MARIA
ALICE DA CRUZ
Agentes de transformação social. Este tem
sido o papel de jovens, filhos de produtores rurais, do
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) do Espírito Santo,
na opinião da pesquisadora Maria Cândida de Oliveira Costa.
Estudo desenvolvido para sua tese, defendida na Faculdade
de Educação (FE) da Unicamp sob orientação do professor
Salvador Antonio Mireles Sandoval, mostrou que a juventude
do movimento tem tido iniciativas importantes no processo
de conscientização política, desde seu surgimento até os
dias atuais, por meio de suas formas de organização de base,
de formação de quadros militantes e de mobilização.
Iniciados
no movimento geralmente pelo engajamento de suas famílias,
os jovens não se rendem ao sonho da “cidade grande” e constroem
em seu próprio pedaço de chão sua história de vida. E não
só isso: assumem a liderança na construção de um novo projeto
social e político no campo, de acordo com os resultados
da tese. Um processo alternativo que envolve desde a garantia
de direitos, muitas vezes recusados pelo governo, até um
projeto educacional baseado na pedagogia da alternância.
Quando se formam, aplicam todo o conhecimento em iniciativas
de melhorias para a agricultura, o ambiente e a qualidade
de vida no campo. Muitos jovens, segundo Cândida, ocupam
tarefas de direção dentro da organização do MPA. “Alguns
ficam 24 horas a serviço do movimento”, informa.
O MPA constitui-se em 19 estados brasileiros,
com o propósito de garantir alimentos saudáveis, moradias
e agricultura camponesa. Particularmente no trabalho de
campo realizado no Espírito Santo, a pesquisadora observou
que, apesar das condições difíceis, o que os camponeses
querem é ser camponeses. Certos disso, eles se posicionam
por diferentes espaços de socialização e reconhecimento,
como associações, conquista de sindicatos, construção
de cooperativas, ao lado de outros movimentos sociais. Segundo
a pesquisadora, eles reafirmam a cada dia a categoria campesinato,
que seria o construtor de classe.
Ao acompanhar as práticas sociais, Cândida
constatou que, enquanto movimento social camponês, o MPA
procura organizar-se com uma “cara própria”, um jeito peculiar
de liderar, organizar, lutar, constituir e exprimir a identidade
do movimento. “Percebi que muitos ensinamentos do MPA estão
sendo discutidos no cotidiano do movimento, tornando-se
preocupações de caminhada”, acrescenta.
A pesquisa mostra que, dada a capacidade
de organização, os jovens têm conseguido reunir as comunidades
na busca de valorização de seus direitos e de um projeto
de agricultura camponesa agroecológica. Permeado por relações
educativas, o processo vem conquistando espaços de socialização,
segundo a pesquisadora.
Como todo movimento nasce de uma situação
de descontentamento e insatisfação com a falta de suprimento
de necessidades e interesses, Cândida observou que, entre
os jovens do MPA, o desejo de mudança impulsiona-os a investir
na força da união. Em resposta aos retornos negativos do
governo, eles organizam a pressão para a resolução de seus
interesses.
O
diálogo com a liderança do MPA/ES levou à conclusão de que
o processo é movido por três eixos de luta, segundo Cândida.
O primeiro deles diz respeito às lutas concretas, em que
os produtores buscam principalmente moradia, crédito subsidiado,
investimento, custeio, seguro agrícola, o fim das importações
de alimentos, a soberania alimentar, a comercialização direta,
o beneficiamento, a luta contra os subsídios concedidos
a empresas monopolistas e o fim da violência no campo e
das impunidades.
No segundo eixo estão inseridas questões
de identidade e a implantação de novas relações de trabalho
e produção, com tecnologias adaptadas à produção camponesa,
sem agrotóxicos e sem transgênicos. “Estas são lutas travadas
no terreno político, e que visam à organização social”,
explica a pesquisadora. Ela acrescenta que as lutas sociais
têm como compromissos as ações relacionadas a saúde, previdência,
educação, cultura, proteção da infância, aposentadoria,
agricultura saudável e organização.
As lutas de acesso à terra estão inseridas
no terceiro eixo de atividades do MPA, que não perde de
vista a reforma agrária. Segundo Cândida, todo agricultor,
com pouca terra ou sem terra, tem garantido o direito a
ela, seja em assentamentos, programas sérios de crédito
fundiário, ou por ações mais ousadas como as ocupações.
Para Cândida, a partir da rotina dos jovens
rurais, é possível ver a presença da agricultura camponesa
atuando na construção de novas formas de organização da
produção, da comercialização, do beneficiamento e do abastecimento,
em contraponto ao neoliberalismo. Trata-se, segundo a pesquisadora,
de um projeto alternativo de desenvolvimento, que tem como
protagonista o trabalhador e o compromisso com a reforma
agrária, a luta por uma política agrícola diferenciada para
o pequeno agricultor, a pesquisa e extensão rural com foco
nos interesses dos trabalhadores rurais e a construção de
bases culturais de desenvolvimento alternativo para resgatar
valores como a solidariedade, a cooperação e estabelecer
uma nova relação homem-natureza. “O que pode ser observado
é o surgimento de um novo saber, oriundo da mescla da herança
cultural das comunidades e dos grupos, dando início à formação
de uma “nova cultura de base”, exigindo novas relações e
novos valores, novos saberes e novas expressões coletivas”,
explica Cândida.
