|
OUTRA HISTÓRIA
Docentes debatem perspectivas da
disciplina
durante 2ª. Olimpíada Nacional em História do Brasil
A
imagem do professor solene à frente da classe, lendo em voz
alta o texto didático e limitando-se a pedir aos alunos para
memorizar perguntas e respostas ainda pertence ao cotidiano
de aulas de História em escolas brasileiras. Reformulações
no processo de ensino-aprendizagem, como as propostas pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais, enfatizaram a necessidade
de substituição de modelos catequizadores e alienantes por
métodos dinâmicos, destinados a desenvolver no estudante do
ensino fundamental e médio a capacidade de analisar e de estabelecer,
de maneira crítica, relações entre informações atuais e históricas.
A pedagogia, contudo, pouco mudou, e ainda padece das mazelas
da superficialidade, do conteudismo e do reproducionismo.
Embora a culpa não seja só dos mestres, são eles que sentem
na sala de aula o reflexo dessa situação aflitiva: constatam
a apatia de suas classes pela disciplina e são assaltados
por constrangedores questionamentos dos educandos a respeito
da importância do conhecimento histórico para a vida. Iniciativas
promotoras de abordagens mais contextualizantes para a matéria
têm influenciado sensivelmente a transformação desse quadro,
porém mudanças profundas – estruturais e conceituais – não
dependem apenas da boa vontade de professores.
O
debate sobre o estágio atual e as perspectivas de educação
dessa ciência social nas escolas brasileiras reuniu na Unicamp
professores de História de estabelecimentos públicos e privados
em encontro, no dia 24 de outubro, durante a 2ª. Olimpíada
Nacional em História do Brasil (ONHB), organizada pelo Museu
Exploratório de Ciências (MC) da Universidade. Na oportunidade,
palestras apresentadas pelos professores José Alves de Freitas
Neto (coordenador de graduação do curso de História da Unicamp)
e Durval Muniz de Albuquerque Júnior (docente titular da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte e presidente da Associação
Nacional de História – ANPUH) suscitaram discussões acerca
de práticas tradicionalistas que precisam ser superadas em
sala de aula e das dificuldades que ainda impedem a efetiva
adoção de metodologias destinadas a estimular a problematização
e a produção do conhecimento histórico na escola.
Capitania hereditária
A
transição do modelo repetitivo para o reflexivo passa, fundamentalmente,
pela percepção de que a História não é mera repositória do
passado, mas uma ciência em permanente construção e, como
tal, requer que o ato de ensinar seja identificado com o de
construir. A partir dessa premissa, devem ser priorizadas
ações capazes de aproximar o aluno do fazer historiográfico,
de maneira a ajudá-lo a compreender o reflexo das conjunturas
históricas em seu cotidiano e a descobrir seu papel na construção
da história. Isso não significa abdicar da lousa, das aulas
expositivas, das provas e do livro didático. A transmissão
do conhecimento, no entanto, não deve ficar mais limitada
a esses instrumentos.
Não se pode esquecer ainda
que o advento das novas tecnologias, como a rede mundial de
computadores, proporcionou ao jovem acesso ilimitado a múltiplas
fontes de informação. Ainda que se conteste a confiabilidade
de grande parte da massa de dados disponíveis, o fenômeno
fez com que o estudante assumisse um papel muito mais ativo
na construção do próprio conhecimento fora dos muros escolares,
o que modificou significativamente a relação com o professor
como fonte de saber. Isso trouxe ao educador o desafio de
não só saber interpretar e acompanhar com agilidade as constantes
transformações, mas também de saber traduzir o conhecimento
gerado para o cotidiano do aluno.
“O
professor de História lida com algo que é absolutamente vivo,
pulsante, contínuo. Ele deve estimular reflexões de forma
a levar seus alunos a perceber as conexões dos processos ocorridos
no passado com as questões atuais, contribuindo para o entendimento
da dinâmica do processo histórico e para a interpretação do
presente”, ressalta Durval.
Para se alcançar esse patamar,
entretanto, é necessário que mestres se dispam de paradigmas
relacionados ao modo como encaram os fatos do passado, e se
disponham a reconhecer suas limitações e a aprender – assim
como seus alunos – com os novos estudos e enfoques. Há também
que se superar a excessiva valorização da transmissão do conteúdo
em detrimento da análise da mensagem.
“Temos ainda um ensino essencialmente
conteudista, em que a grande preocupação é o conteúdo, e não
o aprendizado que ele pode proporcionar”, sentencia Durval.
O resultado dessa distorção é que o aluno torna-se receptor
passivo de uma carga enorme de informação e não consegue aprofundar
absolutamente nada. Ele é incapaz de estabelecer relações
entre o que vê no passado e o mundo contemporâneo.
“Ensinar
que existiu a colônia e fazer o aluno decorar os nomes das
capitanias hereditárias não é tão importante quanto ajudá-lo
a compreender por que há no país quem ainda continue querendo
que a capitania seja hereditária”, ironiza, ao comentar a
necessidade de o professor problematizar o conteúdo, deixando
apenas de reproduzi-lo, trabalhando em sala de aula com a
perspectiva de ensinar História para além do que o livro didático
estabelece.
