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Unicamp perde Daniel Hogan
Demógrafo foi precursor
em pesquisas sobre as relações do homem com a natureza
Muito antes de os estudos sobre meio
ambiente e sociedade serem colocados na agenda da comunidade
científica brasileira, o demógrafo Daniel Joseph Hogan já
incluía o tema entre aqueles que iriam dominar os debates
no cenário do século 21. Ainda no início da década de 1980,
ele começou a formar, na Unicamp, o time de pesquisadores
precursores nessa área, num trabalho pioneiro que uniria as
áreas de Ciências da Natureza, Ciências da Terra e Ciências
Sociais. Por essa razão, sua morte, ocorrida no dia 27 de
abril, em Campinas, deixou uma lacuna que só não é maior porque
o pesquisador soube, como poucos, construir um legado intelectual
que cai como uma luva nas atuais discussões sobre a relação
do homem com a natureza.
“O professor
Hogan não era apenas um grande pesquisador, ele se firmou
como uma verdadeira instituição das ciências sociais relacionadas
ao meio ambiente”, assevera a atual coordenadora do curso
de doutorado do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam),
da Unicamp, Lúcia da Costa Ferreira. Não é exagero. A pesquisadora,
que teve Hogan como orientador ainda nos tempos de iniciação
científica, na década de 1970, nunca mais se distanciou do
mestre, que também orientou seus trabalhos no mestrado e doutorado.
Segundo ela, Hogan foi o personagem agregador que delineou
essa nova área de pesquisa no Brasil.
Diplomático
e discreto, Hogan conseguiu unir pesquisadores de áreas diferentes
em torno de um mesmo tema. Entre eles, destacaram-se os professores
Keith Brown e Hermógenes Leitão, ambos do Instituto de Biologia
(IB), que se tornariam dois de seus parceiros mais fiéis.
“A partir daí, desenvolveu-se definitivamente uma visão multidisciplinar
sobre o meio ambiente”, analisa Lúcia. Um dos resultados mais
importantes dessa nova visão foi a criação do Nepam, que se
tornaria referência nacional nos estudos sobre sociedade e
meio ambiente.
A pesquisadora
do Nepam lembra que Hogan teve papel decisivo no processo
de institucionalização do campo de conhecimento que trata
das relações entre sociedade e ambiente. Os rearranjos científico,
intelectual e institucional propostos não eram novos e de
certa maneira espelhavam clivagens produzidas no período posterior
à II Guerra Mundial em outras partes do mundo, em torno dos
debates quanto aos estudos interdisciplinares.
Base empírica
O grupo que liderava os debates
na Unicamp decidiu espelhar-se nos estudos por áreas ou regiões
e, através de forte base empírica, agregar cientistas sociais
e cientistas naturais que se debruçariam por regiões dotadas
de suposta coerência cultural e histórica, com o objetivo
de descrever-lhes sob um ponto de vista multidimensional.
Como esses estudos eram, por definição, multidisciplinares,
criou-se o Núcleo e a formação na graduação e pós-graduação
continuava delimitada aos programas tradicionais onde foram
criadas linhas de pesquisa transversais às especialidades
de origem, de modo a tratar da questão ambiental.
Hogan
também desempenhou papel de destaque como professor de demografia
e pesquisador dos Núcleos de Estudos de População (Nepo),
ligado ao IFCH. Um dos raros especialistas em ciências humanas
voltados à avaliação dos impactos das alterações do clima,
em novembro de 2009 Hogan apresentou, juntamente com a urbanista
Andrea Young, as conclusões de um levantamento que havia coordenado,
mostrando que um dos pontos da cidade do Rio de Janeiro mais
sensíveis aos excessos do clima eram as proximidades da lagoa
Rodrigo de Freitas e as Baías de Guanabara e de Sepetiba –
de fato, essas áreas e as pessoas que viviam nelas estavam
entre as mais atingidas pelas chuvas intensas do início deste
ano no Rio. Já em São Paulo as áreas mais sensíveis são as
próximas ao leito dos rios Tietê e Pinheiros, espaço de inundações
constantes sob as chuvas de dezembro e janeiro.
No contexto desse trabalho,
Hogan organizou, juntamente com o geógrafo Eduardo Marandola
Júnior, o livro População e Mudança Climática: Dimensões Humanas
nas Mudanças Ambientais Globais, que se insere no debate atual
acerca da sociedade contemporânea, no qual riscos e vulnerabilidades
darão os contornos das tendências e dos cenários para o século
21. Mudanças ambientais, mudanças climáticas, extremos atmosféricos,
desastres hidrometeorológicos e emissão de gás carbônico são
temas, entre outros, que se impõem à agenda global. Acrescida
a estes desafios está a importância de se incorporar as dimensões
humanas das mudanças ambientais. As pesquisas de ponta e as
temáticas de vanguarda referentes à questão ambiental traduzem-se
nos estudos desta coletânea, marcados pela interdisciplinaridade.
Tais estudos refletem a preocupação
teórico-metodológica para a compreensão das relações entre
mudanças climáticas e dinâmica populacional. Por outro lado,
reforçam a importância das cidades no bojo das transformações
sociais, indicando que são nelas onde os cenários mais otimistas
se assentam. O livro é uma referência para diferentes áreas
do conhecimento, bem como para o enfrentamento e preparação
das novas situações a serem vivenciadas em termos das mudanças
ambientais globais nas próximas décadas.
