DESAFIOS
Jornal da Unicamp
– Em sua opinião, quais os principais desafios a serem enfrentados
pela Unicamp, enquanto universidade pública, nos próximos
anos? Como será possível superá-los?
Fernando
Costa – Num mundo de mudança rápida de cenários, e num
país com apenas três quartos de século de experiência efetivamente
universitária, as ilhas de excelência – como é o caso da
Unicamp – têm o papel fundamental não apenas de gerir exemplarmente
a si mesmas mas também de servir de modelo e paradigma para
a universidade pública como um todo. As universidades públicas
estaduais paulistas representam hoje fator fundamental para
o desenvolvimento do Brasil por meio da educação e da formação
de pessoas, da pesquisa científica de elevada qualidade
e da extensão de serviços à sociedade. O desafio institucional
é, pois, o de manter e incrementar significativamente o
padrão de qualidade da Unicamp para que em todas suas áreas
de atuação ela tenha qualidade comparável à das melhores
universidades do mundo. Nossa proposta tem como base fundamental
a primazia dos valores acadêmicos em todas as esferas da
vida universitária, a defesa da autonomia universitária
como garantia do ensino público, gratuito e de qualidade,
a responsabilidade social da universidade e a institucionalidade.
Nosso
programa alinha ações que consolidam, ampliam e inovam em
relação ao ensino de graduação e pós-graduação, à pesquisa,
extensão e à gestão universitária. Nesse contexto, merece
atenção o apoio importante ao papel fundamental da Universidade
de educar e formar pessoas, o que também é hoje preocupação
prioritária em todas as mais importantes universidades do
mundo. O ensino de graduação será objeto de atenção prioritária,
por meio de um conjunto de ações que incluem a reavaliação
cuidadosa da estrutura curricular, ênfase nas características
multidisciplinares e de formação abrangente do aluno e o
estímulo à participação do docente na graduação por meio
do incentivo à inovação e à atividade de excelência. E tanto
no âmbito da graduação quanto da pós-graduação e da pesquisa,
o aumento do intercâmbio nacional e internacional será objeto
de ações institucionais concretas.
No
que se refere à produção do conhecimento, propõe-se garantir
o apoio institucional a grupos de pesquisa bem como a projetos
individuais. Entre várias outras ações, destaca-se ainda
a criação de uma política de atração dos mais qualificados
docentes e pesquisadores, indispensável para o incremento
da pesquisa de elevada qualidade em todas as áreas do saber.
No que diz respeito às relações com a sociedade, a preocupação
com o aspecto formativo da atuação universitária se revela
nas diversas propostas para incrementar as ações de extensão
comunitária, os serviços de saúde e as relações produtivas
da universidade com empresas e órgãos governamentais.
Gláucia Pastore – A Unicamp já assume
um papel de vanguarda no ensino, em muitas áreas de pesquisa
e na prestação de serviços socialmente relevantes, no âmbito
nacional e, em certos aspectos, mesmo no âmbito internacional.
Isto é fruto do labor acumulado dos docentes, funcionários
e alunos, desde sua fundação, sob distintas gestões. É fruto,
por outro lado, da autonomia acadêmica, de que a Unicamp
sempre gozou, e da autonomia administrativa, consagrada
no artigo 207 da Constituição de 1988, e avançada, no que
concerne às universidades estaduais paulistas, no Decreto
Lei 29598 de fevereiro de 1989, conquistado pela luta das
universidades.
Por
assim entender, nosso programa declara como sendo nossos
compromissos “elevar cada vez mais o nome da Unicamp, reiterando
também sua importância e participação nos rumos da educação
superior e da pesquisa nacional”, bem como “exercer e fortalecer
a autonomia das universidades, buscando, junto ao Cruesp
estabelecer gestões e ações que envolvam a comunidade e
suas representações para o pleno exercício da autonomia”.
Ao mesmo tempo em que esta Universidade nos enche de orgulho,
não ignoramos as frustrações e descontentamentos latentes
entre docentes, funcionários e estudantes. Há tempo convivemos
com a insuficiente substituição de docentes e funcionários,
com a precarização das condições de contratação. Há tempo
os funcionários clamam por um quadro de carreira mais justo
e estimulador, tal como lhes parecia ser o quadro de carreira
docente. Entretanto, a recente decretação do percentual
máximo de docentes titulares correspondente a 35% do total,
sobrepondo-se aos critérios de avaliação construídos pelas
unidades, foi mais um rompimento das regras em que se assentava
a carreira docente, da mesma forma que as duas reformas
da previdência. Foi uma medida que introduziu cisões entre
unidades mais ou menos afetadas, gerou desconfianças entre
os docentes titulares e os que o não são, e passou a inocular,
entre os que podem vir a ser titulares, um estilo de competição
que retoma os tempos das cátedras.
Ora,
o trabalho de levar a Unicamp à plena realização de sua
missão de ensino, pesquisa e extensão é um esforço conjunto
de todos, e deve ser fundamentado no entusiasmo dos docentes,
funcionários e alunos.
Tendo em vista este duplo aspecto, entendemos que o principal
desafio a ser enfrentado é o de combinar a preservação das
conquistas com a análise dos impasses, das contradições,
visando o enfrentamento destas angústias da comunidade unicampiana.
Por isto nosso slogan, “mudança com sensibilidade”. Esta
palavra encerra o significado de muitas outras, revelando
nossa intenção de manter o diálogo com todas as entidades
de representação de docentes, funcionários e alunos, assim
como de manter as portas abertas e os procedimentos claros,
de forma que os canais de comunicação entre a Reitoria e
docentes, funcionários e alunos sejam vias de duas direções.
A imprensa e outros meios de divulgação institucionais da
universidade deverão contribuir para que as discussões relevantes
sejam levadas a toda comunidade. O objetivo é dar agilidade
à realimentação de idéias, sugestões e críticas. A agilidade
desse processo poderá contribuir para que as boas ideias
passem do plano abstrato ao concreto, e sejam efetivamente
implementadas. Também é nosso propósito aplicar métodos
modernos de gestão ao planejamento estratégico (Planes),
ampliando a participação da comunidade na sua discussão.
Outro
desafio que está posto para a Universidade é a questão da
crise econômica, que tende a impactar nosso orçamento, e
que pode servir de escusa para novos ataques de retirada
de direitos previdenciários. É nosso compromisso agir e
lutar para que docentes e funcionários possam exercer suas
carreiras sem preocupação com a hora da aposentadoria.
Neste aspecto, é importante lembrar a contribuição que
nossa universidade vem dando ao estudo da crise e das políticas
capazes de enfrentá-la, e que cabe estimular e promover.
Esta é uma tarefa magna da responsabilidade social da Universidade,
que inclui os nossos Institutos de Economia e de Filosofia
e Ciências Humanas, mas estende-se a rigorosamente todas
as áreas. Temos em desenvolvimento não só uma crise financeira,
mas também uma crise energética, uma crise ambiental e uma
crise civilizacional, que devem mobilizar toda nossa tradição
de excelência acadêmica e científica.
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