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Estudo demonstra que Ceasas perdem
visão estratégica e espaço para varejo
Tese mostra também isolamento
e obsolescência
das estruturas físicas para comercialização
O
processo de urbanização da sociedade brasileira se reflete
em novos padrões de consumo que valorizam produtos de fácil
preparo, saudáveis, sem resíduos, que já venham lavados, selecionados,
picados e embalados. Os supermercados, atentos a essa tendência,
adotaram essa estratégia para atrair diferentes públicos a
partir do início dos anos 2000. E como ficam as centrais de
abastecimento (Ceasas) criadas na década de 1970 para regulamentar
a comercialização atacadista de alimentos no Brasil?
Estudo realizado pelo pesquisador
Altivo Almeida Cunha, em sua tese de doutorado defendida no
Instituto de Economia (IE) da Unicamp, mostra que as centrais
não têm avançado no sentido de acompanhar a evolução organizacional
do setor varejista de hortigranjeiros. Com o desmonte do Sistema
Nacional de Centrais de Abastecimento (Sinac), a maioria das
unidades passou a atuar isoladamente e perdeu a visão estratégica
de longo prazo e a aproximação entre os agentes envolvidos
no processo de produção, além de conviver atualmente com a
obsolescência das estruturas físicas para comercialização.
O distanciamento das instâncias
governamentais, que deixaram de acompanhar e evolução organizacional
do setor, também contribuiu para a decadência das Ceasas,
na opinião do pesquisador. “Um sistema tão importante, com
tantas unidades, e não há pesquisa sistemática do governo.
Por que não fazer um censo das ceasas através do IBGE no mesmo
molde das pesquisas de atividade industrial?”, questiona.
De acordo com Almeida Cunha,
as centrais de abastecimento vêm perdendo paulatinamente dinamismo
em termos de quantidade comercializada. Desde os anos 1980,
o modelo de Ceasas vem competindo com o modelo de distribuição
representado pelos grandes supermercados, que vão gradativamente
assumindo uma importância maior, segundo Almeida Cunha. Em
sua opinião, para garantir sua permanência, as centrais precisam
se inserir em estratégias globais para evolução do sistema.
A estratégia de permanência deve basear-se na prestação de
novos serviços e em novo modus operandi para promover a qualidade,
a diferenciação e a segmentação dos produtos, garantindo qualidade
sanitária e nutricional. “A oferta das centrais de abastecimento
dos principais produtos está crescendo menos que o crescimento
populacional”, enfatiza.
“Como as centrais foram concebidas
para criar um sistema de padrões, o sistema de abastecimento
alimentar no Brasil perdeu o rumo em termos de coerência”,
acrescenta Almeida Cunha. Segundo o pesquisador, as centrais,
na sua criação, tinham uma lógica para funcionar como agentes
que partilhavam informações e que definiam padrões técnicos
de qualidade e de informações. No entanto, com a perda da
visão sistêmica do segmento, estas funções foram negligenciadas.
No trabalho, Cunha mostra
que o modelo de supermercado atual não é isento de contradições,
pois o supermercado impõe uma série de condições aos produtores
rurais que é extremamente restritiva em termos de prazo, perdas
e exigências. Por outro lado, as Ceasas mantêm o papel de
garantir a difusão de informações, e um novo papel. “Hoje
deveria ser o local onde se forma qualidade, onde se tem informação
de preço, e não apenas um local onde se possa vender, porque
os supermercados já estão competindo e, em alguns casos, levando
esse valor da qualidade e da informação”, pontua.
A mesma crise enfrentada no
Brasil já havia se desenhado na década de 1980 na Europa,
referência do modelo atacadista brasileiro. Mas a resposta
dos mercados europeus caminhou exatamente no sentido de agregar
padrões de qualidade e de sanidade aos produtos, como estavam
fazendo os grandes supermercados. A diferença e o comportamento
foram constatados pelo pesquisador no MercaMadrid, na Espanha,
e no Mercado Atacadista de Lisboa, em Portugal. Ao contrário
do que aconteceu no Brasil, a crise não foi motivo de inibição,
mas sim de reação.