É mais recente a participação
de demógrafos, urbanistas, geógrafos e sociólogos em debates
que envolvem as mudanças climáticas, trabalho desempenhado
pelos estudiosos do clima e cientistas da atmosfera. Por acreditar
na valiosa contribuição que as Ciências Humanas podem fornecer,
Hogan e Marandola Jr. convidaram 16 pesquisadores para serem
seus autores, com patrocínio do Fundo de População das Nações
Unidas, em parceria com o Nepo. A obra pode ser adquirida
na biblioteca do Nepo.
Megacidades
Homem
cortês e pensativo, o pesquisador era um dos coordenadores
do projeto Megacidades, um amplo estudo sobre o clima, solo,
relevo e condições de vida de populações de cidades como
São Paulo apoiado pelo Programa Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Sâo Paulo (Fapesp) de Mudanças Climáticas
Globais. Um de seus propósitos era fazer com que as conclusões
desse estudo chegassem a quem pudesse trabalhar para evitar
tragédias causadas pelos temporais do início de cada ano.
O pesquisador chegou à Unicamp
em 1972, depois de ter se graduado em Letras no Le Moyne College,
em Syracuse, Estados Unidos, e feito o mestrado em sociologia
do desenvolvimento e o mestrado em demografia, ambos na Universidade
Cornell, também nos Estados Unidos. Na Unicamp, vinculou-se
ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e foi
pró-reitor de Pós-Graduação de 2002 a 2005. “Com sua capacidade
de articulação e diálogo, Hogan conseguiu criar uma ampla
rede de pessoas dedicadas a pensar e trabalhar por um mundo
mais sustentável, justo e humano”, comentou a diretora do
Nepo, Regina Maria Barbosa. “O Brasil acaba de perder um estudioso
e militante das questões ambientais e nós, do Nepo, um grande
amigo”, acrescentou.
“Daniel foi um pesquisador
original e imaginativo que, além da contribuição científica,
foi determinante para várias iniciativas institucionais”,
disse o diretor Científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito
Cruz. Segundo ele, sua participação foi determinante para
trazer uma visão multidisciplinar com foco nas humanidades
para programas como o Biota e o Programa de Pesquisa sobre
Mudanças Climáticas Globais. “Seu modo tranquilo de debater,
sempre com tom suave, palavras bem escolhidas e ideias fundamentais
definiram o resultado de muitas discussões científicas e institucionais
e estabelecem um modelo para a vida acadêmica. Sua ausência
será muito sentida.”
Discreto,
dono de um discurso que aliava elegância e objetividade,
Hogan era uma figura extremamente simpática. Por isso, sua
morte provocou consternação na comunidade científica, não
só pela perda do cientista exemplar, mas também do cidadão
e amigo. “Sem dúvida, é uma perda importante para a Unicamp”,
lamentou o reitor Fernando Costa. Segundo ele, o docente contribuiu
de maneira significativa não apenas como pesquisador de destaque
na área de Demografia, mas também como pró-reitor de Pós-Graduação
da Unicamp. “O professor Hogan, que era meu amigo pessoal,
foi um exemplo de dedicação à ciência e à instituição”,
completou o reitor.
“Trata-se de uma enorme perda
tanto para a Unicamp como para o IFCH”, disse o vice-reitor
e coordenador geral da universidade, Edgard Salvadore De Decca.
Para ele, Hogan teve uma atuação irrepreensível não só como
pró-reitor mas também como representante docente. “Ele sempre
atuou em defesa da universidade e do IFCH”, completou.
O secretário estadual de Ensino
Superior, Carlos Vogt, que conhecia Hogan de longa data, lamentou
não somente a perda do intelectual, mas também do amigo. “Quando
veio para a Unicamp no início dos anos 70, originário de Cornell,
ele já era um pesquisador de destaque. Aqui, ajudou a consolidar
o IFCH e instituiu a área de estudos demográficos relacionados
com o meio ambiente. Sem dúvida, o professor Hogan contribuiu
decisivamente para que o Brasil avançasse nesse campo da ciência.
De minha parte, perco um amigo, cujo perfil sempre foi marcado
pela cordialidade e pela busca contínua do entendimento”,
afirmou o secretário de Ensino Superior.
Diretora do IFCH, a professora
Nadia Farage destacou que para além de um pesquisador importante
na área de demografia, Hogan destacou-se ainda como professor
no segmento da Sociologia, sendo responsável pela formação
de várias gerações de profissionais. “Também nesse aspecto
ele deixou uma marca profunda no Instituto”, disse.
Maria Coleta de Oliveira,
chefe do Departamento de Demografia do IFCH, lembrou que Hogan
foi um dos primeiros pesquisadores convidados pela professora
Elza Berquó, fundadora do Núcleo de Estudos de População
(Nepo), para integrar o órgão. “Já como membro do grupo,
o professor Hogan aceitou o desafio de abrir uma área de
estudos associando demografia e ambiente em uma época em
que praticamente ninguém falava sobre isso. Ele sempre foi
um cientista e um ser humano cuidadoso e plural. A Unicamp
e a ciência brasileira perdem muito com a morte dele”,
considerou.
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