamento: CNPq, Fapesp e Capes
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