Novo tubo endotraqueal pode
ser usado em cirurgias e UTIs
Modelo desenvolvido por pesquisadores
da
FCM evita lesões na traqueia e na laringe
Pesquisadores
do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas
(FCM) da Unicamp desenvolveram e patentearam um novo modelo
de tubo endotraqueal (TET) utilizado em pacientes submetidos
à intubação em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) ou à anestesia
geral para realização de cirurgias. O modelo convencional
– utilizado desde 1950 – pode causar lesões na traqueia. Em
alguns casos, as lesões podem evoluir para um processo de
cicatrização excessiva, dificultando a respiração e levando
o paciente a uma nova cirurgia.
A pesquisa
foi conduzida pelos médicos-cirugiões Alfio José Tincani,
do Departamento de Cirurgia da FCM, e Gilson Barreto, do Hospital
Centro Médico de Campinas, ex-aluno e residente do Departamento
de Cirurgia da FCM da Unicamp. O trabalho resultou no artigo
científico “Tubo endotraqueal atraumático para ventilação
mecânica”, tema da tese de doutorado do médico-cirurgião Silvio
Oscar Noguera Servin e também ex-residente do mesmo departamento.
A tese foi defendida em fevereiro deste ano. A banca de avaliação
foi composta pelos professores Ivan Toro e Sebastião Araújo,
ambos da FCM da Unicamp, Flávio Hojaij, da Unifesp, e Antonio
Gonçalves, da Santa Casa de São Paulo.
O trabalho,
submetido para publicação na Revista Brasileira de Anestesiologia,
comprova a criatividade do pesquisador brasileiro para resolver
um dilema: como vedar a saída de ar do pulmão ao insuflá-lo
por meio do ventilador mecânico, evitando, ao máximo, lesionar
a parede da traqueia.
O tubo
endotraqueal (TET) é muito utilizado na área médica em indivíduos
que necessitam de ventilação mecânica, também conhecida como
respiração artificial. Ele pode ser usado por pequeno período
de tempo durante anestesias gerais ou ainda por período mais
prolongado, em indivíduos que permanecem em coma ou necessitem
de ventilação mecânica nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI).
“Há 30
anos, o indivíduo ficava sete a dez dias entubado e acabava
morrendo de infecção. Atualmente, com novos antibióticos e
cuidados pulmonares, esses pacientes estão sobrevivendo. Entretanto,
eles saem, às vezes, com lesões na traqueia por causa do tubo
convencional”, explicou Alfio José Tincani.
Compondo
o tubo endotraqueal há um balonete distal. Sua função é vedar
e proteger as vias aéreas, prevenindo a aspiração de secreções
e possibilitando a ventilação pulmonar. Mas, ao ser insuflado,
o balonete distal exerce determinada pressão na parede da
traqueia. Se a pressão for muito grande, ela pode impedir
o fluxo sanguíneo, gerando o que normalmente é chamado de
estenose. As complicações endotraqueais mais frequentes causadas
pelo contato do balonete dos TET com a região da garganta
são a laringite, o edema glótico, a ulceração de mucosa, a
estenose de laringe e a isquemia traqueal – falta de suprimento
sanguíneo para a traqueia.
A isquemia
traqueal pode ocorrer quando o balonete é insuflado com altas
pressões ou ainda quando são utilizados TET muito grossos.
O procedimento pode causar reação inflamatória. Estudos indicam
que a pressão aplicada pelo balonete à parede traqueal constitui
o principal fator de estenose nesta região. Esta complicação
pode variar entre 1,5% a 19,5% dos casos, segundo dados médicos.
O tubo
endotraqueal para adultos existente no mercado mede cerca
de 7 mm a 8 mm. O médico introduz, normalmente, o tubo pela
boca e passa pela traqueia do paciente, conectando-o ao ventilador
mecânico, que manda um volume de ar para dentro dos pulmões
do paciente. Entre o tubo e a parede da traqueia há um espaço,
muitas vezes virtual, pois o diâmetro da traqueia é maior
que a do tubo. A função do balonete é justamente vedar esse
espaço para evitar o vazamento do ar quando o pulmão se esvazia
no movimento de expiração.
