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Estudo mapeia áreas de Campinas
mais vulneráveis à esquistossomose
Dissertação analisa o padrão espacial da ocorrência
da doença no município
As
doenças parasitárias, como a esquistossomose, estão entre
as que apresentam comportamento epidemiológico mais fortemente
ligado à existência de elementos do meio ambiente que, em
maior ou menor grau, influenciam a sua ocorrência. É inclusive
uma das principais doenças parasitárias de veiculação hídrica
no mundo. A forma da ocupação humana dos espaços urbanos das
periferias das grandes cidades, aliada à alta vulnerabilidade
social, ainda associada a condições inadequadas de moradia,
vem causando forte impacto na dinâmica da esquistossomose
e de várias doenças emergentes e reemergentes no país. Em
Campinas, local onde recentemente foi desenvolvida uma dissertação
de mestrado na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura
e Urbanismo (FEC), o médico veterinário Cláudio Luiz Castagna
chegou a 12 áreas geográficas de maior vulnerabilidade ambiental
à doença, também chamadas “hotspots” endêmicos (ver quadro
nesta página). O estudo analisou o padrão espacial da ocorrência
da esquistossomose e do hospedeiro intermediário com o objetivo
de compará-lo às condições ambientais e ao padrão atual de
uso do território. A região do bairro Campo Belo foi tida
como o principal hotspot endêmico do município. Segundo a
professora da FEC Rozely Ferreira dos Santos, orientadora
da dissertação, que abrangeu uma ampla escala temporal (de
1998 a 2006), isso talvez possa ser atribuído ao fato deste
bairro conjugar várias características favoráveis à propagação
da doença, como a presença de cultura irrigada, entulhos,
lagoas com lazer intenso e contato íntimo com a água. Esses
hotspots, salienta, fornecem a dimensão da vulnerabilidade
para casos novos.
Castagna refere que, quando
sobrepostos fatores ambientais que potencializam ou facilitam
o aparecimento da doença, que é a presença do caramujo Biomphalaria,
ou seja, o contato do homem com a água, foram encontradas
áreas que concentraram mais tais fatores. “Assim sendo, é
certo que a sobreposição induz o aumento da vulnerabilidade
à doença.”
Santos é bióloga e responsável
pelo Laboratório de Planejamento Ambiental (Lapla) da FEC,
local onde são desenvolvidas pesquisas interdisciplinares,
como a de Castagna. Ela conclui que este estudo, em alguns
aspectos, pode ser comparável aos de vulnerabilidade ambiental
para desastres. “Quando se tem um declive, por exemplo, pelo
desmatamento, ele se torna mais vulnerável ao desbarrancamento
por ocasião dos eventos de chuvas. É algo semelhante ao caso
avaliado, pois nele está sendo medida a vulnerabilidade de
uma área mais exposta aos casos novos de esquistossomose.”
Mapeadas
essas áreas, diz a orientadora, é possível realizar intervenções.
Apesar de serem identificadas 12 áreas de vulnerabilidade
ambiental para esquistossomose – os hotspots endêmicos –,
viu-se que a distribuição da doença no município não foi homogênea.
Ao contrário, sua vulnerabilidade se concentrou em alguns
pontos. Por isso Castagna propôs a base de um plano de manejo
ambiental para as gestões públicas promoverem o controle da
doença.
Para o ecólogo Francisco Anaruma
Filho, co-orientador da dissertação e pesquisador do Lapla,
a vigilância em saúde na cidade deve ser mais incentivada
ainda nas áreas dos hotspots. Atividades de planejamento,
cita, concorrem para antecipar o aparecimento de eventuais
surtos da doença, nos lugares mais tendentes à sua disseminação,
principalmente devido a todas as condições ambientais sobrepostas
na mesma região.
A finalidade da investigação
de mestrado foi medir a influência do meio ambiente sobre
a ocorrência de uma doença, sob o olhar da ecologia da paisagem.
“Existe uma série de doenças no ser humano influenciada pelos
elementos ambientais. Não é de hoje que isso é sabido. Alguns
casos típicos são doenças como a malária e a leishmaniose”,
expõe o veterinário. A ocorrência desses casos, em grande
medida, depende do contato de uma população humana com um
ecossistema silvestre, natural, completa Anaruma Filho.
O próximo passo será a utilização
desse modelo para tentar identificar áreas de risco, desta
vez de leishmaniose visceral, que avança muito no Estado de
São Paulo. “Serão propostas áreas de alerta para essa endemia
que está chegando. Campinas inclusive já mostra alguns casos
em cães. Vamos agilizar o processo, o mais rapidamente possível,
para estabelecer áreas vulneráveis à doença, antes que os
casos comecem a aumentar”, adverte o pesquisador.
Notificação
Castagna sublinha que a epidemiologia
analisa a dinâmica da ocorrência das doenças através dos casos
humanos notificados, dando pouca ênfase aos fatores ambientais.
Mas a ideia do veterinário foi mensurar e compreender como
a dinâmica dos elementos do meio ambiente são capazes, dentro
de uma estrutura, de contribuir para a ocorrência da doença.
