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Sal é fator de risco para hipertensos
com pressão controlada, aponta tese
Consumo elevado foi alvo
de estudo com 134 pacientes atendidos no HC
É
sabido que o consumo elevado de sal por hipertensos pode alterar
os padrões estruturais e hemodinâmicos da artéria carótida
(vasos sanguíneos que levam sangue arterial do coração
para o cérebro), contribuindo para um maior risco cardiovascular.
A novidade é que o problema se estende a pacientes hipertensos
independentemente dos níveis de pressão arterial estarem
ou não elevados. Este resultado foi obtido na tese de doutorado
da enfermeira Maria Carolina Salmora Ferreira-Sae, defendida
na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e orientada pelo
cardiologista Wilson Nadruz Júnior e pela enfermeira Maria
Cecília Jayme Bueno Gallani. O estudo – desenvolvido com
134 pacientes hipertensos com idade acima de 18 anos, atendidos
no Ambulatório de Hipertensão Arterial do Hospital de Clínicas
(HC) – mostrou que na verdade o risco é maior para pacientes
que fazem uso abusivo de sal, mesmo com níveis de pressão
arterial controlados por medicamentos.
As diretrizes de hipertensão
arterial tanto dos Estados Unidos quanto do Brasil preconizam
que o consumo diário de sal para pessoas que não têm hipertensão
arterial, as normotensas, deve ser de no máximo 6 gramas,
o que equivaleria a ingerir duas colheres de chá, e para as
hipertensas até 4 gramas – pouco mais que uma colher de chá.
Ferreira-Sae ressalva que tal recomendação não se aplica somente
ao sal de cozinha. É necessário considerar todas as fontes
de sal, seu consumo nos alimentos in natura, além de sua adição
nos alimentos industrializados.
Na Europa e nos Estados Unidos,
a média de consumo de sal varia entre 9 e 12 gramas. No Brasil,
o consumo é maior: entre 12 e 14 gramas. Dados obtidos no
Ambulatório do HC da Unicamp apontaram que, mesmo com as restrições
de sal na dieta, reforçadas na consulta, a média ficou em
15 gramas para homens e 13 gramas para mulheres.
Para Ferreira-Sae, a pesquisa
teve início ao constatar que faltavam instrumentos para avaliar
o consumo de sal na população. Com essa ideia, ingressando
no mestrado, colocou como um de seus objetivos buscar a validação
de um método capaz de quantificar o consumo de sal pelos pacientes.
Criou o QFASó – Questionário de Frequência Alimentar para
Alimentos com Alto Teor de Sódio. O próximo passo, já no doutorado,
consistiu em correlacionar a quantidade de sal que estes pacientes
consumiam a alguns fatores associados que potencializavam
o risco cardiovascular. A análise partiu da artéria carótida
dos pacientes mediante um exame de doppler, que utiliza os
mesmos princípios da ultrassonografia. A pesquisadora observou
que alguns parâmetros de fato se correlacionavam positivamente
com o consumo de sal, mostrando, com isso, que o maior risco
era para os pacientes que faziam uso elevado dele.
Esse consumo vem sendo estudado
há muitos anos como um dos fatores ambientais determinantes
do aumento dos níveis pressóricos, já que a pressão arterial
realmente eleva-se no indivíduo que consome muito sal, deixando-o
mais exposto às doenças cardiovasculares. A pesquisadora relata
que estudos experimentais indicaram que, possivelmente, mesmo
com a pressão controlada, o consumo de sal pode ser um fator
isolado de maior risco cardiovascular. “Só o seu consumo elevado,
mesmo com os valores de pressão arterial controlados, no caso
de hipertensos que fazem uso de medicamentos, poderia inferir
mais risco”.
Ferreira-Sae investigou por
que isso ocorria, após levantar que estudos clínicos já efetuados
traziam conclusões controversas. Não obstante sua pesquisa
ter chegado a mesma conclusão com a amostra avaliada, a enfermeira
salienta que ainda não existem “brechas” no trabalho para
extrapolações no momento. É preciso avaliar se a hipótese
se confirma em outras amostras.