Para a pesquisadora, o campesinato e a juventude
do MPA são identidades que se constroem na ação histórica
e política de seus sujeitos. “Por meio de trajetórias de
vida de algumas lideranças jovens, percebemos como as suas
histórias de vida estão entremeadas com a própria educação
e dinâmica do movimento social”, enfatiza.
As construções de identidade têm contribuído
para elevar a auto-estima do jovem camponês, segundo Cândida.
Eles são representados por categorias como “Juventude Camponesa
- Jovens Camponeses, Jovens Camponesas”, que têm sido, para
os jovens entrevistados por Cândida, uma referência importante
nos dias atuais. “A afirmação positiva da categoria ‘juventude
camponesa’ também se revela como uma forma de resistência
ao preconceito de ‘ser do campo’, comumente associado à
imagem do ‘matuto’”, revela a pesquisadora. Por meio da
pesquisa, ela observou que as linguagens, demandas sociais,
símbolos, músicas, mística e demais elementos são centrais
na construção da identidade de juventude dentro do MPA-ES.
Segundo
a autora, vários especialistas têm considerado importante
a contribuição que jovens rurais podem empreender para os
processos integrais de desenvolvimento rural na América
Latina e no Caribe. Um desses estudiosos, Durston, acredita
que três atividades se destacam nas atuais estratégias para
superar a pobreza rural: capacitação, apoio à agricultura
familiar e fortalecimento da institucionalidade da pequena
comunidade rural. A atenção especial aos jovens é, na opinião
do autor, oportuna para o êxito dessas estratégias. Endossando
a opinião de Durston, Cândida diz ter observado a presença
desses elementos nas informações obtidas com os entrevistados,
principalmente quando suas trajetórias foram questionadas.
Novas propostas
Um ponto ressaltado pela pesquisadora é que os jovens compreendem
a educação como desenvolvimento de processos socioculturais,
que perpassa todos os momentos da vida, em todos os espaços,
em todas as suas dimensões. “É importante enfatizar a multiplicação
dos espaços educativos, vistos como espaços maiores que
os formais e institucionais”, enfatiza.
Cândida observa que a principal reivindicação
na área de educação é a mudança da proposta pedagógica.
Durante o trabalho de campo, ela notou que existe uma defesa
por uma “educação do campo e para o campo” com conteúdos
voltados para a realidade dos pequenos produtores de modo
a resgatar sua história de luta pela terra. A Pedagogia
da Alternância surge como um agente mobilizador e facilitador
do processo de aprendizagem, segundo os entrevistados. Neste
modelo, a pessoa tem a possibilidade de ser educada em diferentes
espaços, começando pelo ambiente familiar e a comunidade
de origem, depois passando pela escola – onde o educando
partilha os diversos saberes que possui com os outros atores
e reflete sobre eles em bases científicas – e, por fim,
retornando à família e à comunidade a fim de unir teoria
e prática, aplicando seus conhecimentos na comunidade, na
propriedade ou em determinados movimentos sociais. “Vimos
presente em seus desejos a concepção designada por Paulo
Freire de ‘educação problematizadora’, aquela que transforma
e liberta”, relata a pesquisadora. A educação problematizadora
é aquela em que educador e educando aprendem juntos.
Para Cândida, o surgimento do MPA foi importante
para que a agricultura familiar passasse a integrar a agenda
política dos governos. Assim como os agricultores entrevistados
em pesquisa anterior à sua, pequenos agricultores do Espírito
Santo afirmaram que passaram a lutar para não ser colonos
sem terra amanhã no futuro. O que mostra que os membros
do MPA “são pequenos agricultores, residentes e integrados
nas diversas comunidades, no geral, possuindo, muitas vezes,
quantidade de terras menor do que a média dos assentados
do MST”, declara a pesquisadora.
A pesquisadora esclarece que, apesar de
os líderes do MPA terem adotado práticas do MST, ao manterem
sua autonomia, possuindo objetivos e pauta diversos, trazem
para o debate político a agricultura familiar e, com ela,
outras questões, como a discussão sobre a proposta agrícola
a ser desenvolvida no país, o desenvolvimento de uma agricultura
ecológica, o compromisso de produção de culturas voltadas
ao mercado interno e de subsistência, do crédito para moradia
rural, da assistência técnica voltada ao pequeno agricultor,
da previdência social rural, do seguro agrícola, os valores
camponeses, a história e a memória, da educação do campo
e uma pauta de reivindicações que visam a reconstituir e
reproduzir a classe camponesa. “Entendo que um dos desafios
iniciais foi o de construir a identidade do movimento, ou
seja, ter maior reconhecimento público, maior visibilidade.
E isto está sendo alcançado por meio das lutas, pelo modo
de ação, do movimento, pelo organizar–produzir–alimentar’”,
conclui.
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Publicação
Tese de doutorado: “Integrando e capacitando
a juventude rural no Brasil: o caso dos jovens do
movimento dos pequenos agricultores do estado
do Espírito Santo (MPA-ES)”
Autora: Maria Cândida de Oliveira Costa
Orientador: Salvador Antonio Mireles Sandoval
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
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