“O tempo
em que o respirador artificial joga o ar para dentro do pulmão
do paciente para promover a ventilação é de uma fase inspiratória
para duas expiratórias (1:2) do tempo que o pulmão leva para
voltar à posição inicial, jogando o ar para fora. E o balonete
só tem sentido quando vai haver o processo de inspiração,
quando a máquina vai jogar o ar para fora no processo de expiração.
Não há tantos problemas que o ar vaze ao redor da traqueia.
Isto significa que, em 24 horas de entubação contínua, teremos
o contato do balonete com a traqueia apenas em oito horas
e, mesmo assim, de forma intermitente, inversamente do que
ocorre com os tubos convencionais em que o contato acontece
todo o tempo. Com isto, a ocorrência de lesões na sua parede
diminui muito”, explica Tincani.
O
modelo de tubo endotraqueal existente no mercado possui uma
canalícula externa por meio da qual o anestesiologista ou
médico intensivista conecta uma seringa e injeta ar para insuflar
o balonete e vedar a parede da traqueia evitando a saída do
ar. Os pesquisadores da FCM da Unicamp passaram a denominá-lo
de modelo convencional. Numa tentativa de minorar os efeitos
da pressão do balonete sobre a traqueia, pesquisadores internacionais
preconizaram um tubo com balonete preenchido com espuma ou
tubos de duplo balonetes inflados alternadamente. Alguns até
propuseram modelos à base de silicone. Após muitas experiências,
todos esses modelos causaram lesão nos pontos de contato nos
pacientes estudados.
Com o
intuito de atenuar os efeitos adversos ocasionados pela pressão
do balonete durante a intubação traqueal, os pesquisadores
da FCM da Unicamp desenvolveram um novo modelo para possibilitar
a variação da pressão interna do balonete distal durante os
ciclos respiratórios, de acordo com a ventilação mecânica.
“Imaginamos
que poderíamos ter um balonete que insuflasse e desinsuflasse
junto com a máquina de ventilação mecânica. Ele teria que
insuflar quando a máquina fosse ventilar e desinsuflar quando
o paciente fosse expirar. O que nós fizemos, então? Tiramos
aquele tubinho que é adaptado à seringa que o médico insufla
e fechamos essa via de acesso ao balonete. E, a partir daí,
fizemos três pequenos orifícios de cinco milímetros cada entre
o interior do tubo e o próprio balonete. Quando o ventilador
mecânico joga o ar para dentro do pulmão do paciente, o balonete
infla com este ar inspirado. Ao cessar essa pressão, ele naturalmente
desinfla na expiração. Fizemos algo extremamente simples.
Nós aprimoramos o tubo endotraqueal, que já existia, modificando
o balonete distal”, explica o médico-cirurgião Gilson Barreto.
Fases da pesquisa
Para se chegar ao novo modelo de tubo endotraqueal que os
pesquisadores passaram a chamar de tubo endotraqueal modificado
(TETM), foram estabelecidas duas fases para a pesquisa. A
primeira, dedicada ao desenvolvimento do novo tubo, foi realizada
junto à área de fisioterapia do Hospital de Clínicas (HC)
da Unicamp. A segunda fase – para comprovar a eficácia do
modelo – foi realizada em animais no Núcleo de Cirurgia e
Medicina Experimental da FCM e contou com a colaboração de
profissionais do Departamento de Clínica Médica e de Anatomia
Patológica da faculdade. A pesquisa contou também com a participação
de Luiz Cláudio Martins, médico-assistente do Departamento
de Clínica Médica da FCM e Marcos Mello Moreira, fisioterapeuta
do serviço de doenças pulmonares do HC da Unicamp.
Na primeira fase da pesquisa,
chamada de estudo de bancada, foi utilizado ventilador mecânico
com volume corrente de 10 mL/Kg e 15 mL/Kg e pressão positiva
ao final da expiração de 0 e 5 cm H2O, respectivamente, com
uma frequência respiratória de 12 ciclos por minuto e uma
relação dos tempos inspiratório e expiratório de 1:2 para
a realização de estudo de bancada. O equipamento de simulação
pulmonar utilizado foi o Vent Aid®TLLTMTraining/Test Lung
(um tipo de pulmão artificial). A complacência ajustada neste
simulador pulmonar foi de 60 mL/ cm H2O. Foram utilizados
tubos endotraqueais convencionais e modificados de 7,5 e 8,0
mm.