Grande parte dos estudos,
assim como na tese dela, avaliam a quantidade de sódio na
dieta. Um grama de sal tem 400 mg de sódio e o sódio está
em uma grande quantidade de alimentos – produtos embutidos,
enlatados, alimentos prontos ou pré-preparados, temperos e,
inclusive, alimentos light e diet. “O sódio total consumido
ao longo do dia proveniente de todos os alimentos, e não somente
do sal adicionado, portanto, é o elemento que se relaciona
com as alterações na carótida”, esclarece.
Além do consumo elevado de
sódio oferecer maior risco devido às alterações de elasticidade
da artéria carótida, no presente estudo notou-se ainda que
os pacientes ficavam mais propensos à hipertrofia de ventrículo
esquerdo, que é uma lesão de órgão-alvo da hipertensão arterial.
Apesar de não trabalhar com
o consumo de açúcar, que seria um contraponto à sua pesquisa,
a enfermeira diz que o sal não é só questão de gosto e pode
ser até mais pernicioso. O seu consumo, comenta, não teve
uma tendência a se correlacionar com a ingestão calórica total
do dia (se consumida muita ou pouca caloria). “Ele é dado
por fatores que não interferem no valor calórico do alimento,
sobretudo o sal adicionado que, nos nossos pacientes, foi
o mais importante, que é o sal branco, além dos temperos prontos,
que não têm um valor calórico significativo. Então nossa população
não teve esta correlação”, explica.
No HC da Unicamp, já existe
como rotina uma avaliação que não é estritamente voltada aos
fatores clínicos. É algo mais amplo e, à medida em que aparecem
novos estudos, a pesquisadora entende que se amplia a maneira
de olhar o paciente hipertenso e de avaliá-lo, coletando dados
cada vez mais relevantes durante as consultas. Conhecer a
população, realça, é primordial para que possa ser feita a
intervenção apropriada.
Ferreira-Sae garante que,
graças aos estudos sobre o consumo de sal, já se conhece a
população de hipertensos: ela consome muito sal. Sabe-se quais
são os fatores da dieta mais expressivos para o consumo de
sal final e, a partir daí, é possível estipular medidas de
intervenção. “Nossa contribuição é realmente intervir. Até
então o que tínhamos eram relatos sobre o baixo consumo de
sal, isso porque nossos pacientes eram naturalmente orientados
a diminuir o seu consumo”, conta.
Um ponto que engana as pessoas,
frisa a enfermeira, é o paladar. “Para alguns hipertensos,
o que é pouco sal para o seu gosto, na hora de uma avaliação
técnica pode ser muito. Daí a importância de estudos procurarem
desvendar se estes pacientes consomem muito sal e qual o foco
que deve ser revisto na dieta, que é o principal contribuinte
para o consumo de sódio final durante o dia, e apenas então
adotar as intervenções”, conclui.
O primeiro relato de uso culinário
do sal data de 6.050 a.C. Foram encontrados resquícios de
sal em potes cerâmicos que eram destinados à preparação de
alimentos. Hoje, a sua produção vem aumentando gradativamente
ao longo dos anos.
Estatísticas
O Datasus (banco de dados
do Sistema Único de Saúde) mostrou que em 2008 as doenças
cardiovasculares foram responsáveis por 22% dos óbitos no
Brasil. Estima-se que, de todas as doenças cardiovasculares,
a hipertensão seja responsável pela gênese de 55% delas. Considerada
assintomática, quando identificada precocemente, ela não causa
danos maiores ao paciente. Na maioria dos casos, porém, o
hipertenso não vê a necessidade de fazer uso de medicamento,
particularmente quando os níveis pressóricos estão mais baixos.
Somente quando o paciente
começa a ser tratado, enfrenta alguns efeitos adversos pelo
uso da droga, o que pode contribuir para a baixa adesão ao
tratamento medicamentoso, um dos principais problemas dos
hipertensos. Quando não controlada, a hipertensão progride
e acaba causando muitos problemas. Como o Ambulatório de Hipertensão
possui uma equipe multidisciplinar, o atendimento ao paciente
é mais especializado: “conseguimos manejar muito melhor os
fatores de risco e trabalhar com este paciente para que não
enfrente riscos no desenvolvimento das doenças cardiovasculares”,
conta Ferreira-Sae.
