Saito explica que algumas espécies de bactérias já foram relatadas como potencialmente patogênicas, ou seja, revelam maior capacidade de originar doenças. O estudo se justifica, diz ele, porque o combate à infecção intra-radicular, através de terapias mais eficientes, depende do conhecimento das bactérias ali presentes. E assume particular importância quando se sabe que a permanência de bactérias após o tratamento ainda é a principal causa de falha na terapia endodôntica.
De fato, as bactérias presentes no interior dos canais podem levar à formação de abscessos, destruição do osso em volta do ápice da raiz, perda dentária. Eventualmente, chegam à corrente sangüínea. Neste último caso, bactérias resistentes podem se alojar em diversos órgãos, originando males como a endocardite bacteriana. Entretanto, como se tratam de casos isolados, os estudos desses efeitos nem sempre se mostram conclusivos.
O pesquisador esclarece, entretanto, que quando se faz um trabalho como esse, não se tem, de início, o objetivo de desenvolver uma abordagem terapêutica imediata. “Propusemo-nos a um estudo puramente investigativo. Neste momento, não se pode dizer que dele surjam novas medidas terapêuticas em curto prazo. O caminho é muito longo até lá, mas a pesquisa constitui um ponto de partida porque identificamos bactérias que ainda não tinham sido reportadas na cavidade bucal. É de se esperar que com o aumento do grupo de amostras possam vir a serem identificadas outras bactérias novas relacionadas com casos de insucesso ou falhas de tratamento em infecções persistentes”.
A pesquisa Por sugestão de seu orientador, professor Reginaldo Bruno Gonçalves, Saito optou pelas técnicas moleculares desenvolvidas e adotadas nos EUA e em países europeus, que à época despontavam no meio acadêmico e possibilitavam trazer informações importantes ao estudo da microbiota endodôntica, assim denominado o conjunto de bactérias presentes no canal do dente. A técnica utilizada por Saito se baseia na identificação de bactérias pelo seqüenciamento do DNA, ou seja, pela leitura do código genético, e não depende do seu cultivo em laboratório.
Saito considera as técnicas moleculares altamente aplicáveis ao estudo microbiológico das infecções orais, porque se revelam relativamente rápidas, eficientes e confiáveis quando comparadas às técnicas tradicionais, que envolvem o cultivo laboratorial, normalmente mais dificultoso e nem sempre passível de ser realizado. Prova disso, diz ele, é que, mesmo com uma amostragem restrita a sete pacientes, foram identificadas 46 espécies bacterianas distintas, das quais quatro novas, que correspondem a 9% do total amostral, o que considera bastante significativo. Cada dente avaliado apresentou uma média de nove bactérias diferentes, em uma faixa que apresentou variação de duas a quatorze por paciente.
O pesquisador já havia realizado parte do mestrado quando, por ocasião do exame de qualificação, lhe foi sugerido passar para o doutorado-direto, o que lhe possibilitou ampliação do projeto.
Assim é que, na tentativa de esclarecer o papel das comunidades bacterianas no desenvolvimento dos sintomas relacionados às infecções endodônticas, o pesquisador acrescentou ao projeto original a técnica de T-RFLP, baseada na variação do tamanho de fragmentos de DNA, e que possibilita a avaliação e composição da totalidade da microbiota presente em cada amostra. A metodologia permitiu correlacionar a composição geral de cada comunidade bacteriana avaliada com o desenvolvimento da dor e da sensibilidade nos dentes acometidos por infecções endodônticas.
Os resultados desta etapa o levaram o concluir que o desenvolvimento da dor independe da composição bacteriana como um todo. Entretanto, ressalva, isto não quer dizer que certas espécies ou grupos específicos possam ter correlação com a dor, mas que normalmente o conjunto bacteriano global não tem peso no desenvolvimento desse sintoma. Além disso, esclarece Saito, fatores não-microbianos também podem desempenhar papéis importantes no processo em questão. Esta fase do estudo o levou a permanecer sete meses no Centro de Ecologia Microbiana da Universidade Estadual de Michigan, nos EUA, um centro com massa crítica e tecnologia necessárias ao desenvolvimento da pesquisa.
Em uma terceira vertente Saito selecionou duas espécies potencialmente patogênicas, a P. gingivalis e a T. forsythia, tentando correlacionar os níveis celulares dessas bactérias com o desenvolvimento da dor de origem endodôntica. As espécies foram selecionadas para estudo porque já haviam sido descritas como patogênicas nas doenças de gengiva e pretendia-se investigar sua possível importância nas doenças do canal radicular. O pesquisador descobriu que a quantidade relativa dessas espécies não possui correlação com a dor ou sensibilidade de origem endodôntica, reiterando resultados de estudos similares conduzidos por outros centros de pesquisa.
Conseqüências Daniel Saito considera que o mais importante no estudo que realizou é o fato de ele abrir caminho para outras pesquisas, pois a microbiota necessita de uma caracterização mais aprofundada, visto que existem bactérias ainda não cultiváveis, outras desconhecidas e uma alta variabilidade da microbiota em diferentes pacientes, fatores que por si só apontam para a necessidade de estudos posteriores. Conclui pela importância do emprego da investigação microbiológica baseada no DNA em pesquisas odontológicas futuras.