A pesquisa levou Almeida Cunha
a concluir que o modelo brasileiro de Ceasas não vai acabar,
mas coexistir com o segmento supermercadista, porém, a importância
estratégica das Ceasas diminuirá cada vez mais se elas não
assumirem outro tipo de papel, que é a promoção da qualidade.
Tipologia
A
pesquisa realizada pelo pesquisador identificou que o sistema
de abastecimento atacadista no Brasil é composto por 42 instituições
gestoras que administram 73 entrepostos. Atualmente, existem
instituições gestoras federais, estaduais e municipais e Oscips.
O sistema comercializa anualmente 15, 5 milhões de toneladas
de alimentos, com faturamento anual estimado em de 8 bilhões
de dólares. “As Ceasas abastecem não apenas seu município,
mas seu entorno. Os pequenos supermercados vão às Ceasas para
comprar. Hoje, os municípios que têm centrais de abastecimento.
representam 46,5% da população brasileira”.
Em sua tese de doutorado,
Almeida Cunha desenvolveu uma tipologia, na qual verificou
que, entre os principais entrepostos brasileiros existem aqueles
que têm função local, regional ou nacional de reunião e distribuição
da produção, enquanto outros são apenas entrepostos comerciais
importadores da produção. Estes últimos, segundo ele, perderam
sua função original, têm outra função, mas para este tipo
de mercado, tanto faz ser público ou privado, porque são apenas
entrepostos comerciais. “São shoppings horizontais de produtos
frescos”.
Ao analisar as relações de
fornecimento das principais Ceasas brasileiras, o estudo mostrou
que em São Paulo, a maior central brasileira, a distância
média ponderada da oferta de hortigranjeiros é de 189 quilômetros,
indicando a importância da Ceagesp para escoamento da produção
regional. No outro extremo pode ser citado o caso de Caruaru,
onde, segundo o estudo, a distância média de oferta da base
produtiva ao entreposto atacadista é de 912 quilômetros. “Neste
caso, o peso da oferta local é pequeno. A cidade é somente
um entreposto comercial. Não tem função de escoamento da produção
local”, explica Almeida Cunha.
As diferenças entre as Ceasas
apontam para diferentes possibilidades de programas, na opinião
de Almeida Cunha. Aquelas que têm relação mais forte com a
base produtiva deveriam ser objeto de políticas como o programa
de aquisição de alimentos (PAA) do governo federal e os programas
de incentivo à comercialização da agricultura familiar. “No
Brasil nós vemos muitos exemplos incoerentes em que o governo
federal financia galpões para produtores em Ceasas que não
têm relações com produtores, o que é extremamente ineficiente
do ponto de vista das políticas públicas”, pontua.
Para ele, o mapeamento das
Ceasas deve servir para orientar programas de investimento
em infraestrura nas centrais. “As Ceasas devem ser o local
de formação de qualidade, tanto comercial, onde se destacam
a classificação, embalagem e rastreabilidade, quanto de padrões
sanitários de resíduos e organização. Onde se comercializam
alimentos deve se ofertar organização e limpeza”.
Almeida Cunha acrescenta que
Campinas é um ótimo exemplo de central de abastecimento que
consegue articular função do atacado com funções de segurança
alimentar. “É uma central referencial no Brasil dentro de
seu porte. Tem bons índices técnicos e age positivamente sobre
a cadeia produtiva até o consumo final, realizando ações para
produtores e consumidores. Sempre recomendo que venham visitar
para ver como está estruturada”, reforça. Entre as unidades
que têm estrutura favorável, além de Campinas, ele destaca
as de Belo Horizonte e Curitiba.
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Publicação
Tese “O sistema atacadista alimentar brasileiro”
Autor: Altivo Roberto Andrade de Almeida
Orientador: Walter Belik
Unidade: Instituto de Economia (IE)
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