Acoplado em ambos os tubos
colocados entre o ventilador mecânico e o simulador pulmonar
foi utilizado um sensor de fluxo do monitor de perfil respiratório.
O escape de ar foi calculado pela diferença entre os volumes
inspiratórios e expiratórios. Os dados da mecânica respiratória
foram armazenados de forma contínua pelo software Analysis
Plus® em um computador, por período de três minutos e repetidos
por mais de trinta vezes. Ao final deste período, os dados
foram processados e analisados.
A segunda fase da pesquisa,
denominada de estudo piloto-experimental, foi realizada com
porcos da raça Large-White para comparar ambos os tubos endotraqueais
– o convencional e o modificado – e a possível ocorrência
de lesões na mucosa traqueal. O diâmetro dos tubos utilizados
foi de 7,5 mm para ambos os modelos. Foi utilizado o mesmo
ventilador mecânico da primeira fase da pesquisa e a pressão
no novo modelo de balonete foi ajustada para 25 cm H2O. Os
dois animais permaneceram anestesiados, sob ventilação mecânica,
por um período contínuo de 48 horas. Após o término do experimento,
os animais foram induzidos a óbito e ambas as traqueias foram
analisadas quanto a possíveis lesões macroscópicas e histológicas.
Resultado
O novo modelo de tubo endotraqueal mostrou no estudo de bancada
menor pressão do balonete quando comparado com o modelo atualmente
em uso. Segundo os pesquisadores, isto não dependeu da fase
do ciclo respiratório. No estudo piloto-experimental em animal
foi observado que o modelo desenvolvido pelos pesquisadores
da Unicamp proporcionou menor lesão traqueal, tanto macro
como microscopicamente.
De acordo com os estudos,
os furos feitos no interior do tubo ocasionaram a passagem
e a saída do ar tanto na inspiração quanto na expiração durante
a ventilação mecânica no balonete distal. Por não estar sempre
insuflado, o contato com a mucosa traqueal foi menor e, consequentemente,
as possíveis lesões foram praticamente insignificantes.
Uma das preocupações dos pesquisadores
ao desenvolverem o novo modelo foi com relação à proteção
das vias respiratórias de secreções gástricas que podem comprometer
os alvéolos pulmonares. Por isso, o tubo endotraqueal desenvolvido
pelos pesquisadores dispõe, externamente, de um canal para
o uso de uma sonda de aspiração contínua para as possíveis
secreções acumuladas ao redor do balonete.
Segundo Tincani, antigamente
acreditava-se que só existia a interrupção do fluxo sanguíneo
na traqueia de quem ficava quatro, cinco ou mais dias entubado.
Hoje, os estudos comprovam que lesões de laringe podem ocorrer
em entubações por períodos curtos, que variam entre 24 e 48
horas. “Este balonete que desenvolvemos pode evitar isso.
E, para os anestesiologistas, fica tudo mais simples: entubou,
pode ventilar”, disse Tincani.
A partir da comprovação da
eficiência do novo modelo, os pesquisadores patentearam o
novo modelo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial
(INPI) com o nome de “Dispositivo de intubação orotraqueal
de baixa pressão intermitente”. Segundo Tincani e Gilson,
a produção em escala começa ainda este ano. O preço de custo
do tubo endotraqueal convencional é de R$ 3,00 a R$ 10,00.
De acordo com os médicos-inventores, o novo tubo não deverá
ter acréscimo no custo final. A patente internacional já foi
requerida. Gilson Barreto ressaltou que existem várias patentes
mundiais tentando resolver esse problema, que até hoje não
foi sanado. E o gasto com pesquisas nessa área são da ordem
de milhões de dólares. “Este modelo é muito mais simples que
o normal e vai melhorar o trabalho de médicos e a qualidade
pós-cirúrgica dos pacientes. Com certeza, estamos saindo na
frente”, disse Barreto.
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Publicação
Tese de doutorado: “Tubo endotraqueal atraumático
para ventilação mecânica”
Autor: Silvio Oscar Noguera Servin
Orientador: Alfio José Tincani
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
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