Ambulatório do HC oferece
atendimento especializado
O Ambulatório de Hipertensão
Arterial é coordenado pelo cardiologista Wilson Nadruz
Júnior. Sua ênfase está nos pacientes hipertensos de difícil
controle, tendo se tornado ao longo desses anos um ambulatório
de referência para a macrorregião de Campinas. O serviço,
que fica no terceiro andar do Hospital, oferece atendimento
a cerca de 500 pacientes cadastrados e, às quintas-feiras,
no período da manhã (das 8 às 12 horas) – dia de Ambulatório
–, são atendidos cerca de 30 pacientes.
Mas a especialidade tem
ainda outras atividades sendo desenvolvidas com os pacientes
nos demais dias. Às terças-feiras, por exemplo, são destinadas
aos casos novos, em seu primeiro atendimento, advindos
dos postos de saúde da rede, com consulta médica e de
enfermagem com a participação das enfermeiras Maria Cecília
Gallani e Roberta Rodrigues, da Faculdade de Enfermagem.
Às quartas-feiras, acontece a consulta de enfermagem com
pacientes agendados sob responsabilidade da enfermeira
Ana Maria Grespan. Às quintas-feiras, além da consulta
médica, são efetuadas as pesquisas que dão suporte à assistência
e fazem avançar o conhecimento. Aos enfermeiros, cabe
tanto o atendimento aos pacientes quanto o desenvolvimento
dos protocolos de pesquisa.
Os pacientes passam a
priori por uma pré-consulta de enfermagem, quando são
feitas as aferições da pressão arterial de maneira sistematizada,
embasada em metodologia desse Ambulatório. Depois, eles
são atendidos pelo médico e algumas coletas são feitas
para fins de pesquisa. Ao final de cada consulta, os pacientes
são encaminhados a uma enfermeira, que procede a todos
os encaminhamentos necessários.
Ferreira-Sae destaca que
o ideal é que os pacientes sejam tratados nas Unidades
Básicas de Saúde, onde é realizado o atendimento primário
e secundário, a fim de que tenham o diagnóstico precoce
da hipertensão, evitando a sua progressão e, juntamente
com ela, as lesões de órgãos-alvos, que atingem o cérebro,
o coração, os rins e a retina principalmente.
O atendimento nas unidades
básicas é fundamental neste sentido. Existem, porém, alguns
hipertensos de difícil controle, que são refratários ao
tratamento. “Para estes pacientes e para os hipertensos
que não foram controlados com a progressão da doença,
os quais adquiriram lesões de órgãos-alvos, tendo maior
risco cardiovascular, eles devem ser encaminhados para
o HC da Unicamp”, informa a pesquisadora.
O fluxo de atendimento
no Ambulatório, pontua ela, depende da rede. No dia de
casos novos, existem duas maneiras do paciente ser atendido:
através de interconsulta dentro do HC ou através de iniciativa
da rede. “Há vagas abertas na rede para pacientes que
necessitem de um atendimento mais especializado. Toda
terça-feira, dispomos de quatro vagas de casos novos.”
Artigo
Ferreira-Sae MC, Gallani MC, Nadruz W, Rodrigues RC,
Franchini KG, Cabral PC, Sales ML. Reliability and validity
of a semi-quantitative FFQ for sodium intake in low-income
and low-literacy Brazilian hypertensive subjects. Public
Health Nutr. 2009 Nov;12(11):2168-73. Epub 2009
May 28.
Publicação: Tese de doutorado “Consumo
de sódio e suas associações com alterações estruturais
e hemodinâmicas em artérias carótidas de hipertensos”
Autora: Maria Carolina Salmora Ferreira-Sae
Orientadores: Maria Cecília Jayme Bueno
Gallani e Wilson Nadruz Júnior
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas
(FCM) |
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