Não basta evitar reduzir a
abordagem do conhecimento histórico à mera descrição e repetição
de eventos; é preciso muito cuidado na exposição do conteúdo
como se fosse uma absoluta verdade, cabendo ao professor a
missão de desenvolver no corpo discente o senso crítico, isto
é, a capacidade de ler, interpretar e confrontar diferentes
leituras e abordagens historiográficas acerca de um fato.
“O
papel do historiador e do professor de História é decisivo
para a construção de uma sociedade democrática, que respeite
a diversidade cultural, as diferenças, que privilegie o debate
e a argumentação de idéias. Portanto, ele não pode querer
doutrinar os alunos com uma única posição histórica a respeito
de um determinado evento”, pondera Durval. Por meio da análise
crítica e reflexiva de diferentes fontes, o aluno identificará
a diversidade de contrapontos que lhe permitirá construir
a sua própria interpretação sobre os temas apresentados.
Autonomia docente
José Alves também relativiza
o papel dos conteúdos. Ele enfatiza que cabe ao professor
exercer a sua autonomia para identificar oportunidades de
problematização no conteúdo a ensinar, fazer o recorte e dar
as ênfases que julgar necessárias.
“É
claro que o aluno será cobrado, no Enem e no vestibular, sobre
conteúdos e perspectivas mais amplas. Porém, isso não impede
o professor de fazer abordagens um pouco mais inovadoras em
vez de ficar reproduzindo os argumentos do passado”, observa.
“Os conteúdos não são uma exigência, não há diretriz curricular.
Existem parâmetros curriculares que enfatizam temáticas necessárias
para a aprendizagem. Mas embora não tenhamos mais currículo
obrigatório, ficou uma cultura de que o professor tem de falar
de todos os aspectos da História. Isso precisa ser mudado.”
Segundo Durval, o problema
se agudiza à medida que o senso comum da direção das escolas
e dos pais dos alunos acaba sendo o de que o professor deve
cumprir rigorosamente aquilo que está programado. Em sua opinião,
cobranças de ambas as partes para a utilização integral do
livro didático, dentro de uma carga horária cada vez mais
apertada, limita consideravelmente o uso de outras estratégias
de ensino por parte do professor.
Para ele, uma substancial
mudança nesse cenário não se dará sem uma transformação na
cultura escolar e na própria visão das famílias em relação
ao tipo de educação que desejam para os filhos. Avanços só
virão com novas posturas de educadores, diretores de escolas,
pais e autoridades – o que, obviamente, envolve alterações
nas atuais orientações curriculares para o ensino fundamental
e médio.
“Depende
do MEC, das entidades representativas dos professores e dos
educadores como um todo iniciar uma discussão com a sociedade
para se mudar os conceitos educacionais vigentes, notadamente
na área de História. É preciso criticar o tipo de escolha
que foi feita e propor outras possibilidades de ensino”, afirma
o docente.
Olimpíada
reuniu
43 mil
participantes
A Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB) vem contribuindo para proporcionar um novo dinamismo às aulas de História, pelo menos nas escolas integrantes do evento que, em sua segunda edição, reuniu mais de 43 mil participantes, entre estudantes e professores do ensino fundamental e médio de diferentes regiões do país. Análise de materiais iconográficos (mapas, gravuras, mídia em geral), leitura e interpretação de documentos são algumas das atividades propostas com o intuito de incentivar a capacidade de reflexão na disciplina, fomentando novos hábitos de estudo e de aquisição do conhecimento histórico.
Composta de provas virtuais e presenciais, a ONHB é concebida e elaborada por historiadores e professores de história do MC e da Unicamp. Lançada em 2009 com 16 mil participantes, veio ocupar pioneiramente um espaço até então inexistente para as ciências humanas no campo das olimpíadas científicas, tradicionalmente voltadas às ciências exatas, biológicas e tecnológicas, lembra Marcelo Firer, coordenador do MC. Ao proporcionar aos participantes a oportunidade de trabalhar com temas fundamentais da história nacional e de conhecer de perto as práticas e metodologias utilizadas pelos historiadores, o evento amplia as possibilidades de aproveitamento do vasto conhecimento produzido sobre a História do Brasil e permite que se estude com maior profundidade o tema.
De acordo com o retorno dos participantes, o evento transforma a rotina não só da aula de História, mas da escola toda. A competição desperta maior interesse dos estudantes pelo tema, o professor da disciplina se sente valorizado e o mesmo ocorre com o aluno que gosta de História, pois passa a dispor de um espaço para mostrar e pôr à prova seus conhecimentos na matéria, observa Cristina Meneguello, coordenadora da ONHB. Segundo ela, houve até o caso de pais de alunos de um colégio de Belo Horizonte que exigiram da direção do estabelecimento o aumento do número de horas-aula de História depois que o fraco desempenho do grupo no torneio revelou o despreparo dos filhos na matéria.
Os docentes, por sua vez, passaram a ter no site da competição na internet uma fonte confiável de consulta e utilização de material para incrementar suas aulas, já que o acervo digitalizado de documentos históricos permanece acessível após o término das provas.
|
|