A escolha da esquistossomose
não foi obra do acaso, já que se trata de uma doença ambiental
muito recorrente no Estado de São Paulo. Em Campinas, de acordo
com Anaruma Filho, nos últimos anos têm sido notificados em
média entre 100 e 120 casos anuais de esquistossomose. Ele,
porém, faz uma ressalva: “nem todos os casos necessariamente
foram adquiridos na cidade (autóctones), posto que inexiste
um registro dessa quantidade”. Além do mais, muitos casos
são subnotificados. Já o trabalho de Castagna baseia-se justamente
nas notificações.
Uma de suas tarefas consistiu
em identificar, por meio da análise da estrutura da paisagem,
áreas vulneráveis à ocorrência de focos da doença. Castagna
comenta que o controle da doença baseado na eliminação dos
hospedeiros intermediários é mais complexo, por exemplo, do
que o controle que se faz com a dengue, pela grande dificuldade
de eliminar o caramujo. As medidas profiláticas basicamente
se restringem a ações preventivas realizadas pelos centros
de saúde.
Modelo
Anaruma Filho conta que, na
fase de criação do modelo, a fim de entender como seriam medidas
as características da paisagem que influiriam na doença, Campinas
passou pelo mapeamento dos locais mais propensos à esquistossomose.
Foi estudado o município todo.
É óbvio, realça o ecólogo,
que no centro da cidade as áreas de vulnerabilidade para esquistossomose,
por serem essencialmente urbanas e com saneamento básico,
são menos vulneráveis. “Já a Lagoa do Taquaral, que é uma
área de grande vulnerabilidade, mostra-se completamente saneada.
As pessoas não tomam banho ali e então a chance de desenvolver
a doença é muito baixa na região”, afirma. No geral, a constatação
foi que os locais com maior chance de serem atingidos são
as regiões mais periféricas da cidade.
As áreas concentradoras de
características ambientais propícias à disseminação da doença,
pontua Santos, foram exatamente as áreas onde notou-se concentração
de pessoas que tinham, ou tiveram, a doença e um dia fizeram
notificação no Sistema Nacional de Agravos de Notificação
(Sinan). Este procedimento é algo comum quando realizado o
diagnóstico da esquistossomose. O clínico tem por rotina notificar
a doença. A partir desse cadastro, aborda ele, faz-se uma
pontuação e consegue-se localizar as residências dessas pessoas.
Todavia não se pode garantir que elas adquiriram a doença
nestes locais.
“Observamos que a nossa proposta
metodológica era consistente e, assim, convidamos a Secretaria
de Saúde para passar por um treinamento na Unicamp e se qualificar
para o uso de softwares de domínio público, capazes de reproduzir
o modelo e serem adotados por prefeituras de pequeno e de
grande porte. Nós ainda usamos softwares um pouco mais sofisticados”,
revela Santos.
Se essas pessoas não foram
tratadas adequadamente ou mesmo não sofreram qualquer tipo
de tratamento, elas precisam saber que estão exatamente no
lugar onde o problema é de fato maior. “Podem estar contaminando
um ambiente vulnerável, e a chance da doença se concentrar
e se propagar nas regiões mais vulneráveis também é muito
maior”, aponta Castagna. Sua esperança é que o seu trabalho
seja aplicado pelos gestores municipais, a fim de ser aproveitado
para reduzir o risco da ocorrência da esquistossomose no Estado
de São Paulo.
Contaminação se
dá por meio de larvas
A transmissão da esquistossomose
prescinde que o indivíduo tenha contato com coleções de
água como lagos, riachos, pequenas represas ou um rio
de águas pouco turbulentas que contenha caramujos de espécies
que estão parasitadas. A contaminação se dá por meio das
larvas liberadas pelos moluscos infectados, que penetram
ativamente na pele do indivíduo e, ali alojadas, iniciam
um ciclo que se completa em veias do abdômen, que levam
o sangue das paredes do intestino para o fígado. Seguem-se
a fase em que o baço aumenta de volume e, a mais grave,
de formação de varizes no tubo digestivo, do esôfago até
o ânus. Em geral, o hospedeiro é um mamífero (o ser humano),
embora possam haver casos de contaminação de alguns animais,
como os ratos, que poderiam servir de reservatório. Contudo
estas infecções são raras. São até possíveis teoricamente,
porém não é o que se encontra comumente.
Regiões mais vulneráveis
(segundo regiões por ordem decrescente)
Campo Belo/São Domingos
Parque Oziel/Monte Cristo/Bandeiras
São Marcos/Santa Mônica
Campos Elíseos/Perseu Leite de Barros
Campo Grande
Ouro Verde/Jardim Aeroporto
Centro/Cambuí
Barão Geraldo
São Fernando/Carlos Lourenço/
Baronesa/Tamoio
Jardim Eulina
Sousas
Taquaral/Parque São Quirino
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Artigo
ANARUMA FILHO, Francisco; SANT’ANA, J.M.; SANTOS, R.F; CASTAGNA,
C.L. Environmental inducers of schistosomiasis mansoni. Geospatial
Health, no prelo.
Publicação
Dissertação de Mestrado “Medida de vulnerabilidade ambiental
para Esquistossomose mansoni em função da estrutura da paisagem”
Autor: Cláudio Luiz Castagna
Orientadora: Rozely Ferreira dos Santos
Coorientador: Francisco Anaruma Filho
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil. Arquitetura
e Urbanismo (FEC)
Financiamento: Fapesp
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